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Crítica | Seven: Os Sete Crimes Capitais

por Ritter Fan
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Obs: A crítica contém spoilers leves. Se você não viu esse filme, faça um favor a você mesmo e veja imediatamente (mas prepare-se psicologicamente antes, para cenas fortes). Depois, volte aqui.

Seven (ou Se7en, grafia marketeira oficial que me recuso a usar) é o segundo longa de ficção dirigido por David Fincher e o primeiro que pode verdadeiramente ser chamado dele, depois dos problemas porque passou com Alien³. Trata-se de um filme destruidor, daqueles que coloca o espectador de joelhos, sofrendo por tudo e por todos e, por isso mesmo, é extremamente eficiente e, diria, uma pequena obra-prima.

Em uma cidade grande, chuvosa não identificada, Somerset (Morgan Freeman), um policial veterano, próximo à aposentadoria, recebe a notícia que terá um parceiro novo, Mills (Brad Pitt), policial jovem em começo de carreira que especificamente pediu sua transferência para lá. Investigando o terrível assassino de um homem absurdamente obeso, os parceiros se separam, com Somerset encarregado desse caso e Mills de outro, envolvendo um advogado morto em circunstâncias também terríveis, com a palavra “avareza” escrita no carpete do escritório. Não demora para Somerset fazer a ligação entre os crimes e perceber que eles estão diante de um serial killer sádico e extremamente disciplinado que comete seus assassinatos de acordo com os Sete Pecados Capitais.

Por boa parte da projeção, o roteiro de Andrew Kevin Walker (que viria a escrever 8mm e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça) trabalha Seven como um police procedural inteligente, mas substancialmente comum. Temos as tensões entre o cuidadoso e silencioso policial veterano e o afobado e falastrão policial novato e todo o procedimento investigativo que os leva a caçar John Doe, como o assassino se chama. Mas essa é só a superfície. Seven é muito mais do que apenas uma história de policiais investigando crimes.

Seven é, primeiramente, uma experiência sensorial. Mas não uma que deixará o espectador deslumbrado pela presença de cores e planos lindos. Muito ao contrário, o filme vai lenta, mas certeiramente, esmagando o espectador debaixo de um astral pesado, lúgubre, triste e, sim, desesperador. Isso é visto, logo de início, por meio do diálogo desesperançoso de Somerset com seus colegas e, logo em seguida, com Mills. Ele é seco, direto, sem floreios de qualquer natureza. Talvez até lhe falte traquejo social ou, mais provavelmente, ele o tenha perdido ao longo de anos de profissão. E toda sua carga negativa, seu olhar pessimista sobre a humanidade é despejada, como um caminhão de esterco, sobre a cabeça de Mills, que simplesmente não entende, em razão de sua inocência, o que está acontecendo. Assim, o roteiro manobra o batido conceito de “dupla de policiais diferentes que se odeiam, mas se amam” de maneira a abordar, com clareza, dois tipos de olhar sobre o Homem, esse com letra maiúscula mesmo.

E Fincher explora isso ao máximo, ecoando os diálogos pesados com toda uma atmosfera carregada. Ele emprega tons extremamente escuros, com luzes que mal iluminam e que, quando o fazem, só mostram horrores. Sua paleta de cores é basicamente o sépia cercado de tons amarronzados, sem dar muita chance a qualquer coloração mais forte que nos indique algum tipo de esperança. O máximo que vemos é o facho de luz das lanternas iluminando mal e porcamente os ambientes.

Cada set de filmagem tem suas próprias e marcantes características – a delegacia, o restaurante, os locais dos assassinatos, o apartamento de Somerset, a casa de Mills e de sua esposa Tracy (Gwyneth Paltrow) que treme junto com o metrô – mas todos eles transmitem a mesma coisa, ou seja, um finalismo e uma sensação de beco sem saída apavorantes. Somerset sabe aonde vive e que tipo de monstro está enfrentando. Mills não faz ideia do que lhe espera. Mills e, por vezes, Tracy são nossas representações no universo do filme, somos nós entrando de peito aberto e levando pancada atrás de pancada, até termos nossas ilusões despedaçadas pela banalidade de tudo ao nosso redor.

