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Crítica | Shock: Diversão Diabólica

por Leonardo Campos
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Na década de 1980, os brasileiros estavam mais próximos que distantes de modificar o cenário social e expurgar as décadas de governos ditatoriais que produziram mais meios de horror e ansiedade nos habitantes de nosso território que qualquer narrativa cinematográfica com sangue, morte e medo. Após um longo período de perseguição, torturas, desaparecidos, dentre outras celeumas que dão ótimo material para a ficção, novos rumos garantiam que ao menos por algum tempo, as coisas seriam diferentes. No cinema, os anos 1980 nos apresentaram uma prévia do obscurantismo que se instalaria com o governo de Fernando Collor de Melo na virada de década, desastre que talvez só não seja maior que a nossa atual representação nos inconstantes ministérios e na posse burlesca do posto de maior responsabilidade na gestão de nosso país. Para cada período de horror, o cinema trata de fazer as devidas radiografias, tendo em vista permitir que as assustadoras ocorrências da realidade sejam combustíveis para eficientes projetos artísticos.

É com base nos dilemas dos jovens da peculiar década de 1980 que o cineasta Jair Correia, também autor do texto, escrito em parceria com Gertrude Eisenlohr, desenvolveu o primeiro exercício cinematográfico na seara do slasher, Shock: Diversão Diabólica, filme com estrutura dramática simples, sem a histeria e a movimentação empolgante dos modelos estadunidenses, geralmente mais sanguinolentos, intensos e sexualmente explícitos. Na trama, o básico: um grupo de jovens passa a noite enclausurado num lugar distante, asfixiados pela atmosfera de horror estabelecida por um misterioso assassino que não está mascarado, mas os aniquila, um a um, como pede a cartilha deste profícuo subgênero. Os relacionamentos sexuais, as drogas e as bebidas estão em cena para reforçar que qualquer menção à ordem passa longe dos personagens superficiais deste filme curioso, irregular, mas envolto num manto curioso, talvez por ser algo observado dentro de uma perspectiva histórica, como o primeiro do tipo por aqui.

Para concebê-lo, o cineasta Jair Correia contou com a direção de fotografia de Tony Rabatoni, setor que emprega o ponto de vista como proposta voyeur para o assassino que saberemos, no desfecho, ser alguém que fugiu de uma determinada situação e se estabeleceu no local para colocar para fora os seus instintos violentos. A trilha sonora expressiva e excêntrica, composta por Paulinho Cruz do Vale, Pedro Luiz Turin e Renato Groshe, também assinada por Jair Correia, um diretor multitarefa, arranha as cenas de maior tensão, sem prejudicar as suas passagens, funcionando como um acompanhamento conectado com a qualidade estética do filme que compõe. Jean Canova, responsável pela maquiagem, deixa algum sangue derramado entre um ponto e outro, bastante discreto, talvez motivado pela importância de a produção passar pelos censores de sua época. Ademais, a direção de arte de Sérgio Reis é irregular, pouco proveitosa das potencialidades de Shock: Diversão Diabólica, pois se o filme não é uma grande narrativa, importante hoje mais por sua revisão histórica que pelos atributos dramáticos e estéticos, um visual mais interessante permitiria, ao menos, ampliar as possibilidades de quem busca entretenimento.

Ademais, ao adentramos pela narrativa, encontramos os principais tópicos que definem o slasher além do assassino que mata as suas vítimas em série. No grupo de músicos que estão no sítio, a tomar conta dos instrumentos musicais para encaminhá-los após a festa, temos o casal que faz sexo no preâmbulo, colocando-se numa situação ameaçadora. Há também a moça virgem e recatada, o rapaz “abafado” sexualmente, doido para se “libertar”, a jovem sexualmente explícita, despreocupada com os padrões, dentre outros tipos. O assassino aqui não usa uma misteriosa máscara, tampouco retornou por ter sido queimado vivo por ser pedófilo, ter morrido afogado após a falta de cuidado dos monitores ou ser parte de uma família de canibais que o incentivam a utilizar uma motosserra pra dar recado aos jovens incautos que decidem aparecer pela região. A fórmula slasher está toda enraizada na estrutura dramática do filme e negar isso é no mínimo uma covardia de Jair Correia, realizador que nalgumas entrevistas e relatos pela internet para jornalistas mais recentes, diz abominar o subgênero e não ter gostado de nenhum quando assistiu. Uma diferença básica é a associação com a figura “monstruosa” de maneira metonímica, como no Giallo, apresentada apenas pelas mãos e pernas que caminham pela trilha de corpos.

Shock: Diversão Diabólica — Brasil, 1984
Direção: Jair Correia
Roteiro: Jair Correia, Gertrude Eisenlohr
Elenco: Jurandir Abreu, Cláudia Alencar, Elias Andreato, Taumaturgo Ferreira, Kiko Guerra, Caio Flávio, Silvio N. Ferreira
Duração: 74 min.

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