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Crítica | Sobrenatural: A Última Chave

por Gabriel Carvalho
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O horror atual é caracterizado em boa parte por uma quantidade imensa de franquias descartáveis, que se reciclam e se reciclam perpetuamente. O problema dessa reciclagem é que não estamos falando de transformar uma garrafa pet em plástico. Algo, ao menos, útil. Mas sim de transformar lixo em lixo, continuamente. É uma catástrofe genérica que já vimos inúmeras vezes, com as mesmas reviravoltas e os mesmos clichês, e os mesmos personagens que nem um pouco nos importamos. Ledo engano, creio que tenha sido injusta a caracterização dessas obras como inúteis. Se os estúdios não percebessem que tais empreendimentos geram retorno financeiro, eles não estariam produzindo essas sequências intermináveis, não é verdade? A palavra certa talvez seja indiferença. Se esses produtos inócuos não ofuscam obras mais interessantes do gênero, como as adaptações de Stephen King lançadas em 2017 (não estou falando de Torre Negra, obviamente), eles definitivamente não agregam em nada à sétima arte. Além disso, se por um lado podemos criticar veementemente estes filmes, por outro é entendível que eles estejam entretendo, mesmo que de forma passageira e esquecível, uma boa quantidade de pessoas. Sobrenatural 4, e mais uma parcela gigantesca de produtos, como qualquer coisa envolvendo a franquia Amityville, vai “assustar” os desavisados de plantão em busca de uma experiência de horror, mesmo sendo indiferente ao terror como um gênero com mais facetas que a comercial, explorada exaustivamente pelos estúdios.

Mas não deixem-se enganar, Sobrenatural não é a coisa mais horrível do mundo, embora esteja longe de qualquer estima mais encorpada. Os primeiros dois filmes, nem um pouco espetaculares, foram dirigidos pelo conhecido diretor de terror James Wan. Surpreendentemente, até Sobrenatural: A Origem conseguiu ter seus fãs. A questão principal é que, assim como o anterior, A Última Chave explora acontecimentos prévios aos do primeiro filme, criando, consequentemente, nenhuma tensão real no espectador que tenha visto os demais, no que se refere à expectativa de que algum dos personagens centrais morra. Tal tensão é crucial no terror, gênero que brinca com o senso de segurança de seus personagens. Situado após A Origem, Sobrenatural 4 explora o passado de Elise (Lin Shaye), suas habilidades sobrenaturais enquanto ainda criança e os efeitos delas em sua vida e na vida das pessoas a sua volta. Tendo que retornar à casa de sua infância a pedido de um novo morador, a mulher, junto aos seus companheiros paranormais, Tucker (Angus Sampson) e Specs (Leigh Whannell), enfrentará demônios que esperam o seu retorno a muito tempo.

A começar pela premissa, não temos nada de substancialmente extraordinário para tirar da superfície. Elise possui um passado cruel, que é mostrado pela câmera durante as cenas de flashback. Estes acontecimentos, porém, demoram para afetar a protagonista no presente. Ao receber a ligação de Ted Garza (Kirk Acevedo), Elise imediatamente recusa atender ao chamado do homem. Alguns minutos depois, ela, de forma muito súbita, revela a Tucker e Specs que tem que ajudar o homem. É uma mudança bastante artificial. Poderíamos ter visto algum tipo de reflexão, pesadelos ou algo que nos levasse por completo para esse mergulho dela em seu passado. Contudo, a atriz, como alma da franquia, convence perfeitamente em seu papel, mesmo que o roteiro falhe em lhe dar algo mais robusto para carregar em um possível desenvolvimento de personagem que nunca se concretiza. Quando estamos diante dela e suas memórias doloridas, Lin acerta no tom de sua angústia, no tom de seu sofrimento passado e atual, e no tom de sua vingança, algo que é explorado na figura de seu pai, Gerald Rainier (Josh Stewart), o qual, graças a uma virada mais compromissada do roteiro, recebe uma camada a mais do que a retratada inicialmente. Ademais, a aparição de Aubrey (Tessa Ferrer), mãe de Elise, também traz pitadas dramáticas e emocionais mais que bem vindas.

Apesar disso, muito do que se tem entre Elise e o personagem de Bruce Davison, outro elo poderoso na idealização antecedente à confecção do razoável roteiro de Leigh Whannell, acaba sendo dissolvido por uma obra que tinha que ter dado mais gravidade às atitudes da garota enquanto mais jovem. O peso que ela carrega é fracamente colocado em cena por um roteiro que deveria estar mais determinado em dar profundidade à dor e culpa da senhora. Lin Shaye, mesmo assim, continua a ser uma das melhores coisas da franquia. Todavia, fora isso, a história traz um plot twist funcional, que joga com a questão do homem ser o verdadeiro mal, e não as criaturas do além. Infelizmente, A Última Chave desconstrói essa mudança de perspectiva e retorna a colocar a culpa de todo mal no sobrenatural. Não é inesperado que se fizesse isso, visto que demônios tendem a ser malignos, mas desapontador, porque o filme por um momento presumiu que não ia cair para o convencional. O demônio da obra, aliás, é um dos erros do filme no quesito visual, visto que o diretor Adam Robitel deixa a câmera no seu rosto por muito tempo, tirando o peso das aparições.

A finalizar, não há nada mais clichê que os jumpscares premeditados. A trilha sonora intrusiva surge, o personagem começa a andar devagar e o susto vem, totalmente manipulado, sem nenhuma honestidade na emoção transposta. Como exceção dessa regra, há uma aparição das mais malignas em uma delegacia que provavelmente o fará pular da cadeira. Eu acredito que os filmes de terror deveriam apostar em algumas sutilezas perceptíveis apenas para o espectador. Por exemplo, coisas estranhas no ambiente que não sejam percebidas pelo personagem em cena, mas pelo público atento aos detalhes dos planos. Nessa parte citada, uma estranheza bem de leve pode ser notada, mas o quesito assustador não aparece carregado de uma orquestra inteira de ornamentos que já conhecemos há tanto tempo. Em outras sequências é tão óbvio que chega a parecer paródia. Não colabora muito pra execução do filme o retorno da dupla Tucker e Specs, os quais são alívios cômicos que, se passam por perigos reais (contabilizei uma única vez que algo acontece “de mal” a eles), não há nenhuma carga dramática em suas costas. Ambos promovem dois ou três risos e depois continuam nas suas indiferenças, apenas desvencilhadas pela química que há entre o trio protagonista. Por falar na trindade que aprendemos tanto a amar quanto a não nos importar, espera-se que esta seja finalmente a última aventura deles. Que tal novas obras, estúdios de cinema? Sobrenatural já está saturada em seu quarto filme. Se depender de comparações com outras franquias do horror, podemos esperar mais doze para igualar com Amityville.

Sobrenatural: A Última Chave (Insidious: The Last Key) – EUA, 2018
Direção: Adam Robitel
Roteiro: Leigh Whannell
Elenco: Lin Shaye, Angus Sampson, Leigh Whannell, Josh Stewart, Caitlin Gerard, Spencer Locke, Tessa Ferre, Kirk Acevedo, Bruce Davison
Duração: 103 min.

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