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Crítica | Sem Limite Para Vingar

Denzel Washington e John Lithgow em filme sombrio sobre a destruição da imagem.

por Michel Gutwilen
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Em vez de tratar seu protagonista como um “herói”, Sem Limite Para Vingar parece ter consciência de que ele é apenas um policial que estava no lugar certo e na hora certa para fazer uma prisão de um bandido, que coincidentemente tinha a cobertura de uma câmera amadora. Com isso, sua ascensão social se dá baseada na construção de uma imagem pública capitalizada em cima desta atuação impecável no evento. Como consequência, o personagem entra totalmente na máquina institucional do sistema, passando por todos os degraus de poder (polícia-promotoria-política), inclusive até continuando a explorar sua imagem dentro de um show de TV, no qual ele, como policial, prende bandidos ao vivo. Como um personagem negro cuja origem é da periferia, é até bem revelador como na cena em que ele visita o quartel do tráfico comandado por seus amigos de infância, suas falas são marcadas por um discurso moralista de guerra contra as drogas, assim como ele mostra uma ideologia punitivista na cena do tribunal em que ele atua como promotor. Este é um ponto que será subvertido futuramente no filme.

Se o protagonista é um homem cujo sucesso de vida é pautado na construção de sua imagem, a trama progride a partir de um nêmesis que irá buscar destruir a mesma. Neste sentido, o filme entra em uma ideia circular, visto que aquele que foi responsável pela fama do personagem é aquele que busca destruí-la. A vingança do bandido vivido por John Lithgow em cima do policial de Denzel Washington nem é exatamente muito racional, mas o ator entrega um ódio tão marcante em seu olhar fixo, visto por close-ups, que a lógica perde espaço para o sentimento de ódio que exala pelo personagem, quase como uma força autônoma. Inclusive, é o bombardeamento do personagem por imagens na TV e jornais do policial que gera o despertar de seu ódio, que vai se retroalimentando conforme ele consome mais imagens, a ponto de criar até um “culto” em que coleciona todas as aparições públicas do seu arquirrival.

Quando se fala em escolher um casting já é uma escolha política que pode ressignificar um filme e adicionar subtextos antes não existentes, Sem Limite Para Vingar dá um bom exemplo de que o antagonismo entre um vilão branco contra um protagonista negro já mostra que o filme de Mulcahy é bem mais do que um simples “ladrão contra polícia”. Afinal, surge um peso simbólico de que todo o ódio do personagem de Lithgow, um ladrão branco, está carregado implicitamente de um peso racial. Ao ver um homem negro ascendendo às suas custas, isso gera, na mente do personagem, uma situação de humilhação para ele, a ponto de se tornar um obcecado que quer impedir o avanço da carreira deste homem. 

A partir da fuga do vilão, o filme se suja de um jeito até meio raro em filmes policiais e a narrativa entra numa jornada vingativa em que o principal objetivo se torna uma gradual destruição não do personagem em si, mas de sua imagem pública. A direção de Russell Mulcahy entra firme numa espiral de imagens como um pesadelo, frenéticas e em movimento por uma cidade cada vez mais degradante. A isso, a imagem pública do protagonista vivida por Denzel Washington como um homem “heroico” vai se deteriorando e rapidamente ele assume um nível de insanidade que se equipara a obsessão do Lithgow por ele, com o trabalho de atuação dois atores elevando o filme a um outro patamar.

Assim, enquanto o vilão quer destruir a imagem pública do protagonista, este precisa provar que o vilão não é uma alucinação, mas uma pessoa que existe. Ou seja, acima de tudo, ele precisa conseguir uma prova de uma imagem sua ou uma contraprova contra a farsa para cima dele. Portanto, Sem Limite Para Vingar vira uma disputa de forças criativas e destrutivas. Se o personagem de Lithgow vai usando da encenação para destruir a imagem de Washington ou para enganá-lo por meio de uma tortura psicológica (como no filme com as filhas), este por sua vez busca desesperadamente por um fantasma cada vez mais difícil de encontrar, numa jornada delirante em que muitas pistas falsas vão confundindo as impressões do protagonista. No fim, o protagonista inverte a lógica do gato-e-rato e, consciente de que só a encenação pode ser capaz de atrair o seu nêmesis, faz um ato final farsesco perante a TV, antes de romper completamente com ela, ao não ligar mais para sua imagem pública e mandar o dedo do meio para a televisão no plano final.

Além disso, cabe observar como toda a manipulação do vilão é o suficiente para mudar a situação social do protagonista, um homem negro que ganhou a confiança do sistema e rapidamente passou a ser enxergado como um criminoso pelas instituições, que nem pensaram duas vezes contra ele. Com mais um elemento que aumenta a carga racial da narrativa, a jornada também se torna uma luta de um homem negro para provar sua inocência. Por isso, é tão crucial que no terceiro ato, para derrotar o assassino, ele se junte aos seus “irmãos” de infância, da periferia negra, exatamente aqueles que ele tinha entrado em conflito quando se vendeu ao sistema, mas que, na hora que a corda apertou, estiveram ao seu lado. Se há o que se falar de uma jornada de desconstrução do protagonista, poderoso é o diálogo final em que ele combina o jogo de basquete com seus antigos amigos de infância, invertendo a cena inicial do filme em que ele rompia com os mesmos em prol do seu compromisso policial. Mas de que vale servir a um sistema no qual você é sempre olhado com desconfiança?

Sem Limite Para Vingar (Ricochet) — EUA, 1991
Direção: Russell Mulcahy
Roteiro: Menno Meyjes, Steven E. de Souza, Fred Dekker
Elenco: Denzel Washington, John Lithgow, Ice-T, Kevin Pollak, Lindsay Wagner, Mary Ellen Trainor, Josh Evans, Victoria Dillard, John Amos, John Cothran, Jr., Linda Dona
Duração: 102 mins

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