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Crítica | Sem Remorso

por Kevin Rick
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Sem Remorso, baseado no livro homônimo de Tom Clancy, é um produto de filmes de ação atuais que tentam buscar o estilo que fez sucesso com a franquia de John Wick ou, indo mais longe, a duologia da Operação Invasão, no qual a premissa é um clichê vingativo ou apenas uma desculpa para a pancadaria descerebrada, com a ação em si tomando conta da experiência cinematográfica, na maior exclusão possível de lutas com cortes ou câmera tremida que eram recorrentes nos anos 2000, como, por exemplo, nos filmes do Jason Bourne ou em Busca ImplacávelA verdade é que pouquíssimos cineastas conseguem diluir uma premissa ordinária com uma ação verdadeiramente inovadora, e Stefano Sollima, o diretor desta sofrível película, não é um deles. Dessa forma, Sem Remorso morre na tentativa de se destacar no gênero, sendo mais um filme de ação genérico, pior que muitos genéricos aliás, falhando em praticamente tudo que propõe.

A narrativa acompanha a história de retaliação do SEAL John Kelly (Michael B. Jordan), que após participar de uma operação de resgate na Síria que se revelou uma armadilha contra inesperadas forças militares russas, vê seu retorno para solo americano se transformar em pesadelo quando a velha inimiga dos EUA supostamente envia assassinos para eliminar os soldados americanos que participaram da operação. Seus companheiros são mortos, mas Kelly consegue sobreviver, a custo de perder sua esposa grávida no caminho, e agora o protagonista quer vingança. Formulaico, básico e insubstancial, a morte da cônjuge de Kelly é o catalisador de uma narrativa confusa que busca a simpatia do espectador pela tragédia pessoal do protagonista inserida em um enredo moderno da tensão da Guerra Fria entre Rússia e EUA.

Dessa forma, a história do filme propõe uma jornada pessoal de vingança diluída na teoria de conspiração do roteiro cínico de Taylor Sheridan e Will Staples. A problemática está, num primeiro momento, na péssima caracterização de John Kelly, uma personificação vazia da raiva, e um dos mais estúpidos protagonistas de ação dos últimos anos em um filme deste escopo. A película nunca investe o espectador emocionalmente na já clichê premissa, havendo pouquíssimo tempo de tela para Pam (Lauren London), e também para o luto de Kelly, uma máquina de matar unidimensional que tem poucas oportunidades de expressar sua raiva e interrogar seu destino. Toda a humanidade, carisma e presença cativante que Michael B. Jordan demonstra em personagens conflitantes como nos filmes Creed e Pantera Negra são inexistentes aqui. A obra não tem momentos íntimos ou uma natural construção de personagem, cheia de diálogos na linha de “vamos jogar de acordo com minhas regras agora”. Uma desinteressante jornada de vingança na amálgama ordinária do gênero, onde Sollima desvia dos canais temáticos mais profundos da perda para um filme onde o peso arrogante da intriga domina a história.

Intriga esta desenvolvida de maneira igualmente risível. Assim como no livro de Tom Clancy, o filme decide produzir um núcleo burocrático para versar sobre patriotismo, militarismo e o mundo da espionagem, mas o resultado de manter intactas as maquinações da época da Guerra Fria do romance, tratando a ideia de líderes governamentais estarem intimamente ligados à Rússia como uma trama chocante de última hora, não ajudam no impacto de tensões geopolíticas em um narrativa que não sabe trabalhar o contexto político, sempre confusa na maneira que quer trazer o abrangente para a história pessoal de Kelly. Além disso, personagens secundários dessa trama de conspiração política, como a comandante Karen Greer (Jodie Turner-Smith), que serve a uma familiar dinâmica de insucesso na tentativa de parar o protagonista badass,Jamie Bell, como o agente da CIA Robert Ritter, e Guy Pearce, como o Secretário de Defesa Thomas Clay, na velha ambiguidade burocrática sobre qual dos dois acabará sendo o mal, preenchem a básica construção de russos maldosos, forças de inteligência americana suspeita e um herói trágico para enfrentar o sistema. Um péssimo thriller de espionagem e intriga geopolítica, que também não funciona como entorno da apática e emocionalmente distante trama vingativa.

Mas ai do crítico de cinema cobrar substância de um filme de ação, certo? Vamos então falar sobre a parte técnica da obra, o principal chamativo para a audiência que quer um filme de entretenimento para passar o tempo e desligar o cérebro, que, na minha opinião, faz a espetacular tarefa de ser ainda pior que a narrativa modesta. Para uma obra que viaja de Charlotte, Carolina do Norte a Atlanta, Geórgia, bem como Washington D.C., Síria, Alemanha e Rússia, a direção é medíocre no senso de escopo, carecendo de uma montagem que preza pela ação global, constantemente envolta de uma ação militarizada tediosa em tiroteios escuros e não-criativos bastante limitada no sentimento de divertimento, tensão ou urgência. Bons filmes de ação oferecem curtas histórias dentro da experiência frenética, pequenas set-pieces como a luta no banheiro ou a perseguição de helicóptero – entre outras dezenas da franquia – de Missão: Impossível – Efeito Fallout, ou as várias sequências recortadas da trilogia John Wick. Sem Remorso carece desse tipo de sequência única, desgarrada, tanto pelo roteiro insosso que não dá margem para motivação orgânica ou investimento emocional, mas também pela direção anêmica e sem complexidade de Sollima, que segue o manual de planejamento sem risco ou inventividade de um filme B a risca. A única exceção seria a sequência de John dentro do avião no oceano, que é realmente linda e de tirar o fôlego (he, he), mas carece de uma extensão ou subterfúgio como o restante da obra.

Sem Remorso é mais um filme de ação genérico nesse mar de mediocridade do gênero. É decepcionante, pois a obra literária é simplesmente sensacional, e a equipe criativa dá sinais de uma proposta interessante de um thriller de espionagem militar global, com o viés personalíssimo da história de John, mas o roteiro subjuga a experiência a uma série de diálogos rasos, péssima caracterização, desperdício do carisma de Michael B. Jordan, trama geopolítica má contextualizada e a fraquíssima direção de Sollima, que foge da complexidade para dar espaço a sequências de ação curtas, sem escopo, mal coreografadas e iluminadas, e até estúpidas como Kelly entrando num carro em chamas ou jogando outro automóvel de uma ponte em duas tentativas, entre várias outras, de caracterizar o raso Kelly como um fodão a lá anos 80. A obra nos dá indícios de uma sequência, e até possivelmente um universo compartilhado que estúdios tanto amam atualmente, mas, se for mesmo feito, será necessário uma direção e roteiro que foge do comum e da irrelevância.

Sem Remorso (Tom Clancy’s Without Remorse, EUA – 31 de março de 2021)
Direção: Stefano Sollima
Roteiro: Taylor Sheridan, Will Staples (baseado no livro Sem Remorso, de Tom Clancy)
Elenco: Michael B. Jordan, Jodie Turner-Smith, Jamie Bell, Guy Pearce, Lauren London, Jacob Scipio, Todd Lasance, Jack Kesy, Lucy Russell, Cam Gigandet, Luke Mitchell, Artjom Gilz, Brett Gelman, Merab Ninidze, Alexander Mercury, Colman Domingo
Duração: 109 min.

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