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Crítica | Spirit: O Corcel Indomável

por Iann Jeliel
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Spirit

“Se o oeste foi conquistado ou perdido, cabe a você decidir.” Spirit

A associação lógica entre a liberdade do voo da águia e o surgimento do novo país independente fizeram com que a Bald Eagle fosse a escolha ideal para ser o brasão estadunidense. Spirit: O Corcel Indomável abre com uma belíssima tomada aérea de uma, sobrevoando um bando de cavalos selvagens ao som de Bryan Adams – em uma parceria espetacular com Hans Zimmer –, orquestrando imageticamente um espetáculo da natureza selvagem livre, que deveria permanecer assim. Liberdade, ora, é sobre isso que é o filme, a história de um “espírito” – Spirit – livre, que teve sua liberdade seccionada por colonizadores e precisa ser recuperada, com a ajuda de outros povos que acabaram sofrendo do mesmo e irônico processo que dizia ser de conquista pela liberdade, mas na prática se comportava como o completo oposto.

De modo genérico, a animação de Kelly AsburyLorna Cook é sobre a amizade de um cavalo e índio em busca mútua pela liberdade natural que escolheram para seu modo de vida, mas há muito mais pano de fundo nessa união, quando pensamos a maneira que o americano valoriza parcialmente sua história de liberdade, a qual, é formada por inúmeras resistências não devidamente valorizadas ou descaracterizadas de sua origem. Se tratando de uma animação predominantemente infantil do início dos anos 2000, é fantástico como Spirit lida com discursões bem complexas utilizando o domo do cavalo como metáfora aos debates de choques culturais que historicamente aconteceram em território americano, trazendo um recorte que não exatamente resolve alguma coisa daquele universo, mas adquiri o status de resistência universal a qual o brasão foi inicialmente pensado a representar.

Desde cenas em que os cavalos puxando objetos remetendo-se ao trabalho escravo, até as guerrilhas entre coloniais invadindo terras indígenas que fornece a perseguição principal a reger a aventura, existe sempre um forte subtexto histórico circundando a proposta de faroeste animado, direcionada também para um âmbito naturalista, onde as paisagens são quase um personagem para promover um discurso poderoso de preservação ecológica, no qual, obviamente, conversa com a cultura indígena dos nativos americanos, como também, é um parâmetro para preservar a estética realista almejada.  A animação aposta em não trazer animais falantes como sua concorrente Disney, além de trabalhar em seu design o máximo de veracidade possível nos movimentos dos bichos, contudo, sem deixar com que isso atrapalhe a liberdade lúdica do desenho. Pelo contrário, se a jornada do filme é em busca da liberdade, essa liberdade lúdica vai crescendo conforme a necessidade do aumento de escala da narrativa, que possui uma ação muito bem distribuída e cada vez mais empolgante conforme o decorrer da duração.

Não chega a ser tão grandiosa ou arriscada quanto O Príncipe do Egito nos parâmetros da Dreamworks, pois existe a narração em off do cavalo protagonista (voz de Matt Damon) para termos uma noção do que ele está sentido em momentos pontuais, além das canções posicionadas em momentos estratégicos apresentarem explicações bem diretas do que é narrado em imagem. No entanto, há uma dosagem perfeita desse didatismo a torná-lo uma ferramenta de simplificação eficiente ao emocional da narrativa puramente imagética, além de um equilíbrio da expressividade do facial do desenho com sua movimentação realista. A montagem torna Spirit: O Corcel Indomável um épico, mesmo com a pouca duração, porque valoriza sua proposta artística no máximo potencial da via dramática, com uma leveza sóbria na condução que também valoriza a comicidade, deixando a seriedade da história devidamente acessível a todos os públicos. É um casamento ideal entre maturidade com pureza. O desenvolvimento da amizade acaba sendo o ponto de interseção para que esses extremos se adequem com coesão. Conquista pela simplicidade, mas ganha seu poder numa representatividade maior, a qual a empresa foi cada vez mais assumindo em sua identidade a partir de Shrek.

Nesse aspecto, a animação acaba sendo um divisor de águas da Dreamworks, trazendo a ápice da criatividade artística que visava aproximar o estúdio dos demais grandes a qualquer custo, com o ápice do que ela veio a se tornar padronizada com suas histórias conduzidas por carismáticas de amizades entre “diferentes” que historicamente nunca tiveram tanta voz e podem hoje ser reconhecidos por ela, depois de muito esforço – como o próprio coronel, antagonista até genérico e simbólico do filme, reconhece depois daquele salto “impossível”, o clímax onde aparece a liberdade animada que mencionei. Bom saber depois de ter visto a última fez bem novo na infância, na memória como uma das minhas animações favoritas, que Spirit: O Corcel Indomável sobrevive e muito a uma mera nostalgia particular, e é realmente o símbolo perfeito, inesquecível e subestimado de um subestimado estúdio de animação.

Spirit: O Corcel Indomável (Spirit: Stallion of the Cimarron | EUA, 2002)
Direção: Kelly Asbury, Lorna Cook
Roteiro: John Fusco, Michael Lucker
Elenco: Matt Damon, James Cromwell, Daniel Studi, Chopper Bernet, Jeff LeBeau, John Rubano, Richard McGonagle, Matt Levin, Adam Paul, Robert Cait, Charles Napier
Duração: 83 minutos

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