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Crítica | Shadow Of The Colossus

por Anthonio Delbon
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Qualquer narrativa feita aqui será insuficiente para descrever a beleza desse jogo. Deixado claro esse primeiro ponto, alguns jogos ficam marcados por quebrarem paradigmas e mostrarem todo o potencial que um vídeo game pode trazer. A experiência que esses games proporcionam transcende a casualidade de bons jogos, o roteiro bem trabalhado de outros ou a pura diversão da grande maioria. Ela alia esses fatores e eleva o jogo de vídeo game a um patamar saudável para toda a indústria, que tem seu horizonte expandido pelas novas possibilidades que se mostraram. Há 10 anos Fumito Ueda trouxe Shadow Of The Colossus e abriu a definição do que se entendia por game no grande mercado.

Ainda há quem, pelo mais profundo preconceito, teima em desconsiderar jogos no rol de obras-de-arte. Ultimamente, The Last Of Us e Journey são dois títulos que seriam capazes de corrigir qualquer percepção nesse sentido. Mas a discussão desse assunto certamente deve ter Shadow Of The Colossus como tema. Não se trata de um simples game que inova nos quesitos da própria indústria. Trata-se de uma experiência épica, em todos os sentidos.

O primeiro ponto a ser ressaltado é que não é um jogo para qualquer um. Digo isso por experiência própria, sem arrogância: A primeira vez que joguei Shadow não aproveitei nem um pouco. Fui empolgado pelo que tinha lido e pelo falatório de amigos, mas fui também eufórico pelo costume de jogar Call Of Dutys, Fifas e GTAs. Nada contra esses games, muito pelo contrário. A questão é que meu estado de ânimo estava extremamente agitado e não consegui me acalmar e apreciar o que via na tela. Faço uma comparação com o anime Mushishi, baseado em histórias curtas e relaxantes que fogem do modelo de sayajins, ninjas, samurais e pokemons que estamos acostumados a ver no mainstream.

A segunda vez demorou, mas fui preparado e concentrado para ter paciência e entender o que o jogo propõe. E não me arrependi nem um pouco. Antes de ser arte, Shadow Of The Colosus é um game muitíssimo bem realizado. O enredo conta a história de Wander, um rapaz que chega montado em sua égua Agro (possível referência ao fiel cão de Ulisses, Argos, na Odisséia de Homero) a um reino proibido, trazendo o corpo de uma menina morta, não ficando claro se é esposa, namorada, amiga ou irmã. O protagonista pede à Dormin (Nimrod ao contrário, o que mostra uma possível influência bíblica no game) entidade dominante desse novo mundo, para trazer a garota de volta a vida. Vendo que Wander possui a Espada Ancestral, a entidade diz que trará a moça de volta se dezesseis colossos forem destruídos pela sua lâmina. Munido de arco e flechas e muita coragem, o guerreiro não pensa duas vezes e sai à procura desses gigantes, ignorando o aviso de Dormin sobre o preço caro a se pagar pela aventura.

Ao sair cavalgando pelos campos, a primeira sensação que se tem é a da mais intensa solidão. Parece que se está em um mundo gigantesco e abandonado, o que dá um ar bucólico e mítico. Tamanha liberdade poderia até prejudicar qualquer objetivo a ser cumprido, como ocorre em muitos sandbox, mas Shadow traz, talvez como grande novidade para sua época, uma genial saída: não há NPCs, não há sidequests, não há distrações. Há 16 chefões a serem vencidos, e a lembrança do corpo da garota no altar, necessitando da sua vitória para ser revivida, é mais do que suficiente para gerar um sentimento de determinação em qualquer jogador. E então vem o primeiro colosso.

Após escalar uma pequena montanha, Wander se depara com um ser gigantesco, literalmente, que anda tranquilamente sem nem perceber que o herói se encontra ali. Após a primeira flechada, lentamente o gigante se vira e se depara com uma formiga – é assim que o jogador se sente – e The Opened Way começa a tocar. A empolgação e o medo vêm misturados na dúvida: Como o jogo quer que eu derrote esse bicho?

O desafio consiste exatamente em descobrir os pontos fracos de cada colosso e, antes disso, descobrir onde eles estão. A dificuldade varia bastante, assim como level design, o que não deixa o jogo enjoativo em nenhum momento. Em meio às tempestades de areia, dentro de lagoas, em cavernas e até mesmo no ar – graças ao fantástico colosso nº 5 – logo que se ganha uma batalha quer-se outra. E ganhar a maioria delas não é fácil. O esgotamento de Wander, que absorve a energia negra dos adversários após cada vitória, reflete o esgotamento do próprio jogador.

Wander sente o peso de cada ser que mata – sua pele fica mais pálida e seu cabelo mais negro – e isso faz o próprio jogador questionar se realmente os colossos são tão malvados quanto se parece em um primeiro momento. Isso também acontece graças aos seus incríveis visuais, que variam entre longas serpentes voadores, brutos gigantes barbudos e ainda touros e leões com armaduras. É possível ver, no olho de todos, que se trata de algo vivo ali, por mais que seu corpo seja uma mistura de concreto, osso e pelo.

