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Crítica | Sob o Signo de Capricórnio

por Luiz Santiago
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Depois de dirigir o sensacional Festim DiabólicoAlfred Hitchcock caiu em uma armadilha armada por seu próprio ego e auto-confiança, algo que ele mesmo confessou a François Truffaut em entrevista. Em uma época em que Ingrid Bergman era a atriz mais disputada do grande mercado, o diretor se sentiu confiante demais quando conseguiu que ela assinasse mais um contrato consigo, realizando assim o seu terceiro e último trabalho hitchcockiano: Sob o Signo de Capricórnio.

O filme foi uma espécie de pesadelo para Bergman, que teve abundância de discussões com Hitchcock durante as filmagens. O diretor, por sua vez, percebia que um filme de época produzido por ele próprio e com aquela temática tinha como foco uma única pessoa: sua atriz-fetiche do momento. Sem ter nenhuma relação afetiva com a história ou extrema vontade de adaptá-la para o cinema, o diretor só realizou o filme porque achava que era uma boa oportunidade de trabalhar com Ingrid Bergman mais uma vez e que talvez ele conseguisse um grande filme comercial com esse chamariz.

Mas Hitchcock estava enganado. Sob o Signo de Capricórnio foi um tremendo fracasso de bilheteria e muitíssimo mal recebido pela crítica e pelo público, exceto uma parte dos espectadores franceses, que acharam esta uma das melhores coisas que o cineasta fizera até o momento.

Mas não cedamos tanto ao Céu ou tanto à Terra. Sob o Signo de Capricórnio é um filme apensa decente, longe de ser uma das melhores coisas que o Mestre do Suspense realizou. A obra tem uma realização técnica bastante notável, com planos sensivelmente longos (um reflexo de Festim Diabólico) e uma fotografia que nos lembra pinturas românticas de cores quentes, pontuada por um Technicolor saturado, tanto em ambientes diurnos quanto noturnos. A ação se passa na Austrália e envolve personagens de composição bastante distinta. O elenco entrega uma excelente performance, mesmo os atores mais fracos, mas o destaque mesmo vai para Ingrid Bergman, no papel da sofrida Henrietta Flusky; para Margaret Leighton, no papel de Willi, que faz uma personagem shakespeariana semelhante ao Iago de Otelo; e Joseph Cotten no papel de Sam Flusky.

O interessante é que Ingrid Bergman já havia trabalhado com Cotten em um filme de temática mais ou menos parecida, À Meia-Luz (1944), de George Cukor. Tanto neste último quanto no presente filme, há a tentativa de alguém em enlouquecer e/ou matar uma pessoa aos poucos, usando de artifícios diversos e se fingindo de amigo para encobrir o crime. No caso da obra de Hitchcock, tal plano de fundo se mixa a uma temática já familiar ao diretor, explorada em Rebecca. Os ingredientes e os símbolos desses filmes são colocados nesta “aventura tropical” (que não tem nada a ver com o signo de Capricórnio mas com o Trópico de Capricórnio, abaixo do qual se encontra a Austrália) do cineasta: a casa dotada de valor dramático, a mudança de espaço geográfico, a governanta maluca e apaixonada, o crime cometido por um protagonista e encoberto ao longo dos anos.

Todavia, mesmo com todos esses interessantes moldes pregressos, Hitchcock não consegue realizar um filme inesquecível. O roteiro, evidentemente, tem um forte peso nessa questão. Além de ser extremamente verborrágico, arrasta algumas situações em demasia e finaliza o conflito estabelecido em boa parte da fita de maneira inacreditavelmente simplista, quase como uma espécie de piada irônica na cara do espectador. Apesar de tudo, existe uma grande beleza e um certo charme irresistível em Sob o Signo de Capricórnio. Os conflitos postos em cena são bastante aceitáveis e o espectador não demora a se afeiçoar ou tomar partido de um ou outro lado. No fim das contas, sobra o que verdadeiramente importa: uma boa sessão. Mas todos nós sabemos que este não é o melhor produto da fonte de onde veio.

  • Crítica originalmente publicada em 05 de abril de 2014. Revisada para republicação em 07/04/2020, como parte da versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

Sob o Signo de Capricórnio (Under Capricorn) – EUA, 1949
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Hume Cronyn, James Bridie, Peter Ustinov, Joseph Shearing (baseado no romance de Helen Simpson e na peça de Margaret Linden e John Colton).
Elenco: Ingrid Bergman, Joseph Cotten, Michael Wilding, Margaret Leighton, Cecil Parker, Denis O’Dea, Jack Watling, Harcourt Williams, John Ruddock, Bill Shine, Victor Lucas
Duração: 117 min.

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