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Crítica | Sophie Jones (2020)

por Michel Gutwilen
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Semana passada eu comentava com o colega de site Luiz Santiago, após ter visto aproximadamente o 10º coming-of-age lançado em 2020, no meio das tantas coberturas de festivais e lançamentos, que eu estava um pouco saturado deste subgênero. O pior é que a maioria dos filmes vistos são minimamente bons (alguns ótimos), mas o fator “repetição” cansa.  Parece que estamos sempre vendo a mesma história e o mesmo modo de filmar em looping (todas as cenas de festas são iguais!), com cada diretor(a) imprimindo minimamente sua visão pessoal, o suficiente para revestir com pessoalidade tais narrativas universais. Mas a conclusão que cheguei é que talvez até os personalismos tenham mais paralelismos do que imaginam. Porém, eis que surge Sophie Jones

Sendo bem honesto, talvez não tenha nada de muito revolucionário neste filme comparativamente aos outros que vi esse ano, seja tematicamente (adolescente lidando com luto, descoberta sexual, medo de socialização etc.) ou formalmente (câmera livre). No meio da correria da cobertura do Festival de Mar del Plata, ainda não sei dizer muito bem o que me fez gostar tanto de Sophie Jones, mas há algo de especial nesta obra que eu queria pensar com mais calma. Alguns pontos certamente estão claros. Um deles é a afinidade da incrível Jessica Barr (ainda que estreante) diante da câmera, uma atração quase que magnética mesmo, daquele tipo de naturalismo que faz com que se esqueça que se trata de uma atuação por trás. Algo que explique essa intimidade da atriz talvez seja o próprio fato dela co-escrever o roteiro com sua prima e a diretora do filme, Jessie Barr.  Ao mesmo tempo, nenhum (bom) filme sobrevive só de uma espetacular atuação de uma protagonista. Existe um modo muito fascinante na organização da narrativa feita pela direção. Há uma uma montagem sutilmente caótica que se complementa ao realismo da mise-en-scène e é o suficiente para fazer o filme habitar uma tênue linha entre uma estética documental e o ponto de vista psicológico da protagonista.

São pequenas intervenções autorais da diretora Jessie Barr, que se camuflam no meio do realismo, mas que fazem Sophie Jones especial na sua mise-en-scène. Um deles é quando a protagonista está com Kevin no quarto e ele está cantando enquanto toca violão. Repentinamente, a montagem salta no tempo, mostra momentos deles dois já na cama, trocando carícias e sem roupas, mas a voz dele cantando no passado continua em off, uma intrusa no tempo presente. Porém, quando achamos que houve uma elipse temporal e o filme avançou no tempo, o plano dos dois na cama some e o seguinte volta para o passado, com ele no violão e ela escutando. Trata-se de uma liberdade poética que é sutil o suficiente para não quebrar a tal estética realista mas levar um pitada de onirismo que corresponde ao estado mental confuso de Sophie. Ou seja, ela está ansiosa, quer avançar no tempo e pular as “preliminares” do flerte para ir direto para a transa e, apesar do filme conceder momentaneamente isso a ela, ele a traz de volta, praticamente uma declaração da diretora reforçando que ela deve aproveitar a parte romântica do encontro, para que não pule etapas.

Igualmente, basta reparar na decupagem de cada cena para notar que não existe propriamente uma continuidade espaço-temporal, mas sempre pequenos lapsos e elipses (à la Acossado), quase que imperceptíveis dentro do realismo, mas que são fundamentais ao ritmo e tom da mise-en-scène. Visualmente, eles acompanham a impaciência e insegurança da protagonista, seu desconforto consigo mesma. A câmera nunca consegue ficar muito tempo no mesmo plano, quase como se ela precisasse se renovar, de um respiro. No fim, a protagonista Sophie Jones está de acordo com o modo como a direção de Barr organiza a decupagem de suas sequências: uma colcha de retalhos (planos) que está tentando esconder uma falsa organicidade, mas basta um olhar mais atento para reparar as diversas rupturas e feridas nela. Ainda que não esteja tudo em ordem, a busca por seguir em frente é uma força centrípeta que constantemente tira a protagonista de sua trajetória, que faz com que ela fuja de seus problemas, que obrigue o plano a dar um salto para frente no tempo.

Sophie Jones (2020) — EUA
Direção: Jessie Barr
Roteiro: Jessie Barr, Jessica Barr
Elenco: Jessica Barr, Skyler Verity, Claire Manning, Charlie Jackson, Dave Roberts, Tristan Decker, Sam Kamerman, Elle Layne
Duração: 85 mins.

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