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Crítica | Space Jam: Um Novo Legado

por Iann Jeliel
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Space Jam: Um Novo Legado

Nostalgia. Referências. Universo compartilhado. A continuação do clássico “marromeno”, mas icônico, Space Jam: Um Jogo do Século – o qual eu adorava na infância – usa alguns desses adjetivos em alta no cenário blockbuster atual do audiovisual para fazer uma descarada propaganda da Warner, a fim de promover suas marcas disponíveis no catálogo do HBO MAX. Até aí, “tudo bem”, porque de certo modo, tanto o anterior como o outro filme mesclado entre desenho animado e live-action com a querida turma do Pernalonga (Jeff Bergman), Looney Tooney: De Volta a Ação, utilizava a mescla de realidades para se promover também, mas isso não vinha à frente da carismática aventurinha. Space Jam: Um Novo Legado não possui esse divertimento ingênuo, já que não há um pingo de sutileza ou inocência nas suas verdadeiras intenções.

Diferentemente de Jogador Número 1, a montanha de easter eggs não faz parte verdadeiramente de uma concepção de um universo integrado à história. Claramente, o “warnerverso” daquele mundo cibernético não precisava existir para a história andar, tanto que ele não é uma modernização do que existia no anterior, coincidentemente ignorado para este ser sobreposto. Há quem diga que a transformação tecnológica é justificável para ficar mais verossímil para as crianças, hoje tão ligadas ao meio digital que seria “tosco” demais ver desenhos animados vivendo em subsolo paralelamente com a realidade, mas o filme não pensa nessa reorganização da lógica para o crossover com o objetivo de estabelecer uma comunicação com a nova geração, sendo no máximo uma desculpa para aumentar o leque de referências a serem usadas.

Por sua vez, essas “referências” nem são enxergadas ao pé da letra, ou seja, sendo pequenas menções, homenagens, citações colocadas no decorrer da história, pois são tão escancaradas e esfregadas em nossa cara que não temos nem a oportunidade de nos divertir as pescando, quem dirá aproveitar a aventura além da punheta “nostálgica” – e nem nostálgica é, já que a maioria das referências são de franquias recentes. É muita covardia colocar até um mote “dramático” animado no filme só para fornecer esse passeio no parque de diversões da Warner.

Vejam bem, no primeiro, fazia total sentido, dadas as limitações do elenco de não atores – Michael Jordan e família –, que os Looney Tooneys chamassem o jogador de basquete para ajudar numa problemática deles, que corriam risco de serem escravizados pelos alienígenas. Aqui é o núcleo de Lebron o condutor da trama. É ele que tem que ir atrás do time de desenhos e recorrer para “salvar” o seu filho das mãos do novo vilão (Don Cheadle). Só que, quando chega na atração deles, além de chegar em formato de desenho, retirando a essência que visava o clássico, que é promover a interação de cartoon e carne e osso, ele só encontra Pernalonga, abandonado pelos demais Tooneys – e é a esse mote “dramático” que me refiro, coitadinho do velhinho solitário… – porque sim, ou melhor, para que ele e Lebron tenham que sair explorando os outros mundos e encontrá-los.

Desse modo, oportunamente o filme os coloca para interagir com a Liga da Justiça, os dragões de Game of Thrones, os bruxos de Harry Potter, os hackers de Matrix e até mesmo com a ambientação de Casablanca – tem que vender os clássicos também, né? –, algo que não faz o menor sentido para o objetivo de Lebron na história, que é encontrar o melhor time de basquete possível para vencer o jogo em que foi desafiado. Não era mais fácil ele ter juntado Neo, King Kong, Superman e o Rei da Noite para montar o “dream team” imbatível? Ou que fossem pelo menos eles os adversários, no caso, extraíssem dessas infinitas referências, ao invés de oponentes originais totalmente genéricos.

E o filme ainda quer vender como se estivesse faltando opção, logo para Lebron, colocado como nerd suficiente para conhecer todo o catálogo apresentado a ele e se impressionar ao estar interagindo com eles, mas decide não chamar ninguém para o time, nem que fosse negado, mas valia a tentativa, ao mesmo tempo em que é posto como o pai retrógrado que não enxerga que o filho (Cedric Joe) dele só quer ser um nerdzinho em paz, jogar o joguinho que ele criou sendo ele mesmo, ao invés de ter que sustentar e carregar a obrigação de seguir o legado de superstar do basquete que é seu pai.

