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Crítica | South Park – 27X04: O Wok Já Era

Cuidado com os Labubus!!!

por Ritter Fan
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  • spoilers.

“Objetos de desejo” é um eufemismo muito usado para a criação de produtos cirurgicamente imaginados para serem consumidos com voracidade em quantidades boçais. Pode ser um caríssimo smartphone, uma prosaica barra de chocolate ou, como é o caso de O Wok Já Era, peças de coleção, mas não peças verdadeiramente sofisticadas para colecionadores com discernimento e, claro, dinheiro, e sim produtos vagabundos marketeados como a Oitava Maravilha do Mundo, algo que precisa ser comprado porque é raro, porque faz parte de um conjunto, porque todo mundo tem, porque sem ele é impossível viver e assim por diante. Mais especificamente, o novo episódio de South Park usa os tenebrosos – assustadores mesmo – Labubus como foco de sua crítica ao consumismo vazio e idiotizante. O que são os Labubus, ora, um monstrinho feio demais que é normalmente utilizado como acessório em bolsas femininas, ficando pendurado como se fosse um enorme verruga colorida.

São os Labubus os alvos de uma briga entre duas meninas na escola de South Park que Cartman logo detecta e chama seus colegas para assistir e que as leva diante da presença de Jesus, agora psicopedagogo, que fica estupefato primeiro sequer sem saber o que são essas pelúcias dentuças e, depois, sem saber o que fazer diante do que brigar por elas representa. E é um Labubu o objeto de desejo de Red, menina prestes a fazer aniversário, que interesseiramente convida Butters para sua festa pedindo de presente um Labubu raro específico, sendo que esses Labubus são vendidos em blind boxes, ou caixas fechadas, em que ninguém pode saber o conteúdo, fazendo com que mais dinheiro seja jogado no lixo em compulsões gastadoras. Mal sabe o coitado do Butters, porém, que Labubus raros são usados em cerimônias satânicas, muitas delas transmitidas em redes sociais, e é exatamente isso que ele acaba testemunhando, com a invocação demoníaca de ninguém menos do que…  o indefectível Líder Laranja do “Mundo Livre”, o que, então, finalmente cria a ponte entre uma crítica desconectada do que vinha sendo o foco exclusivo da temporada até agora com a realidade mais estranha que a ficção que Trey Parker corre atrás para tentar ecoar em sua animação.

Mas a crítica a Trump vem de outra maneira também, já que, pelo visto, nada nessa temporada será usado sem que haja um elemento “trumpeiro” por trás, no que Trey Parker está mais do que certo, vale salientar. Os Labubus servem de plataforma para o roteiro abordar as imposições tarifárias de Donald Trump, que, por sua vez, são usadas pelo Sr. Tuong Lu Kim, dono do City Wok (pronunciado por ele como Shitty Wok) convertido em loja de porcarias orientais para consumo inveterado, não só para deixar bem claro quem paga essas tarifas, como, também, para explorar sem dó aqueles que desejam comprar imbecilidades como os Labubus. O encaixe é certeiro e providencial, com Butters perdido nesse processo e a esposa do Sr. Lu Kim aparecendo para criticar o marido em sua língua natal e toda vez sendo afastada por ele. A circularidade do roteiro é excelente, pois tudo obrigatoriamente passa pelo (des)governo dos EUA, mantendo a figura de Trump sempre como alvo absoluto da fúria criativa de Trey Parker.

Há também, claro, a abordagem que deixa a cidadezinha de South Park e seus habitantes totalmente de lado, que é a insistência da Fox News em tentar descobrir qual é a verdadeira natureza da relação entre Trump e Satã, o segundo não mais do que uma vítima aqui, incapaz de desvencilhar-se dos grilhões que o prendem à Casa Branca, algo que fica ainda mais evidente pelo fato de Melania ter se mudado de vez para Nova York. Mas, claro, na medida em que a isenta e perfeitamente equilibrada rede jornalística se aproxima da verdade, percebemos que não há nenhum horror na constatação da existência desse pacto sexual com o Coisa Ruim (e, só para ficar claro, o Trump é o Coisa Ruim e não Satã) e sim jubilação, pura e simples felicidade pelo grande líder ter esse relacionamento construtivo e rico, o que, obviamente, está em perfeita linha com a absurdidade do mundo supostamente moderno em que vivemos.

Por outro lado, mesmo com esse afastamento dos personagens centrais nessa linha narrativo, este é o primeiro episódio da temporada que encontra um bom equilíbrio entre o uso dos personagens tradicionais da série – ok, Cartman e seus três amigos quase não aparecem, mas Butters os substitui – e a abordagem explícita e inclemente de Trump na Casa Branca. Gosto muito que o capítulo essencialmente gire em torno de Butters, com Trump e seu pacto demoníaco ficando em segundo plano, abrindo um bom espaço para o cotidiano na escola, mesmo que afetado indiretamente pelos impostos canetados semanalmente pelo descontrolado presidente cuja realidade, como sempre digo, está muito à frente da ficção. Por outro lado, taxar “objetos de desejo” como os Labubus não me parece ser algo especialmente ruim…

South Park – 27X04: O Wok Já Era (South Park – 27X04: Wok is Dead – EUA, 03 de setembro de 2025)
Direção: Trey Parker
Roteiro: Trey Parker
Elenco (vozes originais): Trey Parker, Matt Stone, April Stewart
Duração: 22 min.

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