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Crítica | Selva de Poeira, de Ana Miranda

Uma crítica contundente ao processo de urbanização brasileira, tendo Brasília como cenário reflexivo.

por Leonardo Campos
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Tendo Brasília como cenário, Selva de Poeira é um dos mais curtos contos da coletânea Tudo O Que Não Foi, no entanto, em suas poucas palavras, consegue executar a missão de refletir o estresse na mobilidade urbana contemporânea, graças ao talento de Ana Miranda, escritora e atriz brasileira, conhecida por sua jornada de formação literária que teve Rubem Fonseca como parte integrante de seu círculo cultural e social, experiente em suas publicações de crônicas em revistas diversas, tais como Caros Amigos, Correio Braziliense, além de editoriais e a gestão do Instituto de Artes da FUNARTE. No conto em questão, ela versa sobre o quão estressante é o cotidiano dos seres humanos que atravessam a cidade, uma selva de poeira, pedra e poluição, geradora de cansaço, irritabilidade e desafios hercúleos para quem se propõe a sair de casa.

Assim, o conto diverte o leitor e tece a sua crítica aos impactos do trânsito na vida das pessoas que passam por muitos obstáculos no caminho para o trabalho, na ida ao mercado, na disposição para comprar um lanche ou em qualquer outra atividade que tenha como caminho, as vias que cortam a cidade. Os desvios que tentamos fazer, muitos deles, inúteis, pois nos trazem outras dificuldades, em linhas gerais, qualquer tentativa de deslocamento, irritante e exaustiva, dominam o desenvolvimento de Selva de Poeira. O estresse, parte integrante do nosso vocabulário exclamativo diário, interfere na vida das pessoas e se torna perigoso para todos os indivíduos integrantes da mobilidade. E, pelo que contemplamos no contemporâneo, pode piorar.

Segundo a narradora deste conto sem um personagem nomeado e definido, o sistema é hostil como aquilo mesmo que cria, isto é, as leis e a paisagem urbana por onde entrecortam carros, ciclistas, ônibus, pedestres, dentre outros. O seu tom lembra bastante das crônicas Exigências da Vida Moderna e O Último Engarrafamento, de Luís Fernando Veríssimo, por retratar o estresse gerado diante de uma rotina que traz um arcabouço de obrigações diárias responsáveis por achatar qualquer chance de uma existência com qualidade de vida. E, sem tal qualificação para sua existência, o condutor vive momentos de tormenta, em situações que o levam a agir de maneira impulsiva, sem racionalizar diante de tanta confusão.

Em nossa travessia cotidiana com acumulação de tarefas, responsabilidades em excesso, obrigações para administrar tudo de maneira certinha e equilibrada, tentando assegurar o tópico “saúde”, nós acabamos solapados pela quantidade de tópicos para dar conta. E o trânsito, gerador de estresse, não ajuda em nada. Tal condição, conhecida por alterar o estado emocional das pessoas e potencializar atitudes nada responsáveis, é a tônica do condutor de Selva de Poeira, um cidadão que deixa para fazer algumas coisas nos finais de semana, mas em nada adianta, pois se deslocar pela cidade é tão estressante quanto nos dias de trabalho. Frustração, desconforto, preocupação e medo. Pontos que integram o espiral daqueles que vivem o estresse no trânsito, refletidos neste conto nada otimista, mas criticamente incisivo e afiado.

Selva de Poeira (Brasil, 2014)
Autor: Ana Miranda
Editora: Carlito e Caniato Editorial
3 páginas

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