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Crítica | South Park: Guerras do Streaming

Falando do meio-ambiente para falar de streaming.

por Ritter Fan
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Poucas séries de TV conseguem lidar constantemente com tanta coisa usando abordagens inusitadas como South Park e isso mesmo considerando que estamos falando de um programa que está no ar quase ininterruptamente desde 1997. É bem verdade que Trey Parker e Matt Stone nem sempre acertam em cheio, como foram o caso dos telefilmes Pós-Covid e Pós-Covid: A Volta da Covid, os dois primeiros da encomenda de 14 com exclusividade para o Paramount+, mas, em linhas gerais, o fôlego deles parece ser infinito, assim como a relevância do que eles criam, bastando, para isso, reparar na recente e encurtada 25ª temporada da série.

Guerras do Streaming é o terceiro telefilme do milionário pacote mencionado e eu não sei – e nem me importo – se tecnicamente ele deve ser contado dentro ou fora das temporadas, ainda que, em termos de continuidade, ele siga a narrativa do final do mais recente ano. Seja como for, a prova da abordagem inusitada da dupla é evidente aqui, já que o título parece levar a uma conclusão, mas a execução leva a outra que, porém, converge para o mesmo ponto de partida. Em outras palavras, achamos que o objeto principal do telefilme é a Guerra do Streaming, ou seja, o surgimento frustrante e irritante de uma penca de serviços concorrentes de conteúdo audiovisual, mas, na verdade, o roteiro lida com os serviços de fornecimento de água para o estado do Colorado, usando o clássico Chinatown, de Roman Polanski, como inspiração e pano de fundo, com abordagem ambientalista, sem esquecer de satirizar “Karens” e cirurgias de mudança de sexo em crianças, em uma abordagem que, claro, retorna ao título e, sim, crítica severamente os infinitos serviços de streaming, um deles, ironicamente, lar do próprio telefilme.

Mas, como é costumeiro, o jogo de palavras é importante, pelo que vamos a ele: stream, em inglês, significa, originalmente, riacho, córrego ou curso d’água. Por extensão, a palavra também significa fluxo, algo que foi capturado pelo jargão técnico muito anterior ao serviços de streaming pra significar transmissão, o que, então, justifica e explica o nome dos serviços oferecidos pelo Netflix e (vários) outros. No telefilme, o roteiro de Parker volta à origem e lida com o literal fornecimento de água para Denver que é ameaçado pelo uso extensivo dela nas montanhas do estado perto de South Park e pela presença disruptiva do mítico Homem-Urso-Porco. O resultado disso é a chegada de um sinistro Inspetor de Águas que, no lugar de criar problemas para as fazendas de maconha concorrentes de Randy Marsh, agora chamado de Karen Marsh sem ele entender o porquê, e de Steve Black, sugere que eles poderiam vender a água para a cidade grande, só precisando comprovar que ela chega no reservatório de lá.

Steve, claro, adota a ideia imediatamente, empregando seu filho Tolkien, além de Stan, para eles construírem barquinhos de palito de picolé (que precisam ser chupados antes, vale dizer) de maneira que eles sejam colocados diariamente no córrego que passa pela fazenda de maneira que eles possam fisicamente chegar ao reservatório. O que segue daí, claro, são as Guerras de Streaming, já que esses serviços de fornecimento de água passam a se multiplicar como coelhos, com as terras ao redor dos riachos sendo vendidas por corretores que literalmente morrem de tanto trabalho em tão pouco tempo.

A engenhosidade e originalidade da narrativa de Trey Parker é realmente impressionante e admirável. Não é nem o caso de dizer que o telefilme é daqueles que fazem o espectador morrer de rir, pois não seria verdade, mas sim que tudo funciona tão bem, tão organicamente para então replicar no mundo fluvial as questões que giram ao redor dos serviços de streaming e a produção febril de conteúdo para eles, que o fazer rir é substituído pelo fazer os olhos se arregalarem pelo brilhantismo da coisa toda e pelo quanto o roteiro acerta em cheio em tudo que critica, tendo, ao mesmo tempo, a mais clara compreensão da ironia de tudo, já que a minha própria crítica é resultado da conferência da obra em um dos vários serviços de streaming que assino. E, claro, há risos, talvez até gargalhadas, apenas não na quantidade que talvez se espere.

Como linha narrativa subsidiária, mas não menos interessante, temos o “pobre e infeliz” Cartman, agora vivendo no quiosque de cachorro-quente, tendo uma ideia brilhante com base na chegada de um ricaço que compra as terras em frente e começa a construir uma mansão para também se beneficiar das guerras do streaming: convencê-la de fazer implante de silicone nos seios de maneira a encantar o milionário para que eles, então, possam viver no casarão. Em outras palavras, como se fosse a coisa mais normal do mundo, Cartman decide que, para sair de sua “pobreza”, ele precisa literalmente vender uma versão “turbinada” da mãe. A diferença é que, agora, – e pela primeira vez na história de South Park – Liane diz “não” ao filho, “não” esse que ela mantém até o fim, levando o teimoso menino a tomar hilárias medidas radicais, o que acaba casando com a história das demais crianças ganhando dinheiro para construir os barquinhos.

Depois de dois telefilmes relativamente decepcionantes, Trey Parker acerta o tom e a forma dessas obras que nada mais são do que episódios alongados, inclusive abrindo espaço para continuação como ele fez nos dois sobre a Covid. Agora é torcer para que ele e sua equipe continuem nessa toada vencedora, mesmo que isso tecnicamente nos transforme em vítimas das guerras do streaming

South Park: Guerras do Streaming (South Park: Streaming Wars – EUA, 1º de junho de 2022)
Direção: Trey Parker
Roteiro: Trey Parker
Elenco: Trey Parker, Matt Stone, April Stewart, Kimberly Brooks, Adrien Beard, Vernon Chatman
Duração: 48 min.

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