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Crítica | Sra. Harris Vai a Paris

Recriando a Cinderela.

por Fernando JG
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Na Londres dos anos 1950, a sra. Harris, uma faxineira amada por todos, apaixona-se por um vestido Dior quando o vê no guarda-roupas de sua patroa. Obcecada pela peça de alta costura, esta senhora fará de tudo para ter uma assinatura de Christian Dior em sua casa, nem que precise juntar centavo por centavo. Quando consegue o montante em dinheiro, percebe imediatamente que a tarefa não será fácil e talvez o dinheiro seja apenas o mínimo do que ela deveria ter para obter a renomada peça, uma vez que adentrar no mundo de luxo mostra-se um constante obstáculo. No momento em que percebe que a alta sociedade a rejeita por completo na sua tentativa de obter um vestido desse calibre, sob medida, a sra. Harris embarca numa aventura guiada pelo desejo de realizar o seu grande sonho, mudando para sempre o curso da sua vida e da própria empresa que confecciona o vestido. A obra é adaptação da novela Mrs. Harris Goes to Paris, de Paul Gallico

O roteiro açucarado de Mrs. Harris Goes to Paris vale-se de um arquétipo conhecido: as histórias clássicas de princesas. Segue-se um mesmo padrão narrativo, que é ele: a apresentação da personagem pobre que tem algum sonho mas que, no meio do caminho, precisa superar algum revés para alcançá-lo. Como se não bastasse a vida bastante sofrida, algozes surgem no meio do caminho, representados especialmente por uma megera que faz de tudo para atrapalhar a escalada do personagem principal. Encontra-se, então, mergulhada num romance que irá lhe partir o coração a princípio, mas superará a desilusão para encontrar o amor ao final do enredo. A busca pelo sonho intensifica-se e, no caso do filme, o vestido é sonho. A busca parece impossível até que, num dia de baile, no take final, aparece a personagem trajada na haute couture dos sonhos, descendo a escadaria com a magia plena de uma princesa, entregando-se ao príncipe encantado e tudo termina num meloso “feliz para sempre”. 

O filme não oferece dificuldades na trama, tudo é bastante facilitado para criar uma estória que possa se conectar com o público, de modo que o enredo mostra-se bastante infantilizado na sua proposta narrativa, guardando uma previsibilidade própria desse gênero de storytelling. É uma fábula que tem uma lei moral muito clara: não desista de seus sonhos, por mais difíceis que pareçam ser. O arquétipo serve-lhe, então, para não errar na arquitetura da trama, bastando mesmo que encaixe o roteiro dentro da estrutura e voilà: enredo pronto. 

A complexidade psicológica está toda concentrada em duas figuras: na própria mrs. Harris e na megera interpretada magistralmente por Isabelle Huppert: enquanto esta representa todo um pensamento da classe alta em relação ao exclusivismo de determinados ambientes, que não devem jamais se abrir ao grande público, aquela mostra-se como a oposição necessária a esse ideal elitista, rompendo barreiras com suas atitudes de força e coragem. É inevitável não sentir um incômodo com a atuação excelente de Huppert. Aliás, a Ada Harris (Lesley Manville) é extremamente carismática, diria que é um personagem “no ponto exato”, nos fazendo torcer para que sua vida dê certo. 

A obra dialoga com todo um contexto histórico e social da moda dos anos 50. Embora a construção da narrativa seja absolutamente adocicada e clichê, com lugares-comuns conhecidos, a presença da moda aqui consegue ‘complexificar‘ a trama, trazendo sofisticação, crítica e história social para dentro do enredo. Todas as cenas dentro da Dior, da magnífica cena dos desfiles às cenas de confecção das roupas, são excelentes porque têm a intenção de, visualmente, trazer deleite aos olhos. Moda é isso: o prazer dos olhos – e o filme consegue se firmar nesse lugar. 

O figurino, nesse sentido, não poderia ser um algo menor: todos eles são lindos esteticamente. É importante que, sendo um filme sobre o “espírito das roupas”, o cineasta tenha pensado na caracterização de figurino desde o início do longa-metragem, mesmo antes do enredo sobre moda se iniciar. Os trajes não apenas transmitem um conceito de época, mas vestem o conceito no personagem, não importa a classe social que ele esteja inserido na película e isso é maravilhoso. As cores, os tecidos, a tessitura, os desenhos, os traços, os decotes sempre ornam uns com os outros, demonstrando uma excelente curadoria no que diz respeito ao figurino.

Evidentemente, este é um filme motivacional, da caracterização da personagem, ao uso das cores e da trilha sonora, essa película abre-se como a primavera após o inverno, e trabalha com ideias de esperança, força, coragem, amor, superação, colocando cada coisa em seu lugar, forjando um conto de Cinderela para a maturidade. Nada surpreende, de fato, mas é um alívio dramático e tanto assistir a um enredo leve e descontraído como a esse, que opera na chave do “tudo é possível” de uma maneira mágica, mas singela, verossímil e também sincera, sem desrespeitar os limites da ficção, nem da própria personagem, isto é, sem fazê-la caricatura ou algo do tipo. Ponto para o cineasta, e especialmente para Lesley Manville, por entender que algo simples não significa pior ou ruim, de modo que o resultado é uma entrega honesta e obrigatoriamente agradável ao paladar do público em geral.

Sra. Harris Vai a Paris (Mrs. Harris Goes to Paris) — França, Hungria, Reino Unido, 2022
Direção: Antonio Fabiano
Roteiro: Carroll Cartwright, Antonio Fabiano, Keith Thompson, Olivia Hetreed (baseado na novela Mrs Harris Goes to Paris, de Paul Gallico)
Elenco: Lesley Manville, Isabelle Huppert, Lambert Wilson, Alba Baptista, Lucas Bravo, Ellen Thomas, Rose Williams, Jason Isaacs, Anna Chancellor, Christian McKay, Freddie Fox, Guilaine Londez, Philippe Bertin, Roxane Duran
Duração: 115 min.

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