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Crítica | “Seu Tipo” – Ney Matogrosso

De cara limpa.

por Iago Iastrov
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O fim da década de 1970 colocou Ney Matogrosso diante de uma encruzilhada artística: depois de quatro álbuns explorando diferentes sonoridades, era preciso encontrar um denominador comum que revelasse sua essência como intérprete. Seu Tipo nasceu como resposta a essa busca, um trabalho onde a diversidade de gêneros serviu não para demonstrar versatilidade, mas para mapear as dimensões do artista. A parceria com Mazola (na produção) consolidou essa estratégia, criando um disco que funciona como carta de apresentação definitiva de um cantor que havia aprendido a transformar qualquer canção em território seu.

O repertório é um show à parte. A faixa-título, de Eduardo Dusek e Luís Carlos Goes, abre o álbum como uma conversa íntima entre amigos – um samba-canção que permite a Ney explorar nuances vocais sutis sem grandes pirotecnias. Dor Medonha, de Fátima Guedes, traz uma harmonia mais angulosa que faz o cantor mergulhar em registros graves com resultados surpreendentes. A participação do Grupo Água em Último Drama cria um dos momentos mais intimistas do disco, enquanto Ardente, de Joyce, brilha com arranjos de flautas que dialogam perfeitamente com a voz. Destaque especial para Encantado, belíssima versão de Caetano Veloso para Nature Boy, com o próprio baiano nos violões criando uma base harmônica de tirar o fôlego.

Falando de Amor, clássico de Tom e Vinícius, ganha tratamento jazzístico através do arranjo de Dori Caymmi, enquanto Cachorro Viralata mergulha no choro urbano com bandolim, cavaquinho e clarinete. É Brasil puro correndo nas veias. A maravilhosa Me Rói flerta com o forró através do acordeon de Oswaldinho, mostrando como Ney consegue ser versátil sem perder sua identidade. Trapaça traz um ambiente mais urbano e contemporâneo com a guitarra de Sergio Dias, mas são as duas últimas faixas que realmente fecham o álbum com chave de ouro. Tem Gente Com Fome, de João Ricardo e Solano Trindade, apresenta um Ney mais engajado socialmente, enquanto Rosa de Hiroshima encerra tudo com uma das interpretações mais tocantes de sua carreira — pura emoção apoiada no arranjo minimalista do Grupo Água.

O grande trunfo de Seu tipo está na coesão. Mesmo transitando entre samba-canção, bossa nova, choro, forró e MPB engajada, o álbum nunca perde o fio da meada. Ney funciona como elemento unificador, sua voz única costurando canções aparentemente díspares em uma narrativa musical fluida e envolvente. A produção de Mazola merece aplausos por criar ambientes sonoros que realçam as qualidades vocais de Ney sem artificialismo. O resultado soa polido mas humano, técnico mas emotivo – exatamente o que se espera de um álbum maduro.

Seu Tipo funciona como um espelho onde Ney Matogrosso se reconhece inteiramente. Aqui, a versatilidade deixa de ser exercício técnico para se tornar expressão natural de uma personalidade artística que finalmente encontrou suas próprias dimensões. O álbum respira confiança, cada canção habitada por um intérprete que conhece seus limites e potencialidades. É trabalho de quem não precisa mais provar nada. Apenas ser.

Aumenta!: Me Rói
Diminui!: 

Seu Tipo
Artista: Ney Matogrosso
País: Brasil
Lançamento: 1979
Gravadora: WEA
Estilo: MPB, Samba-canção, Bossa-nova, Forró, Jazz
Duração: 37 min.

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