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Crítica | Sem Relação de Sangue

Melodrama materno.

por Luiz Santiago
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Assim como em Serviçal, Trabalhe Duro (1931), temos aqui em Sem Relação de Sangue uma questão familiar e financeira em jogo, movendo os personagens e suas posições no jogo dramático que traz, como protagonistas, duas mães: uma biológica e uma de criação. Infelizmente, não temos acesso a toda a primeira fase da filmografia de Mikio Naruse, de modo que só nos resta ficar de boca aberta com os experimentos estéticos, os variados movimentos de câmera e a rigorosa e muito fluída noção de continuidade que ele dá ao filme, mesmo que não tenhamos meios de observar o desenvolvimento dessas habilidades técnicas nesses primeiros anos de sua carreira, já que a maioria de seus filmes dos anos 1930 foram perdidos.

O que me chamou a atenção nas primeiras cenas de Sem Relação de Sangue foi a construção da história em camadas, partindo de um personagem furtando uma bolsa e escalando para a apresentação de outras pessoas do elenco, com seus dilemas, relações e como suas vidas são interligadas no decorrer do longa. Aqui, passamos de um status social em mudança e conflitos (roubo, fome, recessão, falência, empobrecimento, crime) para um melodrama materno, onde a atriz Tamae (Yoshiko Okada) retorna ao Japão, após seis anos em Hollywood, e deseja reatar laços com a filha, que agora está totalmente apegada à madrasta Masako (Yukiko Tsukuba). Juntando os conflitos monetários da primeira parte do filme e as questões sentimentais da segunda, temos um enredo denso com uma evolução bem dosada, dando a oportunidade de cada personagem mostrar mais de si e das mudanças pelas quais passa à medida que interfere na vida dos outros.

A presença do irmão de Tamae é um pouco ambígua aqui. Ele é um homem desonesto; fica claro que aplica golpes na região do porto, e aparenta usar a violência para ter o que quer, visto que ameaça o irmão de Masako com uma arma, em dado ponto do filme. Mas o roteiro não desenvolve a sua presença em todo o conflito. Ele mal consegue fazer a ponte entre a irmã e a outra parte da família da sobrinha Shigeko (Toshiko Kojima), atuando como uma espécie de segurança da irmã e expulsando visitas indesejadas da casa, mas não tendo um papel que realmente justifique a sua exposição como bandido e como um personagem importante para o andamento da história; o mesmo valendo para o rapaz que acaba virando seu “ajudante” após o encontro na sequência de abertura.

Por mais que a repetição de alguns movimentos de câmera acabe perdendo um pouco do brilho nas cenas finais, é impossível negar a elegância das tomadas do diretor, colocando o rosto dos personagens de forma dramática e impactante na tela, reforçando a atmosfera do momento (especialmente nos diálogos) e brincando com a continuidade, criando cortes inteligentes e impressionantes. Um olhar diferenciado para a obra pode ver nela um caminho mais moralista na maneira como o roteiro trata a mãe atriz e a mãe dona de casa (o que, de algum modo, é mesmo um tratamento moral, baseado nas regras da sociedade dos anos 1930), mas tudo acaba fluindo para um único ponto: o amor, a parceria e o respeito entre as pessoas da mesma família. Mesmo comportamentos infames — como os da matriarca mimada que só pensava em riqueza e ócio — e ações reprováveis discutidas no decorrer da fita, as redenções e os destinos dos personagens principais são coerentes com o melodrama materno, encerrando-se como um filme sobre queda e ascensão; sobre mudanças e sobre a importância do apoio familiar para a superação das barreiras da vida.

Sem Relação de Sangue (生さぬ仲 / Nasanu Naka / No Blood Relation) — Japão, 1932
Direção: Mikio Naruse
Roteiro: Shunyô Yanagawa, Kôgo Noda
Elenco: Yoshiko Okada, Shin’yô Nara, Yukiko Tsukuba, Toshiko Kojima, Fumiko Katsuragi, Jôji Oka, Ichirô Yûki, Shôzaburô Abe, Ken’ichi Miyajima, Kanji Kawahara, Kenji Ôyama, Kikuko Hanaoka, Tomio Aoki, Ryuko Fuji
Duração: 79 min.

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