Home TVEpisódioCrítica | South Park – 27X02: Fechando o Rombo

Crítica | South Park – 27X02: Fechando o Rombo

Vamos debater uma?

por Ritter Fan
5,7K views

  • spoilers.

Apesar de não ser exatamente algo sem precedentes, quando o segundo episódio da 27ª temporada de South Park não foi ao ar na data originalmente programada, achei que minha profecia sombria no final da crítica anterior de que o programa poderia ser cancelado tinha se realizado. Meu segundo pensamento era que a Skydance, que acabou de comprar a Paramount, tinha exigido que Trey Parker e Matt Stone suavizassem o novo capítulo, algo perfeitamente possível dado o curtíssimo tempo de produção necessário para colocar um deles na lata. Mas, para o meu alívio – e, tenho certeza, o de muita gente – Fechando o Rombo finalmente foi transmitido com uma semana de atraso e, aparentemente, sem nenhum tipo de intervenção “superior”, já que, se alguma coisa, o capítulo é ainda mais escaldante do que O Sermão da Montanha.

A única coisa que a nova temporada de South Park continua não conseguindo ser é mais louca que a realidade. Afinal, dias antes de o episódio ir ao ar, o ator Dean Cain, que viveu o Superman na celebrada série noventista Lois & Clark, anunciou que ele iria alistar-se no I.C.E., o serviço de imigração e fronteira que tem sido usado por Donald Trump como um instrumento de terror. É piada pronta da melhor qualidade se não fosse um fato assustador que faz as troças de Trey Parker parecerem brincadeiras de criança, mesmo que Krypto dê as caras no episódio, vale lembrar. Ou seja, South Park, que antes corria à frente dos acontecimentos e dizimava tudo com inteligência e total falta de freios, agora precisa correr atrás do prejuízo que o mundo real tem nos trazido semanalmente.

No entanto, fazendo o enorme esforço mental de me blindar ao que está acontecendo de verdade para apreciar Fechando o Rombo, é inegável que Parker acertou em cheio novamente em um episódio que joga uma rede ainda mais ampla do que a anterior e que não economiza no derramamento de quantidade generosa de ácido fluorantimônico em cima do I.C.E. e seu recrutamento de mondrongos que se acham no direito de aprisionar imigrantes legais e ilegais na base do “porque sim”, na parva Kristi Noem, a Secretária de Segurança Interna dos EUA que não parece ter capacidade sequer de colocar um triângulo dentro de um triângulo, em “influenciadores digitais” (se “você” é influenciado por qualquer um deles, também merece as aspas, talvez mais ainda) radicais que só falam estupidezes e perversidades para gerar cliques (não que os cretinos não acreditem no que falam, vejam bem), além de, claro, no exemplo máximo de que a democracia nem sempre acerta, o alaranjado líder do culto MAGA.

Os estopins narrativos são, de um lado, a demissão do Sr. Mackey que não vê outra saída para pagar suas dívidas a não ser fazer como o Sr. Cain. permitindo, então, que Kristi Noem, a matadora de cachorros cujo rosto botocado derrete toda hora exigindo uma equipe de retocadores, ganhe os holofotes, com direito a incursões em um show da Dora, a Aventureira e até no Paraíso atrás de “gente parda” e a transformação de Clyde Donovan em um YouTuber extremista religioso, misógino, racista e antissemita que deixa Eric Cartman enfurecido por ele se sentir usurpado em suas funções, linha narrativa que continua a que vemos no episódio anterior em que ele perde a vontade de viver por todos ao seu redor se radicalizarem. Entre piadas de 5ª série como o duplo sentido do título em inglês, masterdebating, ou “debatendo uma”, como foi espertamente traduzido por aqui, o prêmio Charlie Kirk para influenciadores extremistas, a transformação de Mar-a-Lago em uma versão extremamente pedófila da Ilha da Fantasia com Dora como massagista de velho branco, Trump como o Sr. Rourke (não ironicamente vivido, em sua versão original, por um ator mexicano) e Vance hilário como Tatu, além de Satã claramente consternado e basicamente em prisão domiciliar na Casa Branca de Inverno, com a sugestão de um ménage-a-quatre entre o presidente, o vice, Satã e o Sr. Mackey, o episódio inteiro é uma sucessão muito bem construída de momentos feitos para destruir o status quo dos EUA de agora que, pela variedade e violência, consegue ser não só uma continuação ainda mais raivosa do que o ferino episódio de início de temporada, como também mais engraçado se, como eu já disse, conseguirmos esquecer por um momento que tudo, até o massacre de cachorros por Noem, é baseado na realidade nua e crua, nos fazendo acreditar que ela, se pudesse, realmente aprisionaria anjos pardos no Paraíso.

Curiosamente, o maior problema do episódio – diria ainda mais evidente aqui do que no anterior – é com os personagens de South Park, pois eles, mesmo que utilizados como gatilhos narrativos, perdem quase que totalmente a relevância diante do foco inclemente de Parker nas figuras públicas inacreditáveis e absurdas que comandam o país mais poderoso do mundo. Cartman tornou-se um personagem leve e tranquilo, quase gente boa, a ponto de ele próprio reconhecer isso e o Sr. Mackey torna-se sem graça diante do próprio Superman trocando o S de esperança pelo I.C.E. de frieza diante da Humanidade. Como dizem por aí, espero que, um dia, Orwell (e South Park, claro) torne-se ficção novamente, mas, por enquanto, já fico feliz que a série continua firme e forte…

South Park – 27X02: Fechando o Rombo (South Park – 27X02: Got a Nut – EUA, 06 de agosto de 2025)
Direção: Trey Parker
Roteiro: Trey Parker
Elenco (vozes originais): Trey Parker, Matt Stone, April Stewart
Duração: 22 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais