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Crítica | Sem Som (2020)

por Roberto Honorato
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Se uma mãe tentando criar seu filho sozinha já é um trabalho hercúleo, os obstáculos são maiores quando ela precisa lidar com o abusivo pai da criança em um irã conhecido pelo seu sistema patriarcal. Esse é o drama da protagonista de Sem Som, uma mãe com deficiência auditiva que vê a possibilidade de operar o seu filho, Mehrshad, também surdo, para que ele seja capaz de ouvir normalmente. Temendo que a cirurgia afete sua relação com o filho e talvez até tire parte de sua identidade, o pai da criança, Sa’eed (Mohsen Kiayi), faz de tudo para frustrar os planos da mãe e manter seu filho surdo, como ele. 

Sem Som é trabalhado no que inicialmente funciona como duas linhas narrativas paralelas, o que pode distrair e parecer desnecessário em primeira instância, mas logo revela seu propósito, o que causa um alívio em não ter que preocupar o espectador com um aspecto técnico supérfluo e pode focar mais no desenvolvimento do drama. A protagonista, interpretada por Hanie Tavassoli, percebe que a operação de seu filho pode ser comprometida por diversos fatores além das intromissões do pai, como o fato da criança ter passado da idade limite para receber um apoio monetário do governo, isso somado à falta de apoio de familiares e sua comunidade, principalmente a de outros deficientes auditivos, que não gostam da ideia de fazer a criança passar pela operação.

Além do drama familiar, o longa também decide explorar o cotidiano do dono de um estúdio fotográfico, onde a mãe trabalha. Interpretado por Mehran Ahmadi, ele pode não ser o protagonista do longa, mas assume um papel essencial para a trama, tanto que o prelúdio do filme está em volta dele. Como mencionei anteriormente, essas linhas dramáticas parecem apenas uma forma de conectar os dois mundos da mãe, o pessoal e profissional, mas no fim trazem uma unidade que fortalece os temas do enredo.

Cada personagem possui seu próprio dilema, e isso é um dos pontos positivos de um roteiro bem estruturado, que além de construir uma narrativa mais coesa, também encontra sucesso em suas tentativas de cair para um lado mais melodramático, por mais excessivo que pareça, isso porque é bem justificado dentro das motivações de cada personagem. Ainda que tenhamos uma protagonista definida na mãe, o filme não trata os outros núcleos dramáticos superficialmente; como o próprio pai, que por mais difícil seja para o espectador perdoar algumas de suas ações agressivas, ainda assim tem motivações válidas, mas os fins não justificam os seus meios violentos.

Por conta da proposta de explorar uma família deficiente auditiva, o longa dá uma atenção maior ao trabalho de som, por vezes com um áudio mais abafado e distorcido, principalmente em sequências onde o uso de uma câmera subjetiva assume a perspectiva de um personagem com dificuldades para ouvir um elemento importante, muitas vezes pequeno, como um copo de água enchendo na pia, mas também entrega um dos momentos mais angustiantes do filme, envolvendo dois personagens esperando em uma plataforma de trem. 

Sem Som não é um drama tão óbvio quanto parece, evidenciando a hipocrisia de um contexto social conservador e uma batalha diária negligenciada por muitos, em um enredo cheio de viradas que poderiam ser facilmente mal executadas se não fosse uma trama e personagens bem estabelecidos.

Sem Som (Bi Seda Halazoon – Irã, 2020)
Direção: Behrang Dezfulizadeh
Roteiro: Mohammad-Reza Rahgozar
Elenco: Hanie Tavassoli, Mehran Ahmadi, Mohsen Kiayi, Pedram Sharifi, Behnoosh Bakhtiari, Alireza Jalali-tabar
Duração: 86 min.

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