Quando Mary Rodgers publicou seu romance em 1972, ela jamais poderia imaginar que sua premissa simples de troca de corpos geraria uma franquia cinematográfica que se estenderia por tantas décadas. O filme original, de 1976, estabeleceu o padrão; a versão televisiva de 1995 não conseguiu segurar a narrativa; já a adaptação cinematográfica de 2003 provou que a história poderia ser reinventada, a despeito de seus tropeços. Já esta Sexta-Feira Muito Louca de 2018, transformada em musical para o Disney Channel, jogou todo o senso de noção para o ar.
A conversão de uma comédia dramática para espetáculo musical mostra uma necessidade compulsiva de amplificar emoções através de canções, mesmo quando a narrativa original já traz potência suficiente, basta saber usar. O diretor Steve Carr e a roteirista Bridget Carpenter confundiram volume com profundidade, transformando momentos de descoberta em explosões coreográficas que mais atrapalham do que esclarecem o conflito geracional entre Katherine e Ellie. A dupla Tom Kitt e Brian Yorkey, ganhadores do Pulitzer por Next to Normal, entrega aqui um trabalho que parece paródia involuntária de si mesmos, especialmente na controversa canção Oh, Biology, onde uma adulta na adolescência canta sobre atração por um menor de idade — um equívoco ético que nenhuma melodia consegue amenizar.
E ainda temos os cenários mal cuidados, os figurinos tenebrosos e uma direção de arte que consegue fazer até mesmo os efeitos digitais de Halloweentown (1999) parecerem sofisticados. As transições entre diálogos e números musicais acontecem aos trancos e barrancos, sem cadência ou sutileza, e criam um ritmo narrativo que nunca consegue se estabelecer, ora na trilha da vergonha alheia, ora na estrada da apatia. É o tipo de produção que faz você questionar se a Disney ainda compreende a diferença entre entretenimento familiar e infantilização + emburrecimento + desrespeito da audiência.
Esta versão cantada de Sexta-Feira Muito Louca veio, aparentemente, para explorar novas possibilidades narrativas, mas, em vez disso, só gastou dinheiro do estúdio e garantiu que o espectador perdesse tempo. O filme termina com a mesma lição moral de sempre, embalada em um produto que realmente se leva a sério, mas não permite que a gente faça o mesmo. O filme consegue algo peculiar, quase irônico: fazer o público sentir nostalgia das versões anteriores, que nem eram lá essa Coca-Cola toda.
Sexta-Feira Muito Louca (Freaky Friday) — EUA, 2018
Direção: Steve Carr
Roteiro: Bridget Carpenter (com músicas de Bridget Carpenter, Tom Kitt e Brian Yorkey. Baseado na obra de Mary Rodgers).
Elenco: Cozi Zuehlsdorff, Heidi Blickenstaff, Jason Maybaum, Alex Désert, Ricky He, Sophia Hammons, Dara Renee, Christina Vidal Mitchell, Ivonne Coll.
Duração: 90 min.