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Crítica | Spiderhead

Só se for cabeça de bagre mesmo...

por Ritter Fan
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Joseph Kosinki sempre foi um diretor que coloca a forma bem à frente da substância. Foi assim com Tron: O Legado, sua estreia na direção de longas e continua igual até os dias de hoje, mesmo com o megassucesso que amealhou com outra continuação mais do que tardia, desta vez de Top Gun, e, agora, com Spiderhead, filme de espaço confinado que tem o verniz lustroso de uma superprodução que ora se parece filme de prisão, ora de James Bond, mas que, na verdade, esconde um roteiro que parte de uma boa ideia, mas que não sabe realizá-la.

O espaço confinado em questão é um laboratório de drogas experimentais que faz as vezes de penitenciária para condenados que se voluntariam em trocar a vida sem conforto do cárcere por um lugar que daria inveja a muito hotel cinco estrelas, a começar pela localização em uma ilha paradisíaca e passando pelas instalações modernas e confortáveis, com direito a farta oferta de comida gourmet e entretenimento variado. O preço, claro, é cada detento cumprir sua pena sendo cobaia de novas drogas, todas elas referentes aos sentidos, sensações e emoções, como por exemplo uma que gera imediato pavor no paciente ou outra capaz de fazer duas pessoas se apaixonarem enlouquecidamente. No comando dessa prisão que sequer conta com guardas, temos Steve Abnesti (Chris Hemsworth) que parece ser a encarnação da felicidade e da doçura por fazer o que faz, mas que, claro, esconde um terrível segredo.

E esse segredo começa a ser descortinado por uma das cobaias, o prisioneiro Jeff (Miles Teller), com o catalisador disso sendo sua crescente relação com a prisioneira Lizzy (Jurnee Smollett) que o torna mais preocupado com ela e menos obediente às demandas – que exigem consentimento prévio, explícito e verbal – cada vez menos éticas de Abnesti, algo que Kosinski, para ninguém ter sequer uma sombra de dúvida, telegrafa usando Mark Verlaine (Mark Paguio), assistente de Abnesti, como uma espécie de emoji humano, ou seja, reagindo de maneira cada vez mais tensa, ansiosa e confrontadora na medida em que o buraco vai ficando mais embaixo. O grande problema do longa é que, quando as novidades acabam, ou seja, quando aquela primeira metade que nos apresenta ao ambiente, aos personagens e às variadas injeções de drogas variadas, além de evidenciar em detalhes o que acontecerá na segunda parte – porque se tem uma coisa que esse roteiro não tem é sutileza – Spiderhead começa a mergulhar como um avião descontrolado em direção à face montanhosa mais próxima.

No momento em que a ambientação de QG de supervilão e as drogas tornam-se lugar-comum, abrindo espaço então para o que poderiam ser críticas efetivas à ética da indústria farmacêutica, à comoditização do sistema prisional, à ambição desmedida e tudo mais, o roteiro se acanha e se acovarda e a história passa a ser um thriller de ação dolorosamente genérico, daqueles que fazem o espectador bocejar mais até do que consultar o celular. Fica a sensação de que os roteiristas Rhett Reese e Paul Wernick, que até têm filmes espertos em seu currículo como Deadpool e Zumbilândia (dentre algumas porcarias, vale lembrar…), resolveram tirar o pé do acelerador para não exigir demais do espectador, levando o longa a ser, ele mesmo, uma outra droga experimental que vem sendo cada vez mais utilizada na Indústria do Entretenimento: a Preguisyn, que leva a uma sensação de conforto e torpor, que não exige muito raciocínio, que coloca o espectador em um canto aconchegante para ele só sorrir e acenar enquanto perde alguns pontos de Q.I. no processo.

E, sem ter muito o que dizer, Kosinski parte para fazer o que faz de melhor, ou seja, ele trata de embelezar tudo com o elenco e com floreios de cenário e mise-en-scène, o que, aliás, só amplifica os efeitos da droga mencionada acima. No entanto, justiça seja feita, nem tudo se perde, pois Spiderhead mostra algo que já vinha sendo visto aqui e ali há algum tempo: Chris Hemsworth não é apenas uma bem torneada montanha de músculos. O ator parece ser capaz de encarar papeis mais exigentes e seu Steve Abnesti mostra isso em diversos momentos exatamente por ele não ser um personagem recortado em cartolina (ok, é um pouco, mas não tanto assim) e trafegar entre simpatia e psicopatia com uma facilidade muito grande. Quem sabe um dia não veremos o ator trabalhando em um filme cujo roteiro realmente abra essas portas dramatúrgicas para ele?

Spiderhead, claro, não é esse filme. Nem de longe. Para Hemsworth especificamente, diria que é até um passo a frente, mas o problema é que tudo ao seu redor tem uma beleza vazia que cansa e decepciona quem não estiver sob os efeitos pesados da Preguisyn, fazendo com que sua atuação murche e empalideça completamente, especialmente no caótico terço final em que nada realmente sustenta a lógica interna. Kosinski é outro que tem potencial para combinar substância à sua forma, mas ele, ao que tudo indica, não parece muito interessado nesse caminho não…

Spiderhead (EUA, 17 de junho de 2022)
Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick (baseado em conto de George Saunders)
Elenco: Miles Teller, Chris Hemsworth, Jurnee Smollett, Mark Paguio, Tess Haubrich, Angie Millikan, Stephen Tongun, Daniel Reader, Sam Delich, BeBe Bettencourt, Joey Vieira, Ron Smyck, Nathan Jones
Duração: 106 min.

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