Creio que o termo “camisa vermelha”, na cultura pop, seja familiar à grande maioria das pessoas, mesmo aqueles que não a conectam com sua origem. Mas, para benefício de todos, vale abordar essa questão logo no começo da presente crítica. O termo passou a ser informalmente utilizado a partir da constatação de que, na clássica Star Trek: A Série Original, aqueles que mais constantemente morriam durante missões eram os personagens – normalmente sem nome, mas sempre oficiais de segurança ou de engenharia – que vestiam camisas vermelhas. Eram e continuaram sendo, com raras exceções, as boas e velhas buchas de canhão da franquia, que abraçou essa característica dali em diante, mas com a expressão indo além das fronteiras da criação de Gene Roddenberry e tornando-se sinônimo dos personagens que são criados única e exclusivamente para morrer. E, considerando o quanto esse termo é famoso, espanta que só agora tenhamos uma obra desse universo focada nesses desafortunados personagens.
Na verdade, é possível talvez dizer que há duas obras. A precursora é o romance Redshirts (assim, junto mesmo, que é a forma como o termo é usado em inglês), de John Scalzi, mas o livro não se passa no universo Star Trek, sendo apenas uma homenagem satírica a ele. E, claro, há também um personagem no genial longa Galaxy Quest (imbecilmente batizado por aqui de Heróis Fora de Órbita) que tem pavor de morrer já que sua única aparição na série de TV dentro do filme foi como um personagem sem nome que foi morto logo no começo do episódio, além de menções cômicas a essa “situação” na infelizmente finada série animada Star Trek: Lower Decks, que aborda a vida dos personagens secundários da franquia. Mas Star Trek: Camisas Vermelhas, minissérie da IDW que é a titular atual da licença de Star Trek para quadrinhos, pode ser considerada como a primeira obra exclusivamente focada nas buchas de canhão cuja única função é morrer pela Frota Estelar.

A história é simples, como deveria mesmo ser, com um camisa vermelha veterano, uma raridade, há nove meses espionando uma antena no planeta Arkonia 89 e fornecendo informações de maneira que sua superior construa uma armadilha para capturar os misteriosos espiões que vêm roubando informações, armadilha essa que, contando com os dois líderes mais velhos, somam 12 oficiais de segurança. O ponto de vista narrativo é o de um dos mais novos do grupo, o alferes Chip Miller que, em sua primeira missão no planeta Neural, tem seu rosto profundamente marcado pelo ataque de um mugato. É ele que demonstra insatisfação com o descaso da Frota Estelar com os camisas vermelhas e a desorganização geral das missões, especialmente quando oficiais de camisas de outra cor não estão envolvidos. Semelhante ao estilo de Koushun Takami, em Battle Royale, o roteiro de Christopher Cantwell faz uma espécie de contagem de corpos, não só oferecendo uma lista dos 12 camisas vermelhas que ele vai então riscando a cada edição na medida em que eles morrem, como ele se esmera em criar as mortes mais variadas possíveis, sempre no espírito da premissa da minissérie.
E, se não deixei claro antes, deixarei agora: a história que Cantwell escreve é séria, não cômica como Lower Decks ou Galaxy Quest, pelo que, mesmo diante das mortes espalhafatosas, há um grau de solenidade delas. Não sei se isso, porém, foi a melhor escolha, pois eleva a minissérie a um nível que ela acaba não tendo, talvez com exceção da reviravolta final (ou, na verdade, a única reviravolta), que é o ás na manga do roteiro, mas que tem toda a cara de ter sido a grande ideia que Cantwell teve e, dela, partiu para escrever o restante. Claro que há diversos interesses concomitantes e excludentes na medida em que a minissérie de cinco edições avança, mas tudo é mantido no básico, sem preocupação com desenvolvimento de personagens ou conflitos muito sofisticados. É “pão pão, queijo queijo” sem invencionices feito para matar o maior número de camisas vermelhas possível e das formas mais criativas.
A arte de Megan Levens é, única e exclusivamente, funcional. Ela cria 12 personagens perfeitamente identificáveis em termos físicos – o que nem é essencial tamanha é a velocidade com que eles morrem -, mas seu desenho é tolhido, sem nenhum tipo de arroubo criativo ou qualquer tentativa de sair de um molde comportado e específico. Em outras palavras, a arte simples combina com o roteiro simples e, juntos, eles caminham de mãos dadas até a tal reviravolta que mencionei e que acontece somente na última edição e que, sou o primeiro a admitir, é bem interessante, até porque deixa a possiblidade de uma futura segunda minissérie para continuar explorando esse canto pouco abordado desse vasto universo. Star Trek: Camisas Vermelhas é uma boa ideia executada de maneira protocolar demais, mas, mesmo assim, é uma leitura agradável e divertida o suficiente para não resultar naquela indigesta sensação de perda de tempo.
Star Trek: Camisas Vermelhas (Star Trek: Red Shirts – EUA, 2025)
Roteiro: Christopher Cantwell
Arte: Megan Levens
Cores: Charlie Kirchoff
Letras: Jodie Troutman
Editoria: Cassandra Jones, Heather Antos
Editora: IDW Publishing
Datas originais de publicação:
Páginas: 128