A escala do jogo consegue ser perfeita em mostrar o tamanho de cada um na tela, o que dá ainda maior satisfação após uma disputa acirrada contra um adversário que não só é 50x maior que você, mas que parece ser 100x à primeira vista.

A mecânica do jogo é simples. Para achar um colosso é necessário apontar a espada para o sol e perceber onde a luz é focada. Nem sempre é fácil achá-los, uns se escondem em lugares bem protegidos e isolados das planícies onde se costuma passear com Agro. As armas são apenas a espada e o arco até o final do jogo. Fora os colossos é possível encontrar lagartos e frutas que contribuem para a barra de resistência e de vida, essenciais no processo de se pendurar nos titãs. Algumas frutas diminuem a vida, o que remete à outra influência bíblica do game: Jardim do Éden.

O processo para vencer cada duelo merece um capítulo à parte. É necessário se equilibrar bem e escalar as costas da maioria dos rivais para se encontrar pontos fracos onde a Espada Ancestral possa perfurar. A mecânica se assemelha muito ao que ficou banalizado por Assassin’s Creed, mas não é moleza fazer, já que os adversários ficam se balançando tentando derrubar Wander o tempo inteiro.

O que contribui para a dificuldade e que pode ser considerado o único defeito do jogo é a câmera, difícil de ser controlada e que mais atrapalha do que ajuda na grande maioria das vezes. É possível apertar L1 e focar no colosso, mas guiar Agro, acertar uma flecha, manter a velocidade e mirar corretamente, em alguns casos, vira uma tarefa para poucos. Pode-se argumentar que o jogo traz realidade para tais situações, mas o exagero e o trabalho que dar controlar a câmera pode, ao mesmo tempo, prejudicar um pouco a experiência. Só um pouco.

Cavalgar em silêncio vendo ruínas antigas, montanhas, florestas e desertos dá um ar intimista à Shadow Of The Colossus que pouco se viu em vídeo games. “Parece que você está lá” é um clichê que pode ser abusado em qualquer crítica desse jogaço. O jogo, que vai tomando ares sombrios ao final, te dá a sensação de ser observado o tempo todo, de bem longe, por alguém, já que o hábito é de se estar em meio à uma multidão de gente, sejam soldados inimigos, sejam zumbis, seja qualquer outra criação para aumentar a dificuldade de cada jogo. Wander não tem evolução de nível, não tem melhorias. Sua habilidade é a habilidade do jogador, sua única visão é a de quem o controla.

Os ambientes são esplêndidos pela vastidão e vivacidade. O verde da grama se confunde com a névoa de montanhas, que encontra o azul de lagoas escondidas, ao lado da areia que parece arder o olho. A ausência de música enquanto se cavalga é essencial para toda a percepção desse mundo. Do mesmo modo, a trilha do genial e preciso Kow Otani entra nas batalhas de maneira fundamental em todos os sentidos. Em cada duelo, há primeiro uma percepção de Wander sobre o colosso. Depois, ao ter sua atenção chamada, o colosso busca atacar Wander. Só quando se consegue escalar o adversário ou descobrir qual o caminho para a vitória é que ocorre uma terceira etapa. Em cada um desses momentos a música muda, ditando todo o tom da batalha, sempre com níveis épicos de orquestra, variando entre momentos de alívio, sombra, tranquilidade ou pura euforia heroica.

Por ser de 2005 e exclusivo de Plasytation 2 originalmente, os gráficos, para quem joga hoje, certamente não serão os melhores. Mas vistos àquela época, são espetaculares. Até hoje não são considerados tão datados e há a versão em HD para Playstation 3 que ressalta mais ainda os detalhes impossíveis de serem percebidos nos tempos de lançamento original.

Depois de zerar um jogo desse, o sentimento é indescritível. Trata-se de uma sensação que parece ficar cada vez mais rara atualmente, em que os games preferem quick time-events ou dificuldades brandas nas horas dos “chefões”. Além disso, o final é um dos mais sutis e bonitos que já vi em qualquer história. Pura poesia, ainda mais depois de perceber os espaços deixados pela misteriosa história, que garantem diversas interpretações e solidificam na memória tantos momentos emocionantes.

Shadow Of The Colossus é um jogo obrigatório para qualquer fã de vídeo games, independentemente do console que se tenha. O Playstation 2 valeria ser comprado apenas por esse jogo. É uma experiência singular. Tendo em vista, ainda, que The Last Guardian, aguardado próximo jogo de Fumito Ueda e sua equipe, resolveu dar as caras na E3 desse ano para confirmar seu lançamento em 2016, após tanto tempo sem notícias, nada melhor do que conhecer SotC antes e entender a ansiedade para essa próxima experiência.

Shadow Of The Colossus
Desenvolvedor: Team ICO
Lançamento: 18 de outubro de 2005
Gênero: Aventura
Disponível para: PS2 e PS3

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