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Crítica | Sociedade da Justiça: A Era de Ouro

por Luiz Santiago
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Minissérie em quatro edições, marcada com a tag de ElseworldSociedade da Justiça: A Era de Ouro (1993) é um excelente exercício de James Robinson (texto) e Paul Smith (arte) sobre o crepúsculo da Era de Ouro dos super-heróis. Esse momento histórico também aparece na minissérie com um processo de depressiva aposentadoria dos heróis da SJA, os mascarados que lutaram na 2ª Guerra Mundial e que agora estão tentando seguir com suas vidas “normais”, vendo o fascismo chegar ao poder, pelas vias democráticas, nos Estados Unidos. Tudo isso na Terra-32.

Por se tratar de uma história alternativa, o leitor não deve esperar atenção principal para os medalhões conhecidos da Era de Ouro da Terra-2 com os quais estamos acostumados, se bem que Alan Scott é consideravelmente importante para essa história; Carter Hall ganha um bom destaque no final e Jay Garrick faz um cameo na última revista. O fato, porém, é que veremos aqui um desfile do time muitas vezes desprezado, escanteado, constantemente zombado dos heróis da Era de Ouro, todos inseridos na trama como pessoas que tiveram um momento marcante de suas vidas enquanto eram super-heróis e defendiam a população, mas que não conseguiram viver sem os tormentos desse passado, caraterística que aparece aqui de maneira mais suportável para uns e de maneira muitíssimo opressiva para outros. Muitos leitores até fazem comparações ligeiras dessa saga com Watchmen, pensando em um outro tipo de tratamento para os Minutemen, e devo dizer que a comparação não é nada despropositada.

Logo no primeiro volume aparece o Comando Invencível (All-Star Squadron), de onde se destaca Tex Thomson, O Mr. América (Americomando), personagem de porte heroico que volta aos Estados Unidos depois de anos servindo como espião no meio dos nazistas, por ordem do presidente Roosevelt. O trabalho do roteiro para estabelecer as justificativas de guerra é primoroso. A trama traz algumas lombadas no início, é verdade, demorando um pouquinho para deixar clara a sua intenção principal, mas depois que isso é explicado, toda a leitura avança muito bem, tendo em seu desenvolvimento flashbacks, narrações pessoais, intrigas políticas, comportamento da sociedade em transformação nos anos imediatamente após a Segunda Guerra e o andamento cada vez mais infame da Caça às Bruxas e o medo de um inexistente “grande plano comunista para invadir e transformar os Estados Unidos“. É sob essa ótica que o roteiro desenvolve o núcleo ideológico (partilhado por um personagem que representa o nacionalismo salvador) e com isso se aproxima bastante de uma já conhecida ideia sobre como o primeiro grupo de super-heróis foi desmantelado, visto em A Derrota da Sociedade da Justiça (1979).

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A arte de Paul Smith faz com que o leitor veja toda a história com uma imersão ainda maior. Realista e absurdamente criativa na composição dos quadros e diagramação das páginas — que contam com lindas e perturbadoras cenas de pesadelos, de batalhas no front nazista, de notícias de jornal dos anos 40 –, o trabalho recebe nas cores de Richard Ory e letras de John Costanza a finalização visual perfeita para esse tipo de aventura. A sobriedade dos tempos de guerra que aparecem nos dois primeiros volumes vai aos poucos dando lugar a cores e estruturas de narração mais dinâmicas, soltas, até culminarem na excelente sequência de batalha, uma das mais engajantes. Nós torcemos pelos heróis, tememos (com bons motivos para isso) por suas vidas e, acima de tudo, somos bombardeados por reviravoltas na trama que nos deixam de queixo caído. Ouvi algumas vezes que a escolha de Robinson para esse final foi “exagerada”, mas não acho que tenha sido. Se considerarmos os paralelos sociais e políticos mais a questão da existência dos super-heróis, faz total sentido e tem todo o sabor de narrativas da Era de Ouro, tanto nos quadrinhos quanto no cinema, outra mídia fortemente abordada na minissérie.

O fim de uma geração de grandes ícones é mostrado em A Era de Ouro através do comportamento ideológico das massas, algo dá gosto de ver, pela ironia do texto. O que faz uma população apoiar e colocar nos mais altos cargos de uma nação (aqui, no Senado e, intencionalmente, na Presidência) alguém que escolheu um inimigo exageradamente pintado (ou inexistente) para combater? Alguém claramente segregador, que escolhe a dedo seus meios pessoais de comunicação com a população, seus defensores de causa, seu próprio grupo de “Justiça Plena” (que perpetua velhas práticas, mas diz fazer o contrário) e seu próprio esquadrão de “Caça a Todos os que Não me Apoiam“? É nessa linha política, social e ideológica que vemos a passagem do bastão de velhos heróis para novos nomes e novos rostos, tendo também a vitória sobre alguns velhos inimigos e a perpetuação de outros males. A mudança, como sempre, acompanhada da mesmice. O fim de uma Era de Ouro para o início de uma Era de heróis que ainda não sabiam o que fazer com antigos e densos problemas, mas já começavam fortemente marcados pelo exemplo de luta contra o extremismo que seus antecessores encabeçaram. Já era alguma coisa.

Justice Society of America: Golden Age (EUA, 1993)
No Brasil:
Panini, 2018
Roteiro: James Robinson
Arte: Paul Smith
Cores: Richard Ory
Letras: John Costanza
Capas: Paul Smith
Editoria: Archie Goodwin
200 páginas

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