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Crítica | Sombra e Ossos, de Leigh Bardugo

por Kevin Rick
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Sempre que eu começo um livro de fantasia, meu interesse inicial é em relação ao ambiente e a temática fantasiosa em si, seja ela Espada e Feitiçaria, High Fantasy medieval, Conto de Fadas, Ficção Mítica, entre outros subgêneros da nossa tão amada literatura fantasiosa. Sombra e Ossos, o primeiro livro do Grishaverso, da autora Leigh Bardugo, logo de cara me pareceu um interessantíssimo universo por causa do background de Europa Oriental, especialmente com a Rússia, que a construção de mundo recebe, e também com o sistema Elemental de magia ciência dado aos Grishas, pessoas favorecidas com poderes de manipulação da matéria. Tudo soa um tantinho clichê, como YA normalmente são, mas eu tinha esperanças que a escritora soubesse trabalhar com os clichês em sua mitologia e personagens que inicialmente encantam o leitor. Infelizmente, Bardugo amarra o potencial de seu universo para oferecer um tipo de fantasia quase que inteiramente monárquico.

E, isso, poderia ser bom, viu? Talvez um contexto político ou intrigas nobres que preencheriam um tipo de Fantasia mais reclusa, especialmente para o público-alvo adolescente que certamente não se encontra com esse tipo de literatura todo dia. Contudo, a autora tem uma estranhíssima abordagem, que não me faz contestar a popularidade da obra, mas com certeza a qualidade narrativa, no qual grande parte da trama tem como ponto central a aparência, os figurinos e o status, em uma longa leitura, quase cômica, sobre os dramas de uma moça constantemente refém da opinião alheia.

Antes de adentrar um pouquinho mais nessa questão, é preciso dar algum contexto para quem não leu o livro: a moça em questão, a protagonista da obra, é Alina, uma órfã, que juntamente com seu amigo de orfanato, Maly, conseguiram encontrar posições comuns no exército de Ravka, como uma cartógrafa e um soldado rastreador, respectivamente. E desde o início, a autora faz questão de caracterizar Alina como feia, fraca e insegura, em um exercício narrativo apático da personagem. Após ambos personagens adentrarem “A Dobra”, uma faixa de escuridão cheia de monstros alados conhecidos como Volcras, dividindo a nação ravkiana, a jovem retraída descobre ter os poderes da Conjuradora do Sol, podendo manipular a luz, sendo a habilidade mais poderosa no meio Grisha.

É a partir do desenrolar desse acontecimento que Alina vai parar no palácio, envolta pela família real, os Grishas e o poderoso Darkling, o membro mais poderoso da obra, que busca destruir a Dobra. Até aí, eu estava interessado e até animado com a cadência da narrativa, que assume sua proposta demográfica no estilo de escrita simples, objetivo e um tantinho genérico, mas a premissa estava delineada, e apesar da péssima protagonista, eu tinha esperança que as escolhas da autora seriam em prol de algum arco de evolução e pertencimento, extremamente interessantes no âmbito da maturidade e autodescoberta para seu público-alvo. Infelizmente, todo o núcleo de Alina no palácio, ao redor de 2/3 do livro, é uma experiência superficial em torno do, sendo honesto, nada.

Eu entendo a proposta de drama-girl aqui, e certamente não esperava uma fantasia a lá Senhor dos Anéis, As Crônicas de Gelo e Fogo ou até mesmo O Nome do Vento, mas é complicado comprar uma narrativa insubstancial que tem como núcleos principais, ênfase nos principais, pois não são pequenos diálogos, camadas ou subtexto, mas sim o foco da história em longas discussões sobre as distinções faciais entre Grishas e pessoas normais, as diferenças de roupagem de acordo com a hierarquia, rixas femininas pela atenção do Darkling e um forçado triângulo amoroso. É preciso frisar isso, pois esses são os temas predominantes nas primeiras 200 páginas da obra! Tediosa, supérflua e sem qualquer elipse, pois o contexto maniqueísta e futilmente focado no exterior é constantemente jogado na cara do leitor em narrações superexpositivas da preocupação alheia de Alina, compondo uma terrível experiência de aprendizado adolescente, cheia das piores mensagens possíveis em relação à maturidade, independência e aceitação, trabalhando tais temáticas por uma ótica inversa na contínua contração da protagonista.

O ato final do livro parece tentar puxar algo épico para o desfecho da obra, e de certa forma, dentro dos limites do subgênero, a narrativa faz isso eficientemente ao retornar com a mitologia como meio de compor suspense na aventura em busca de um “objeto” – para não dar spoilers – e parar o antagonista principal, que, também de maneira inesperada, consegue ser interessante na caracterização maquiavélica. A pura fantasia aventureira entra em ação e Bardugo tem êxito nos momentos de grande escopo e no clímax, melhorando o quadro geral do livro. O problema é que a experiência já foi perdida, e Bardugo, sem motivo plausível, restringe seu interessante universo político, mitológico e mágico para oferecer uma dramaturgia sem substância em uma das mais estranhas fantasias que já li, tendo a aparência e a busca por opinião alheia como ponto central da obra.

Sombra e Ossos (Shadow and Bone) — EUA, 2012
Autora: Leigh Bardugo
Editora original: Fierce Reads
Edição lida para esta crítica: Gutenberg (2013)
Tradução: Eric Novello
288 páginas

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