Pegar histórias conhecidas e atualizá-las com referências contemporâneas nunca foi uma novidade para os grandes estúdios, especialmente quando falamos de histórias que podem trazer para o cinema dois diferentes nichos de espectadores. Dos anos 2000 em diante, a Disney passou a surfar cada vez mais nessa onda, tentando vender refilmagens para uma geração sedenta por entretenimento que fale a sua língua. Pensando nisso, até que demorou aparecer um novo Sexta-Feira Muito Louca, a terceira adaptação cinematográfica do romance de Mary Rodgers, desta vez, dirigida por Mark Waters. O texto aproveita bem (na medida do possível) a ideia da troca de corpos e o diretor demonstra conhecimento suficiente do gênero para evitar os excessos mais óbvios (ou querer parecer muito inteligente), criando uma versão que tem momentos genuinamente bons e divertidos, alternados com blocos abruptamente básicos para cenas e sequências importantes.
A aposta do estúdio e o grande chamariz desse filme é a química improvável entre Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan, duas atrizes que transformam uma dinâmica cênica potencialmente mecânica (vimos isso na versão de 1995!) em algo surpreendentemente orgânico. Curtis, veterana da comédia e do terror, abraça a oportunidade de interpretar uma adolescente presa no corpo de uma psiquiatra com uma liberdade cômica que lembra as melhores tradições da screwball comedy. Sua performance é meticulosa e calculada: cada gesto constrói uma identidade dupla convincente. Lohan, por sua vez, demonstra uma maturidade interpretativa notável para seus 17 anos, alternando entre a responsabilidade adulta e a rebeldia adolescente com uma espontaneidade que poucos jovens atores conseguem. A dinâmica entre as duas atrizes cria momentos de real emoção que elevam o material acima de suas (muitas) limitações conceituais. É nesta parceria que o filme encontra sua força, transformando previsibilidade e chatice em charme.
Existem algumas armadilhas das quais a direção não consegue escapar, e elas vão de inadequações culturais (a cena do restaurante, com os biscoitos chineses) à romantização de relações problemáticas, algo que acaba reforçando o caráter bobinho da obra, que até poderia trazer do filme de 1976 um pouco da seriedade no tratamento de grandes situações — ao menos colocando um pouco mais de impacto ou consequências reais para o que é mostrado na tela. Talvez exatamente por este motivo é que existam cenas inteiras do filme que parecem não servir para nada, já que os eventos apresentados são abandonados depois, sem impacto no desenvolvimento das personagens.
A Disney encontrou em Sexta-Feira Muito Louca a confirmação de que algumas de suas reformulações poderiam funcionar quando sustentadas por talento dramatúrgico, mesmo quando o material de origem não oferecesse novidades. As cenas esquecidas, os conflitos sem peso e a adesão a piadas datadas, porém, revelam o limite dessa fórmula: diversão descartável (apesar da boa sessão e das boas risadas) que não quer justificar sua própria existência além do cálculo comercial. Fica claro que o estúdio não está interessado em reinventar histórias, apenas em reaproveitá-las com o mínimo necessário para funcionar como “lançamento“.
Sexta-Feira Muito Louca (Freaky Friday) — EUA, 2003
Direção: Mark Waters
Roteiro: Mary Rodgers, Heather Hach, Leslie Dixon
Elenco: Jamie Lee Curtis, Lindsay Lohan, Mark Harmon, Harold Gould, Chad Michael Murray, Christina Vidal, Ryan Malgarini, Haley Hudson, Lucille Soong, Willie Garson
Duração: 97 min.