E a chuva é outro elemento massacrante. Chove o tempo todo nessa cidade que pode ser a nossa cidade. Já que estamos em uma obra cujo antagonista usa os Sete Pecados Capitais como inspiração para seus crimes, então a chuva talvez seja a tentativa de limpeza, de purificação que, porém, nunca vem. Pode ser também a força divina querendo inundar o mundo, acabando com aqueles que tenham se desviado do caminho da luz. Mas a chuva cai, cai e cai e a sujeira só aumenta. Não há saída.

Tracy é o único elemento de hesitante alegria na fita. Ela, apesar de miserável por estar em uma cidade de que não gosta, em um apartamento que sacoleja a cada cinco minutos, ama seu marido e faz de tudo para agradá-lo, como, também, seu parceiro Somerset. Quando Tracy, sempre de roupas claras, para nos passar justamente essa leveza que nós sabemos que não resistirá ao teste do tempo, convida Somerset para um café-da-manhã e o trata como seu único amigo, confessando algo que nem a seu marido havia contado, nós não temos como não sentir um peso em nossos corações. Ela também não tem saída, está sozinha em um mar – ou dilúvio – de sujeira, de descaso, de “dar de ombros”. Somos levados por Fincher, vagarosamente, a um sentimento incômodo, de algo muito, mas muito errado, mas não sabemos – ou mesmo sequer podemos imaginar em nossas mentes inocentes – o que não demora a acontecer.

Quando finalmente John Doe aparece, por vontade própria (não revelarei o nome do ator que o faz aqui, pois ele nem nos créditos iniciais aparece justamente para que o segredo persista), ecoando, em seu nome, o anonimato da cidade, nós sabemos que o fim está próximo, mas que ainda está longe o suficiente para acreditarmos piamente em algum tipo de resolução que lave nossas almas. Mas John Doe é tudo, menos precipitado. É como se o roteiro nos desse esperança finalmente, somente para trucidá-la completamente ao final, fazendo-nos sair do transe inocente de Mills e Tracy e forçando-nos a nos “graduar” para a experiência nihilista de Somerset.

O pecado de Seven – não resisti ao trocadilho, confesso – é sua exagerada exposição na sequência do passeio de carro de Somerset e Mills com John Doe no banco de trás. Esse é o momento muito provavelmente exigido pelo estúdio para evitar a proliferação de pontos de interrogação nas cabeças dos espectadores. É o momento em que tudo que, até então, estava nas entrelinhas, é escancarado de maneira didática, para inocentes como Mills entenderem. Definitivamente, o roteiro poderia ter economizado nas explicações e mantido o ar misterioso até o derradeiro momento. Fincher fez o que pode para tornar a sequência interessante – e é só isso que ela é – pois não havia milagre que resolvesse esse problema. Mas houve uma troca, já que a versão do roteiro preferida do estúdio também não continha o final “da caixa”, mas Fincher, que recebera por engano o roteiro com o final que foi ao cinema – em um momento da vida em que estava desesperançoso em conseguir novos trabalhos em razão das tensões “alienígenas” do filme anterior – fez questão de desferir um soco no estômago de sua audiência. E ainda bem que assim o fez.

Seven é um daqueles filmes que qualquer um hesita em rever. É uma experiência tão enervante, tão destruidora, que qualquer pessoa saberá apreciá-la, mas preferirá apenas dizer que gostou, sem revisitar de verdade o material. E é por isso que essa obra de Fincher é tão poderosa.

Seven: Os Sete Crimes Capitais (Seven, EUA – 1995)
Diretor: David Fincher
Roteiro: Andrew Kevin Walker
Elenco: Morgan Freeman, Brad Pitt, Gwyneth Paltrow, R. Lee Ermey, John Cassini, Daniel Zacapa, Peter Crombie, Reg E. Cathey, Kevin Spacey, Richard Roundtree
Duração: 127 min.

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