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Crítica | Sempre em Frente

Você já pensou no futuro?

por Kevin Rick
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Histórias de coming-of-age lidam com as dificuldades e aprendizados da transição entre criança para adolescente, e de adolescente para a vida adulta. É um período de enorme mudança na vida humana, tanto fisicamente quanto mentalmente, ideologicamente, e por aí vai. Um dos principais questionamentos nesta fase da vida é de como será o futuro; profissionalmente, financeiramente, relacionamentos e até de como estará o mundo daqui alguns anos. A verdade é que nunca paramos de fazer essas perguntas quando atingimos a vida adulta. Elas se rearranjam e se modificam através de novas experiências e aprendizados, mas continuamos tendo pequenas transições, receios e descobertas à medida que envelhecemos. De certa forma, nunca paramos de ser uma criança. Apenas ficamos mais cínicos e estressados. Assim sendo, talvez a forma mais quintessencial de descrever Sempre em Frente seja como um “coming-of-age para todas as idades”.

O cineasta Mike Mills encontra uma forma narrativamente objetiva para lidar com esses questionamentos temáticos: o jornalista de rádio Johnny (Joaquin Phoenix) está viajando pelos Estados Unidos entrevistando crianças e adolescentes sobre o que eles pensam de suas vidas, suas famílias, suas comunidades e seus futuros, e, em suma, “o que te faz feliz?“. As respostas são diversificadas, alguns com medo, outros otimistas, alguns falam sobre mudanças climáticas, e outros apenas dizem pensamentos introspectivos. É um ponto de reflexão que permeia o restante da obra, perfurando o espaço diegético do filme com um tom documental, mas soando como uma sinfonia harmônica ao som de Debussy e Mozart na trilha sonora clássica dos irmãos Dessner, e também entre a montagem e o roteiro inteligentes ao atravessar realidade e ficção com muita naturalidade, sempre acompanhados da fotografia monocromática de Robbie Ryan que passa uma sensação atemporal à obra, seja no foco humano, seja ao elevado nível de atenção da direção ao fundo urbano e aos cenários que transformam locais e cidades em personagens.

Às vezes o filme até parece “perfeito demais”, como uma matéria jornalística enquadrada em uma foto preto e branco impecável, consequência de uma obra que busca um rigor estético, temático e narrativo, mas dramaturgicamente sem se “sujar”, sem coragem para inovar, caminhando tenuemente na superficialidade. Isso acontece porque para além das entrevistas e da parte técnica, a verdadeira condução textual de Sempre em Frente está no fator humano, algo abordado por Mills em suas obras, como Toda Forma de Amor e Mulheres do Século 20, e aqui através do relacionamento entre Johnny e seu sobrinho Jesse (Woody Norman), num resultado ao mesmo tempo clichê e terno. É uma história de momentos prosaicos sobre as pessoas em nossas vidas, aqueles que amamos, brigamos, odiamos, reconciliamos e encontramos consolo. Norman é fantástico como um menino curioso e maduro para sua idade, enquanto Phoenix demonstra que pode facilmente interpretar um cara legal e afável, ainda cheio de nuances em seu personagem vulnerável.

Em Sempre em Frente, Mike Mills transforma o familiar no fator mais essencial e o comum na lente esteticamente magnífica, criando um abraço audiovisual em torno de um drama sincero sobre o relacionamento de um tio e seu sobrinho. Acho a execução dramática um tanto padrão para o filme alcançar excelência, mas continua sendo uma experiência incrivelmente meiga. E como eu pontuo no início da crítica, há um discurso inerentemente humano na obra, em que as perguntas de Johnny também são questionamentos a si mesmo em seu próprio coming-of-age: crise de meia-idade. E, bem, as perguntas também são direcionadas a audiência, até de forma objetiva como insinuado na abertura do filme, pois estamos todos em constante transição. E num filme com tantas perguntas e ainda mais respostas, não se sentir bem ou confortável, estar com medo por nós mesmos ou por pessoas próximas, são sensações normais, apenas temos que seguir o curso natural da vida: continuar em frente.

Sempre em Frente (C’mon C’mon) | EUA, 10 de fevereiro de 2022
Direção: Mike Mills
Roteiro: Mike Mills
Elenco: Joaquin Phoenix, Gaby Hoffmann, Scoot McNairy, Molly Webster, Woody Norman
Duração: 108 min.

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