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Crítica | Sherlock Holmes: O Signo dos Quatro, de Arthur Conan Doyle

Pouco trabalho para Holmes.

por Luiz Santiago
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Segundo livro em que Sherlock Holmes aparece, O Signo dos Quatro (1890) possui uma notável diferença de qualidade em relação ao seu antecessor, Um Estudo em Vermelho, publicado três anos antes. Neste segundo (de quatro) romances protagonizados pelo famoso detetive — é sempre importante ressaltar que Holmes se tornou verdadeiramente popular através dos contos com suas aventuras, que começaram a ser publicados em 1891 –, o escritor Arthur Conan Doyle conseguiu explorar mais caraterísticas pessoais e hábitos de seu protagonista, assim como arrumou uma noiva (Mary Morstan) para Watson, colocando na trama um elemento romântico que, assim como o flashback vindo da narrativa de um certo personagem, pareceu bastante deslocado no enredo.

Conhecemos aqui o vício de Holmes em cocaína, que aparece já no primeiro parágrafo da narrativa, novamente feita pelo Doutor Watson. Há tempos que vejo um debate acontecer em torno da nomenclatura para esse uso da droga por Holmes, alguns vendo-o como um vício e outros apenas como um mal hábito — nomenclaturas que significam coisas bem diferentes. No segundo parágrafo do livro, o médico diz: “três vezes por semana, durante muitos meses, eu tinha assistido a essa operação, mas não conseguia me acostumar a ela“, e com isto ele está se referindo ao processo de ver seu amigo usar a droga. Me parece claramente uma atitude de viciado, independente da justificativa que Holmes dê a esse uso, afirmando que acontece quando ele não tem nada de muito intenso ocupando o seu cérebro. E sim, existem níveis de intensidade para qualquer vício, mas a palavra continua sendo a mesma.

Como que respondendo à crítica que Watson faz ao comportamento de Holmes, aparece no apartamento a jovem Mary Morstan, contando uma história bastante peculiar, de como ela, há seis anos, vem recebendo uma valiosa pérola em seu endereço. Um pedido de encontro feito pela misteriosa pessoa que lhe enviava esses itens foi o que fez a moça procurar o 221B da Baker Street, e o caso passa a ser investigado. Diferente de Um Estudo em Vermelho, sobra pouco espaço para Sherlock Holmes exercer as suas grandes habilidades aqui. O melhor momento de suas observações e deduções, inclusive, acontece na abertura do livro, antes mesmo de Mary aparecer com o problema que será intitulado O Signo dos Quatro. Doyle optou por não criar um mistério com muitas portas e janelas abertas em seu desenvolvimento, mas um mistério que fosse resolvido em um número menor de etapas e não necessariamente pelo protagonista.

O princípio ou impulso desse método tem um quê de Auguste Dupin, no sentido de começar com um elemento teórico defendido pelo detetive e a história basicamente servir para provar essas teorias, através de seu encadeamento e resolução. Ou seja, o autor lança as migalhas daquilo que o leitor deverá encontrar na trama, na seara de “respostas para as perguntas“, e por isso mesmo diminui a participação do detetive-teórico. Este fará apenas a adição de algumas observações sobre personagens e motivações, mas a resolução do caso vem praticamente como consequência de alguns encontros no meio do caminho. Assim, O Signo dos Quatro tem um menor procedimento investigativo puro e uma maior carga de ação, sendo a perseguição de embarcações no Rio Tâmisa a mais lembrada.

Algo que se mantém, em relação ao livro anterior, é o fato de o grande problema investigado no presente ter raízes em um fato que aconteceu no passado. Ocorre que, enquanto a narrativa dos mórmons, na segunda parte de Um Estudo em Vermelho, foi interessante e funcionou bem na estrutura geral da narrativa (faço aqui o reconhecimento de que entendo a todos os que odeiam ou simplesmente não gostam desse citado bloco), a fase da Guerra dos Cipaios (também chamada de Rebelião Indiana de 1857, e que durou até novembro de 1858) me pareceu um peça encaixada à força no texto, fortemente manchada por trechos repetidamente racistas e xenófobos. Nós temos momentos igualmente desprezíveis em falas de Holmes ou da narração de Watson, mas a coisa cresce exageradamente quando Jonathan Small começa a narrar a traição do Major John Sholto e todas as suas desventuras nas Ilhas Andaman. A descrição dos nativos deste arquipélago, o juízo de valor, o paternalismo típico dos europeus do século XIX e as muitas formas de preconceito que os personagens brancos exibem nesse momento ou em referência a ele não ajudam em nada esse ponto do livro, mesmo que entendamos a necessidade de contexto histórico-literário para tudo isso.

Existem três casos citados aqui que indicam aventuras anteriores de Holmes que não conhecemos de nenhum outro lugar em sua bibliografia. O primeiro é citado pelo próprio personagem, dizendo que ajudou o detetive François Le Villard com um caso ligado a um testamento. O segundo é trazido pela “mulher-problema” do livro, dizendo que foi procurar o detetive por indicação de sua empregadora, a Sra. Cecil Forrester, que teve um “sério problema doméstico” resolvido. E por fim, o inspetor Athelney Jones, que menciona o caso da caixa de joias de Bishopgate, no qual Holmes colocou a polícia no caminho certo. São piscadelas narrativas que mostram ao leitor o por quê Sherlock tem fama (esse ponto, porém, ganha um capítulo definitivo quando Watson publica Um Estudo em Vermelho — eu adoro o toque metalinguístico da história, e vocês?) e é bem quisto por um grande número de pessoas. Isso faz de O Signo dos Quatro um romance que fortalece as raízes do cânone, que cresceria ainda mais a partir do ano seguinte. Confesso que foi um livro que me decepcionou um pouco, pois estava esperando algo pelo menos próximo à qualidade do primeiro, entretanto, desvendar o mistério de quatro prisioneiros e a jornada de um “tesouro maldito” não deixou de ser também uma viagem bastante divertida.

Sherlock Holmes: O Signo dos Quatro (The Sign of Four) — Reino Unido, fevereiro de 1890
Autor: Arthur Conan Doyle
Publicação original: Lippincott’s Monthly Magazine (como The Sign of the Four; or The Problem of the Sholtos)
Publicação original em livro: Spencer Blackett (outubro de 1890)
Edição lida para esta crítica: Clássicos Zahar; Edição bolso de luxo (3 setembro 2015)
Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges
184 páginas

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