- Há spoilers.
South Park já estava soltando episódios na base de uma semana sim, outra não, mas, de O Wok Já Era para cá, Trey Parker anunciou que o quinto episódio demoraria uma semana a mais. E, nessas três semanas, muita coisa aconteceu no mundo real, com o assassinato de Charlie Kirk, Trump e sua laia fazendo de tudo para criar uma enorme conspiração “de esquerda” e o FCC exercendo toda a pressão possível para abafar a liberdade de expressão, o que levou à suspensão do programa de Jimmy Kimmel. Mais uma vez, portanto, a produção da série precisou correr atrás do prejuízo para no mínimo manter-se tão atual quanto a série sempre foi, algo que, nos dias atuais, é uma tarefa quase impossível.
Como o cancelamento de Stephen Colbert já havia sido alvo de O Sermão da Montanha e Charlie Kirk de Fechando o Rombo, Parker seguiu por um caminho diferente e mais indireto para lidar com essa situação, mirando em Brendan Carr, diretor do FCC, o equivalente americano da ANATEL, um dos vários paus mandados do governo de Trump, governo esse que, apesar de se proclamar “de direita”, usa, abusa e manipula a máquina do estado como Stalin. Em palavras um pouco mais diretas, ainda que Carr mereça mesmo ser zoado até não poder mais e ter sua “liberdade de expressão” tolhida por cair em todas as armadilhas que o Presidente Laranja arma para Satã perder o ass baby que espera de seu relacionamento, o que Parker fez mesmo foi… fugir do assunto. E isso me cheira à pressão da Skydance, que acabou de comprar a Paramount (e que quer comprar a Warner), mesmo que Parker e seu colega Matt Stone tenham afirmado que não é nada disso.
Apesar de seus momentos cômicos, essa linha narrativa do bebê de Satã me parece fraca, diluída e repetida vezes demais só para permitir que Carr estragasse os planos de Trump depois que ele é influenciado não muito discretamente (não que Trump fosse perceber, lógico) por seu vice-presidente Tatu, ops, J.D. Vance e permitir a menção à perda da liberdade de expressão ao final. Foi tangente demais que Parker pegou para passar ao largo do problema maior e evitar polêmica (afinal, o episódio em que Kirk é zoado foi considerado pelo exército de doentes como uma das causas do assassinato, sendo que o próprio Kirk havia declarado ter adorado o que foi feito), algo que não é do feitio dele sem se curvar à exigências vindas de cima como eu desconfio que vieram. Mas, claro, espero fortemente estar enganado.
No lado mais tradicionalmente South Park, a construção das críticas foi bem superior, ainda que não potente o suficiente. Tudo começa com Cartman falando bem dos aplicativos de apostas (eu não tinha ideia que o nome “oficial” deles era “aplicativos de previsão de mercado”, um eufemismo hilário se não fosse trágico) e dizendo que as pessoas podem apostar em absolutamente qualquer coisa, inclusive nas chances de a mãe de Kyle bombardear um hospital palestino em Gaza. Isso é suficiente para deixar Kyle enlouquecido, gerando um efeito dominó amplificado por Cartman, obviamente, que leva Sheila Broflovski até Israel para peitar Benjamin Netanyahu. Gostei de como o roteiro separa os judeus do estado de Israel e, claro, ver Sheila dando uma bronca no primeiro-ministro de Israel foi gratificante, mas, apesar da seriedade do assunto, tudo o que eu consegui ver foi Parker escolhendo um “alvo mais fácil” do que o assassinato de Kirk e as reações de seus mandantes e seguidores. Sim, estamos em um mundo em que criticar o assassinato em massa de civis inocentes da Palestina é menos gravoso do que falar da morte de um influenciador de direita.
Talvez eu esteja cobrando muito de Trey Parker, mas, por outro lado, South Park é uma das melhores armas audiovisuais para situações extremas e Conflito de Interesses me pareceu uma perda de oportunidade, um episódio criado com cabresto, com o freio de mão puxado, temendo acelerar demais e ter o mesmo fim de Kimmel, só que em definitivo. Afinal, não é necessário pegar toxoplasmose depois de ser soterrado em fezes de gato para perder a liberdade de expressão mesmo nos países em que esse direito supostamente é sagrado…
South Park – 27X05: Conflito de Interesses (South Park – 27X05: Conflict of Interest – EUA, 24 de setembro de 2025)
Direção: Trey Parker
Roteiro: Trey Parker
Elenco (vozes originais): Trey Parker, Matt Stone, April Stewart
Duração: 22 min.
