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Crítica | Sem Limites (2011)

por Leonardo Campos
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Se hoje vivemos num ritmo de produção cultural e intelectual com apenas uma média de 20% da capacidade de nosso cérebro, imagina se houvesse a possibilidade de usar algo para aumentar o nível em 100%? Caberia tanta genialidade e esperteza no mundo? Provavelmente não, sucumbiríamos diante dos projetos que nem sempre se destinam ao desenvolvimento saudável da humanidade. A historiografia oficial possui registros comprobatórios suficientes para nos fazer suar frio só de pensar nessa possibilidade. E o momento presente também, quase uma década após as discussões empreendidas no vertiginoso Sem Limites, nos mostra que pessoas aparentemente sábias utilizam da inteligência e poder para manipulação de projetos escabrosos que colocam a humanidade constantemente em perigo. Com exceção do projeto atual de nação exercido em território brasileiro, burro e desconectado de qualquer bom-senso, uma parcela dos seres humanos mundo afora insiste em usar as potencialidades que possui para estagnar o “outro” em prol de benefício próprio, individual ou de “sua” coletividade. Mas sigamos.

Lançado em 2011, Sem Limites foi dirigido por Neil Burger, realizador que toma como direcionamento, o roteiro de Leslie Dixon, texto que por sua vez, inspira-se no romance de Alan Glynn, narrativa metalinguística sobre Eddie Morra (Bradley Cooper), um escritor novaiorquino que está no pior momento de sua jovem vida. A sua companheira, Lindy (Abbie Cornish) o deixou, cansada do projeto de vida fracassado de um homem que não consegue administrar nada que se refere a sua existência. Ele já recebeu um adiantamento, mas precisa dar conta de encerrar o livro que possui prazo de entrega e ainda não possui uma página sequer de história. Entre o desespero e a opressão de sua situação amarga, ele vaga por bares e caminha pelas ruas como um ser abandonado, relegado ao provável desfecho trágico de sua existência imunda, de roupas surradas e higienização limitada. O seu apartamento, nem se fala, alugado e com pagamento atrasado, um buraco sujo que parece uma representação do esgoto que se tornou a sua dimensão psicológica. Em suma, Eddie é a antítese do american way of life.

Certo dia, depois de se colocar diante do computador e pensar no que iria escrever para entregar a sua editora, Eddie decide caminhar e encontra Vernon Gant (Johnny Whitworth), ex-cunhado que está envolvido num projeto que mudará para sempre a sua vida. Ele oferece ao defasado Eddie uma pílula chamada NZT-48, substância sintética em fase experimental que faz o tal milagre desenvolvido no parágrafo de abertura desta reflexão. A droga aumenta a concentração e o desempenho e Eddie desperta para um novo momento em sua vida. Ele parece conseguir sair de si e se observar em múltiplas funções, memórias aguçadas, articulação absurda de ideias diante dos outros, numa onda de euforia gigantesca, representada pela direção de fotografia de Jo Willems, junto ao design de produção de Patrizia von Brandenstein, setores focados em estabelecer o notável contraste entre o personagem com e sem o uso da droga. Tudo é muito esfuziante, há tomadas de efeitos visuais longas a atravessar pequenas passagens, numa demonstração das habilidades transformadoras da substância no corpo de Eddie Morra.

Como tudo que chega fácil, dramaticamente, há um preço a se pagar. E se falando de filme, tipo de narrativa que obviamente apresentará conflitos, a vida de Eddie começará a refletir a facilidade aparentemente sem via de mão-dupla. As contraindicações começam a aparecer e cada vez que o agora bem-sucedido Eddie se encontra sem a pílula, o mundo parece desmoronar. A condução musical de Paul Leonard-Morgan fica mais pesada, a textura visual volta a ficar esverdeada como limo e tudo parece ruir. É um caminho sem volta e nós acompanhamos toda essa jornada com apreensão. A carreira de escritor é abandonada, focada agora no mercado de ações. O personagem escreve um livro posteriormente, mas antes disso o seu foco é ganhar dinheiro. Carl von Loon (Robert De Niro), um milionário poderoso e conhecido por suas fusões corporativas gigantescas, entra em contato e estabelece uma relação contratual com Eddie que agora, reconquistou a companheira e aparenta ser um homem exemplar. De homem falido e mergulhado numa vulgar existência inerte, ele se torna uma espécie de super-homem da era da informação. A sua mutação, no entanto, não traz nada de favorável além de alimentar os seus desejos pessoais. Não há um projeto maior para Eddie. Ele quer, apenas, deixar de ser um dos perdedores.

Os problemas, no entanto, continuam o perseguindo: o agiota que ele toma um empréstimo, uma socialite assassinada, vista pela última vez com o jovem em ascensão midiática meteórica, dentre outros nós que Eddie precisa desatar até o desfecho da narrativa. Ele precisará unificar cognição com habilidades físicas para vencer os inimigos que começam a ser parte de sua trajetória trilhada diariamente. Sem as pílulas, no entanto, ela sabe que não conseguirá vitória nesta batalha que envolve outras pessoas interessadas na droga, bem como os acontecimentos do passado recente que não podem ser enterrados tão facilmente, mesmo para quem possui muito dinheiro. Perseguições quase infindáveis seguem o personagem até o desfecho, com direito a muito sangue e violência, numa narrativa que reflete a busca de determinados seres humanos em ser algo muito além do que a noção de humanidade lhe permite. Na cultura nootrópica de Sem Limites, para ter sucesso nas dinâmicas capitalistas, é preciso aderir aos sintéticos para vencer os desafios. Ser “normal” e agir com os atributos naturais é perder o lugar na fila que não anda, capota, e para piorar, não possui vagas suficientes para todos.

Ser parte bem-sucedida do jogo capitalista cotidiano é ocupar um lugar que massacra miseravelmente tantos outros que ficam para trás. Eddie Morra era um desses massacrados e paga um preço bastante caro para mudar de posição. E, quando muda de posição, buscar ter mais e mais poder, tornando-se candidato ao senado estadunidense e finalmente lançando o seu livro, publicação que consegue ganhar o olhar dos leitores depois de muito investimento em manipulações químicas que fazem parte da cultura terapêutica na qual estamos profundamente mergulhados. A dependência das drogas é apresentada aqui como um caminho que não permite retorno para o personagem ultrapassa freneticamente os seus limites para conseguir dar conta das exigências que lhe são estabelecidas. Perdedor num jogo que também não era nada simpático em sua etapa anterior, Eddie Morra compreende que em qualquer um dos lados que ele se mantenha, as coisas não serão fáceis de se enfrentar. Então por que não optar pela deliciosa vida materialista que provém luxo e satisfação, mesmo que momentânea?

Sem Limites (Limitless) — Estados Unidos, 2011
Direção: Neil  Burger
Roteiro: Leslie Dixon
Elenco: Abbie Cornish, Bradley Cooper, Daniel Breaker, Jennifer Butler, Robert De Niro
Duração: 105 min.

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