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Crítica | Sem Controle (1980)

A juventude transviada de Verhoeven.

por Ritter Fan
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Sem Controle foi um filme particularmente importante para a carreira de Paul Verhoeven. Tido como um Grease: Nos Tempos da Brilhantina, diretamente referenciado no longa, só que com uma pegada sexualmente explícita – mesmo que, na verdade, a melhor comparação seja com Os Embalos de Sábado à Noite ou, antes disso, com Juventude Transviada – a recepção do longa em seu país natal não foi tranquila, com muitos críticos e organizações reclamando pesadamente da forma como o cineasta retrata cristãos, homossexuais, mulheres e até a polícia, em um grande primeiro exemplo da incompreensão de seu trabalho atrás das câmeras.

Essas críticas, que viriam a se repetir, de maneiras diferentes e completamente equivocadas, mais lá para a frente no trabalho de Verhoeven, particularmente com Tropas Estelares e Showgirls, marcaram o início do processo que levaria Verhoeven a se mudar para os EUA e a reinventar sua carreira em Hollywood. E ajudou bastante o fato de Sem Controle ter sido o primeiro relativo sucesso dele do outro lado do Atlântico, o que começaria a girar as engrenagens dos estúdios americanos que viram uma promessa no diretor holandês. Ele ainda viria a fazer outro longa em sua terra natal – o sensacional O Quarto Homem -, mas as cartas de sua partida, naquela altura, já estavam na mesa, com Conquista Sangrenta sendo seu visto de entrada.

O que realmente impressiona é o quão ignorantes foram as críticas a Sem Controle, o mesmo tipo de ignorância que taxou Tropas Estelares (e também RoboCop, não podemos esquecer!) de fascista e Showgirls (e também Instinto Selvagem, só para lembrar!) de sexista. Verhoeven é um grande diretor e, como tal, suas críticas são veladas, escondidas propositalmente atrás de camadas de seriedade que fazem até suas sátiras ferinas parecerem suas visões pessoais sobre o mundo e não exatamente o contrário, que é o que são. A grande verdade é que a Holanda sempre bradou aos sete ventos ser liberal e progressista e, quando um filme como Sem Controle veio para mostrar que nem todo mundo é assim por lá (e não é em lugar algum do mundo, obviamente) e que seu país ainda sofria de preconceito, sexismos e racismo, suas acusações foram usadas contra ele mesmo.

O filme, em linhas gerais, lida com os sonhos dos jovens e o quão distantes eles estão da realidade, do que é possível na prática. O foco do roteiro permanece o tempo todo em três jovens amigos, Rien (Hans van Tongeren) e Hans (Maarten Spanjer), praticantes de motocross e Eef (Toon Agterberg), mecânico, todos ainda na flor da idade, com a proverbial toda vida pela frente e todos fãs do campeão de motocross Gerrit Witkamp (Rutger Hauer em uma ponta de luxo) que, de uma forma ou de outra, envolvem-se com a bela e manipuladora Fientje (Renée Soutendijk) que tem uma lanchonete em um trailer onde vive com o irmão e quer, acima de tudo, deixar essa vida para trás e é capaz de fazer tudo por esse sonho.

Mas o interessante é que, diferente do que muita gente achou na época, Fientje não é uma vilã. Ela nem de longe pode ser classificada dessa maneira tão simplista. Sim, ela é capaz de encantar os jovens na esperança de que eles mudem sua vida, mas suas intenções são sinceras e ela, muito mais do que uma pessoa fria e calculista, é alguém que tem a função de ser o estopim que leva a trinca masculina a se descobrir, a amadurecer. Trata-se, muito claramente, de um filme com a temática coming of age, mas com a pegada de Verhoeven, que mais uma vez se vale do roteiro inclemente de Gerard Soeteman, seu parceiro de longa data, para tirar o verniz bobo e maniqueísta que obras assim costumam ter e jogar a realidade na cara dos espectadores. E essa realidade, claro, está longe de ser bonita, pintando a Holanda não como um paraíso, mas sim um lugar que os quatros jovens querem ver de muito longe.

Mesmo considerando os 120 minutos de duração, porém, Verhoeven se vale de algumas pequenas elipses temporais que quebram um pouco o ritmo narrativo aqui e ali, seja depois que a tragédia se abate por sobre Rien, seja depois que Eelf se descobre de verdade. Esses momentos cruciais precisavam ser mostrados com mais vagar, sem que os “choques” que os antecedem fossem os mecanismos únicos para levar à mudança. Isso é, talvez, o que impeça Sem Controle de chegar ao patamar tanto de Soldado de Laranja, imediatamente anterior, quanto de O Quarto Homem, imediatamente posterior, mas mesmo assim deixando sua marca.

Sem Controle é como um Band-Aid arrancado com vontade, levando um pouco de pele, pelos e casquinhas de ferida ainda sarando. O longa sobre a “juventude perdida” da Holanda fala um pouco sobre um lado desconhecido e sombrio de um povo orgulhoso, mas que também, como tantos outros, carrega seus sérios problemas que pouca gente aprecia ver assim tão claramente. Ainda bem que Paul Verhoeven não se acovardou diante das críticas e continuou a abordar assuntos polêmicos sem suavizar absolutamente nada.

Sem Controle (Spetters – Holanda, 1980)
Direção: Paul Verhoeven
Roteiro: Gerard Soeteman
Elenco: Hans van Tongeren, Renée Soutendijk, Toon Agterberg, Maarten Spanjer, Marianne Boyer, Peter Tuinman, Saskia van Basten-Batenburg, Yvonne Valkenburg, Ab Abspoel, Rudi Falkenhagen, Hans Veerman, Rutger Hauer, Jeroen Krabbé
Duração: 120 min.

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