- Há spoilers.
O calendário esquizofrênico de exibição de South Park continua firme e forte, com o adiamento do segundo episódio da 28ª temporada (ou o sétimo da 27ª, podem escolher) para o dia 31 de outubro, Halloween, em razão do tema fantasmagórico que Trey Parker criou. É um adiamento perfeitamente justificável, claro, mas chega a ser hilário que nenhum episódio de 2025 a não ser o primeiro tenha ido ao ar quando deveria ter ido ao ar… Seja como for, A Mulher do Chapéu é brilhante, facilmente o melhor até agora das duas temporadas do anos e, diria, um dos melhores em muito anos, talvez desde a pandemia (ou da gripezinha, como diriam alguns).
Como tem sido o padrão dessa fase que diretamente aponta sua mira para o (des)governo de Donald Trump, o episódio é dividido em duas histórias, uma focada nas crianças de South Park e outra na Casa Branca, mas, aqui, diferente das outras vezes, as duas narrativas paralelas com uma leve convergência ao final funcionam perfeitamente bem. Na primeira delas, a família Marsh, agora sem a Fazenda Tegridade, mora em um hotel de estrada, com Stan sofrendo por isso, sofrimento esse que é ampliado quando eles precisam morar com o avô de Stan no Asilo Comunitário Lugar Sombrio. Isso leva o jovem, ao lado de Kyle e Kenny, a fundar o movimento online #SouthParkTáumaBosta, para reclamar do quão politizado South Park se tornou, com as pessoas esquecendo o que é importante, em uma jogada metalinguística de gênio para esbofetear os reclamões de plantão que choram rios de lágrimas sobre “a necessidade de se colocar política em tudo”.
Mas o que Stan realmente quer é ganhar dinheiro para sair do asilo e, com sua visibilidade online instantânea, ele faz o que todo o jovem responsável faria: convence os outros a comprar a criptomoeda que ele cria. O que era algo genuíno imediatamente se torna um esquema de fraude para pegar desavisados, algo que, muito além de criticar as criptomoedas, que basicamente são contos de fada com finais sombrios, fala do que as redes sociais se tornaram, ou seja, ferramentas para espalhar mentiras, enganar os outros e fazer dinheiro rápido com nenhum esforço. Estou pegando pesado? Não mesmo. Parem um pouco, olhem ao redor e tentem perceber o que vem acontecendo já há algum tempo, com a chamada “monetização” de cliques, as febres efêmeras e as estratégias para criar ansiedade e vender paliativos caros que ninguém realmente precisa. Se reclamávamos do consumismo desenfreado na década de 80 e 90, não tínhamos ideia o que estava nos esperando em seguida e Trey Parker deixa isso muito claro aqui para quem quiser tirar o véu em frente aos olhos e realmente ver.
No lado da Casa Branca, um espírito maligno – a “Mulher de Chapéu” do título – parece rondar a sede do governo dos EUA como vingança pela demolição da Ala Leste do prédio histórico para a construção de um salão de festas com colunas folheadas a ouro, algo que seria uma boa piada há 15 anos, mas que, hoje, tornou-se uma história real bizarra e inacreditável. Usando o puxa-saquismo extremo de Pam Bondi, a procuradora geral dos Estados Unidos (algo que é igualmente inacreditável, mas totalmente real), com seu nariz constantemente cheio de bosta (em inglês, puxa-saco é brown nose, ou “nariz marrom”, expressão que significa justamente ter o nariz sujo de bosta por ele estar enfiado no ânus de alguém), como instrumento visual para o vice-presidente temer um golpe para derrubá-lo por parte da loira, eventualmente revelando seu plano de “abordar” o bebê anal de Satã, Parker transforma a Casa Branca em uma Casa Mal-Assombrada, com direito até mesmo a uma sessão espírita com todos os membros mais próximos do governo Trump que já apareceram na série, além de, claro, a prisão de toda e qualquer pessoa que fale alguma coisa que o governo, por qualquer razão, não goste, como forma de evadir-se de qualquer tipo de culpabilidade, no caso sobre a “ingestão de sêmen” pelo presidente descoberta por caça fantasmas e a fraude das criptomoedas de Kyle Schwartz.
A Mulher do Chapéu é mais um daqueles episódios da série que encapsula perfeitamente, como em uma fotografia, um momento social, político e econômico bem específico, quase que literalmente jogando bosta no ventilador para ver se nós, do lado de cá, acordamos para a realidade que nos cerca. Mas, claro, não acordaremos coisísssima nenhuma e continuaremos a viver escolhendo a ignorância como válvula de escape, achando que redes sociais são bacanas, que criptomoeda é um bom investimento e que construir um salão de festas gigantesco na Casa Branca não é cortina de fumaça para os atos nefastos de um governo que, se formos notar, até sumiram um pouco da televisão, agora que a “moda” parece ter passado. Stan é que está certo!
South Park – 28X02: A Mulher de Chapéu (South Park – 28X02: The Woman in the Hat – EUA, 31 de outubro de 2025)
Direção: Trey Parker
Roteiro: Trey Parker
Elenco (vozes originais): Trey Parker, Matt Stone, April Stewart
Duração: 22 min.
