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Crítica | Selvagens

por Ritter Fan
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estrelas 0,5

Este texto faz parte da cobertura do Festival do Rio 2012, que trará diversas críticas de filmes ainda inéditos no Brasil. Clique aqui e confira todo o conteúdo desse especial.

Dirigir um filme deve ser uma das experiências mais complexas e gratificantes que alguém pode ter. O problema vem quando um diretor já estabelecido começa a encarar sua profissão da mesma maneira que uma criança encara uma caixa de brinquedos dos mais variados. A criança pega aqueles que mais chamam a atenção e monta uma narrativa que só faz sentido na cabeça dela. Na verdade, ainda pior do que encarar a direção de um filme como uma criança mexendo em uma caixa de brinquedos é encará-la como adulto mexendo em sua caixa de brinquedos antiga, que achou no porão da casa mãe. Ele pega os brinquedos e, de forma patética, tenta reproduzir aqueles arroubos de imaginação de outrora, com resultados desconcertantes.

Oliver Stone tratou Selvagens exatamente como se tivesse achado sua antiga caixa de brinquedos. O filme, que tem um roteiro simples, óbvio, batido e completamente clichê, até poderia ser um divertimento descerebrado e desconfio que muitos espectadores acharão exatamente isso. No entanto, olhando um pouco mais além, a mais nova obra de Stone, diretor de clássicos como Salvador – O Martírio de um Povo, Platoon e Wall Street, mas também de bombas como Alexandre e Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme, não nos oferece nada de novo a não ser uma aula do que não fazer ao dirigir para cinema.

O problema em Selvagens é a tentativa de se usar todos os truques cinematográficos sem nenhuma razão de ser. Oliver Stone usa cores saturadas, fotografia em preto-e-branco, wide shots, close-ups extremos, ângulo holandês (câmera virada na diagonal), câmera lenta, aceleração de frames, pausas e tudo mais que se pode imaginar em um filme de ação. Usar as técnicas descritas faz parte do jogo, mas somente quando elas beneficiam a narrativa e não se tornam muletas apenas para deslumbrar a plateia e disfarçar a completa falta de história.

Mas o lado técnico é uma parte do problema apenas (ainda que seja uma grande parte dele). O roteiro, como já foi possível perceber pelo adjetivos usados acima, não funciona. Olhem só esse exemplo da inabilidade de Stone (que também co-escreveu o roteiro, com base em livro de Don Winslow) em criar uma atmosfera interessante: logo no começo, notamos que a fita é narrada por O (Blake Lively) e ela faz questão de anunciar que, apesar de ela ser a narradora, não quer dizer que ela não morre no final, já que tudo poderia ter sido gravado previamente. Bom, meu caro Oliver Stone, você então está chamando seus espectadores de completos idiotas, não é mesmo? Ou é isso ou, caso O morra, você vai parar o filme antes dele chegar ao final, correto? Afinal de contas, se O morre ao final, como é que ela conseguiria gravar toda sua história de romance e violência?

Além disso, há a necessidade quase patológica de se explicar em detalhes tudo o que vemos. Ora, os espectadores conseguem entender a narrativa com meias palavras ou mesmo sem palavras, já que um filme bem feito passa sua mensagem também com as imagens. Mas não. Oliver Stone e seus co-roteiristas decidiram que o espectador de hoje é incompetente, ao ponto de ser necessário explicar por várias vezes as implicações do nome do personagem de Blake Lively ser Ophelia e Ophelia ser o nome de um personagem em Hamlet que se suicida.

E então somos apresentados a Chon (Taylor Kitsch) e Ben (Aaron Taylor-Johnson), dois plantadores e traficantes da melhor maconha do mundo, em plena Califórnia. O namora os dois abertamente (é o roteiro querendo dar uma de modernoso) e descobrimos que, enquanto Chon, fortão, bonitão e violento, transa com ela, Ben (bicho-grilo, pacífico e inteligente) faz amor com ela. Sacaram? Genial, não é mesmo? Os dois, para ela, formam os dois lados de uma mesma moeda. É literalmente doloroso ver O narrar isso para os espectadores, derramando litros de clichê barato em nossos cérebros, paulatinamente reduzindo nosso Q.I.

O império de Chon e Ben começa a ruir quando um cartel mexicano de drogas capitaneado por Elena (Salma Hayek, talvez em seu pior papel) resolve “incorporar” seus negócios. Duvido que algum leitor não adivinhe exatamente o que vai acontecer no filme a partir daqui. É tão rasteiro que literalmente pararei de falar da “trama”.

Benicio Del Toro vive Lado, o capanga principal de Elena. Gostaria muito de saber como é que se convence um ator do gabarito dele a fazer o estereótipo de um assassino mexicano, com direito a perucão, bigode e uma brutalidade ímpar… Será que é só dinheiro ou Del Toro viu algo que não existe nesse filme? Até entendo que atrair John Travolta para o papel padrão do policial corrupto simpático Dennis, não tenha sido tão difícil. Mas Del Toro?

A trinca principal de atores, Lively, Kitsch e Taylor-Johnson funcionam no automático, congelados naquele parágrafo que abre todo o roteiro em que se explica a personalidade dos personagens. Lively só tem olhares lânguidos no começo e de pavor mais para o final. Kitsch tem cara de zangado do começo ao fim (ok, às vezes ele muda para “muito zangado”) e Taylor-Johnson tem um irritante ar de perdido, de inocente que fica difícil de aceitar vindo de um traficante de drogas (e que piora quando O nos mostra que ele é também um filantropo que ajuda criancinhas na África).

Para terminar, não há como deixar de falar na duração. Oliver Stone demora 131 minutos para encerrar uma narrativa que poderia ser encurtada para 85 minutos facilmente. Aliás, poderia ser um episódio da série 24 Horas. Simplesmente não há história para sustentar uma duração de mais duas horas, mas Stone insiste em nos apresentar a cada aspecto da vida da trinca principal e também de todos os demais coadjuvantes sem que, novamente, esses dados sejam realmente importantes para a resolução do filme. Afinal de contas, não fossem os floreios desnecessários do diretor, estaríamos diante, única e exclusivamente, de um filme de pancadaria e de violência ininterrupta. O resultado seria melhor? Não necessariamente, mas, pelo menos, seríamos poupados da pseudo-direção pomposa e esquizofrênica que Stone apresenta em Selvagens.

Alguém poderia, por favor, tirar a caixa de brinquedos de Oliver Stone e entregar uma câmera de filmar simples, básica, para que ele volte a fazer o que fazia tão bem antes?

Selvagens (Savages, Estados Unidos, 2012)
Direção: Oliver Stone
Roteiro: Shane Salerno, Don Winslow, Oliver Stone
Elenco: Blake Lively, Taylor Kitsch, Aaron Taylor-Johnson, Benicio Del Toro, John Travolta, Salma Hayek, Emile Hirsch, Diego Cataño, Shea Whigham, Karishma Ahluwalia, Joaquín Cosio, Jonathan Carr, Demián Bichir, Antonio Jaramillo, Jake McLaughlin, Alexander Wraith, Anthony Cutolo
Duração: 131 min.

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