Até acho bacana a ideia – que não existe na prática no filme – de fazer uma dramática com a dificuldade genuína que é ser filho de alguém totalmente diferente em uma coisa e viver à sombra dele com a cobrança de ser pelo menos parecido, especialmente levando para o discurso do basquete que o próprio Jordan idealizava, da obsessão pelo trabalho, dedicação e vitória. Também acho Lebron bem melhor que Jordan na atuação, e o fato de ele ser o único não ator do elenco da vez, já que o resto de sua família é composta por um casting de um calibre razoável, ajuda a tornar o lenga-lenga da história minimamente assistível, mas não dava para fazer muito com o péssimo texto vindo da mão de seis roteiristas, possivelmente escravos de executivos engravatados.

O diretor Malcolm D. Lee é outro que se encaixa nesse rótulo, tendo em vista que o principal filme de sua filmografia é Todo Mundo em Pânico 5, não era de se esperar menos do que ausência completa de personalidade ou identidade na comédia. Space Jam: Um Novo Legado beira esse nível de paródia, completamente idiota na maneira como tenta usar o repertório de referências a fazer piadinhas que nem na quinta série são engraçadas – tirando a do Michael B. Jordan, nenhuma é realmente engraçada.

Contudo, o mais absurdo e insuportável elemento do filme é sua suposta autoconsciência. Se já não fosse cara de pau o suficiente colocar um vilão com o nome de Al-G Rhythm (ou Algoritmo), sendo que a base de entretenimento é tratar suas franquias como meros avatares a gerarem aumento nos números do algoritmo de streaming em guerra com outros no mercado, fica pior quando é levado para resolver o conflito de Lebron e o filho na maneira com que diferentes gerações lidam com o jogo, partindo da compreensão de que o esporte – como metalinguisticamente o cinema deve ser visto para os responsáveis dessa bomba – não passa de uma mera brincadeira.

O famoso discurso de “não leve a sério que se torna bom” não poderia ser uma autodefesa mais hipócrita. Se realmente fosse esse o interesse, a pirotecnia sem critério de uso de referências poderia facilmente criar um cenário favorável a zoar com o processo de higienização do anterior e o incômodo que isso leva as “crianças” xiitas de 30 anos, que assistiram ao primeiro filme com 5/6 anos babando para uma Lola (Zendaya) hiperssexualizada, cobrando sua aparição da mesma forma para babar novamente, sendo que não cabe mais e nem é discutido sobre o porquê não caberia, porque prefere-se ignorar esse passado e se esconder na bolha do não comprometimento.

O novo legado passado por este Space Jam é do cinema de referências vazias, sem significados ou propósitos, apenas como um artefato pop comercial, sendo a demonstração definitiva do que há de mais nocivo no cinema feito exclusivamente para cumprir o agrado mercadológico.

Space Jam: Um Novo Legado (Space Jam: A New Legacy | EUA, 2021)
Direção: Malcolm D. Lee
Roteiro: Juel Taylor, Tony Rettenmaier, Keenan Coogler, Terence Nance, Jesse Gordon, Celeste Ballard
Elenco: LeBron James, Don Cheadle, Cedric Joe, Khris Davis, Sonequa Martin-Green, Ceyair J Wright, Harper Leigh, Xosha Roquemore, Stephen Kankole, Jalyn Hall, Wood Harris, Jordan Thomas, Sue Bird, Anthony Davis, Draymond Green, Damian Lillard, Klay Thompson, Nneka Ogwumike, Diana Taurasi, Aja Wilson, Randy Mims, Gerald ‘Slink’ Johnson, Sarah Silverman, Steven Yeun, Ernie Johnson, Lil Rel Howery, Michael B. Jordan, Jeff Bergman, Zendaya, Gabriel Iglesias, Eric Bauza, Candi Milo, Bob Bergen, Fred Tatasciore, Rosario Dawson, Justin Roiland, Kimberly Brooks
Duração: 115 minutos

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