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Crítica | Shiva Baby

por Michel Gutwilen
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Shiva Baby é uma emulação do que pode ser uma grande crise de ansiedade para uma recém-adulta da geração millenial e parte da classe média norte-americana. Em um ambiente bolha, a protagonista está numa recepção de um funeral e, no meio deste evento, todos os gatilhos possíveis causadores de ansiedade passam a acontecer com ela. Na narrativa de Emma Seligman, é como se todos aqueles comentários de familiares mais velhos que os jovens tanto fogem — “você está muito magra!”; “e os namoradinhos?”; “o que vai fazer da vida?” — formassem, em bola de neve, um grande pesadelo. Não só isso, mas existe uma pressão externa que também atinge a protagonista em diversas outras questões. A jovem Danielle (Rachel Sennott) se vê tanto diante de uma opressão vinda de instituições, como a família e a religião (pois se trata de uma cerimônia formal judaica), quanto de um embate direto no que tange sua sexualidade e moralidade. No mais improvável dos encontros, sua ex-namorada, Maya (Molly Gordon), e seu atual Sugar Daddy (Danny Deferrati), junto da esposa e do filho, estão naquele evento.

Evidente que não se está diante de um um projeto que preza pela verossimilhança dos acontecimentos, mas, pelo contrário, uma trama que reúne propositalmente tantas questões da vida de uma jovem em um apertado recorte espaço-temporal para ver como ela vai reagindo a isso. Trata-se, portanto, de um certo tipo de experimento, cuja cobaia é a protagonista e, consequentemente, o público, pois a diretora (Seligman) faz questão de encenar sempre de um ponto de vista introspectivo, com sua mise-en-scène correspondendo mais a uma realidade psicológica do que realista. Em um primeiro momento, é possível dizer que Seligman usa de maneira consciente os artifícios cinematográficos para fazer com que o nervosismo da protagonista seja realçado pela forma física. A montagem é rápida e vai alternando entre as diversas pessoas do funeral que tentam diálogo com ela, sem dar respiro à protagonista, os close-ups em seu rosto são sufocantes e o barulho de choro do bebê vai aumentando cada vez mais.

Porém, mesmo com seus curtos 77 minutos, este exercício de ansiedade vai se tornando cansativo e repetitivo. Na revista Cahiers du Cinéma nº 684 (dezembro de 2012), o crítico Stéphane Delorme usa uma ideia que me agrada para descrever Shiva Baby: ele é um filme-pitching. O pitching é o encontro no qual um roteirista encontra com produtores de alguma empresa na esperança de vender o roteiro que produziu para se tornar um filme, devendo vender a ideia do projeto de maneira resumida. Para Delorme, esse tipo de obra nunca ultrapassa a ideia inicial do pitching, estando sempre na mesma marcha inicial. Se eu fosse vender o pitching de Shiva Baby seria algo do tipo: “jovem millennial encontra em um funeral sua ex-namorada e seu sugar daddy passando por situações de estresse que vão levando a uma crise de ansiedade”. Alguém poderia dizer que isso já é o suficiente para uma experiência imersiva (não há como negar que não é), mas, criativamente, quando se enxerga que todo tipo de situação é apenas uma variação inicial da mesma cena e a diretora se utiliza dos mesmos recursos estilísticos (montagem acelerada, barulho de choro, close-up opressivo) o tempo todo, o brilho vai se perdendo.

Aliás, é justamente curioso constatar isso de Shiva Baby, visto que se trata de um projeto que foi originalmente um curta e foi transformado em longa (após o sucesso do 1º). Tendo visto os dois, fica nítido que o último é apenas uma versão prolongada daquilo que já fora proposto no curta, o que ao mesmo tempo é o que faz que ele seja minimamente bom (o material base se sustenta, principalmente pelo humor dos atores) mas também sua âncora, que não permite que ele decole para voos maiores. A nível comparativo, penso em Mãe!, de Darren Aronofsky, que possui o mesmo esqueleto (“mulher reagindo em uma casa a situações inesperadas com a ansiedade e o surrealismo aumentando progressivamente”), mas, diferente de Shiva Baby, possui questões mais complexas que se desdobram disso, saindo do “filme-pitching”.

Shiva Baby (2020) — EUA
Direção: Emma Seligman
Roteiro: Emma Seligman
Elenco: Rachel Sennott, Molly Gordon, Polly Draper, Danny Deferrari, Fred Melamed, Dianna Agron, Jackie Hoffman, Sondra James, Deborah Offner
Duração: 77 mins

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