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Crítica | Star Trek: Discovery – 2X09: Project Daedalus

por Giba Hoffmann
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– Contém spoilers do episódio. Leia nossas críticas dos filmes e séries de Star Trekaqui.

Mantendo-se nas rédeas do momentum gerado pelo excelente episódio anterior, Project Daedalus traz novos avanços significativos e empolgantes para a trama do Anjo Vermelho. Tendo finalmente superado a infindável busca por Spock (Ethan Peck), nossa narrativa encontra-se liberada para explorar novos territórios dramáticos já há muito aguardados pelo público. Não é de hoje que a demanda por uma maior exploração dos membros “decorativos” da tripulação da Discovery aparece nos comentários dos fãs a respeito da série. Após a tímida participação da Tenente Owosekun (Oyin Oladejo) em Point of Light, agora é a vez da Tenente Airiam (Hannah Cheesman) efetivamente protagonizar um episódio inteiro… A má notícia é que se trata de seu último!

Pois é, vida de red shirt não é fácil. Por qualquer ângulo que olhemos, a personagem de Airiam acaba inscrita completamente no papel narrativo cujo apelido remonta a esta própria franquia. Exceto por sua presença como forma de incrementação visual da tripulação, a personagem não recebeu absolutamente nenhum material que não o de conduzir o falatório formal da nave até o encontro com a entidade eletrônica futurista ao final de Light and Shadows, o que faz dessa “possessão” o início de seu primeiro e derradeiro arco. Eu mesmo só fui saber agora que a atriz que a interpretava trocou entre as duas temporadas e – de forma mais central em termos narrativos – que se tratava de uma humana com implantes cibernéticos.

Se é certo que Project Daedalus traz uma tradicional morte de red shirt glorificada à maxima potência como seu centro narrativo, também é preciso reconhecer que roteiro e produção bancam a ideia muito bem. A sutil mudança de foco trabalha a favor das figuras centrais de Spock e Michael (Sonequa Martin-Green), que ganham tempo para respirar após uma sequência de capítulos focados neles. Spock encontra tempo para estrelar boas interações com Stamets (Anthony Rapp) e Cornwell (Jayne Brook), enquanto sua irmã adotiva acaba protagonizando uma excelente sequência final em que focamos em seu personagem para além de suas relações familiares. Quando dá as caras, a disputa fraternal entre os dois acaba rendendo um dos melhores momentos para a dupla até aqui.

O diálogo equilibra bem a pegada dramática de Discovery com a apresentação tradicional do meio-vulcano, convincentemente reconhecível na atuação de Peck como uma versão mais jovem daquele que um dia (e eternamente) será Leonard Nimoy. A rara demonstração afetiva explosiva trabalha bem o elemento central do personagem (o conflito lógica vs. emoções) de forma crível, e a discussão entre os irmãos traz os dois lados apontando, com igual lucidez, as limitações de sua contraparte – uma fórmula boa para criar um drama orgânico dentro de uma premissa que tem anomalias espaço-temporais demais para se debruçar por muito tempo nos pormenores emocionais de nossos oficiais. Material envolvente e interessante, que tem me feito gostar mais da inserção de Burnham na mitologia de Spock e ver a protagonista por um ângulo renovado.

Mas o destaque do episódio acaba sendo mesmo o arco de Airiam. A tarefa não é fácil: compensar quase duas temporadas de caracterização ausente em um único episódio. Embora possa parecer apenas um resultado misto no papel, a abordagem acaba funcionando muito bem no conjunto da produção. As tentativas do roteiro de inserir a personagem retroativamente no cotidiano de figuras mais conhecidas trazem inegavelmente a mão pesada do roteirismo, mas conseguem beirar o abismo da forçação total sem pular de cabeça.

O mais próximo que o episódio chega de fazê-lo é no discurso emocionado de Tilly (Mary Wiseman) na ponte de comando, que retoma algumas “piadas internas” genéricas criadas de última hora para forçar um momento dramático que passa um pouquinho do ponto. No sentido oposto, a escolha do foco do vídeo de casamento funciona como um lastro narrativo convincente para humanizar a personagem e tornar seu sacrifício um pouco mais do que a rodada padrão de um camisa vermelha regular – como foi Connolly em Brother, ou como Nhan (Rachael Ancheril) escapou de ser aqui por um triz.

No fim das contas, o drama da personagem fica a altura daquilo que sua subtrama propõe – toda essa caracterização de última hora pode ser vista como um bônus que vem a serviço do mais novo capítulo da trama do Anjo Vermelho, oferecendo mais impacto ao sacrifício da oficial. A possessão pela inteligência artificial vinda do futuro acaba servindo de ocasião para mais um excelente plot de ficção científica. A sempre azarada Almirante Cornwell chega a bordo da USS Discovery para investigar com os próprios olhos a versão de Spock sobre sua fuga, mas acaba colocando a nave em uma rota sumo a um excelente suspense espacial.

De início, estranhei um pouco a subtrama política envolvendo um conflito interno na Federação, com a extremista lógica Almirante Patar (Tara Nicodemo) maquinando uma espécie de golpe de inteligência ao tomar o comando de uma IA que não apenas serve à Seção 31, mas também toda a operação da Frota Estelar. Confesso que minha historiografia de Trek não é das mais afiadas, mas um componente desse tipo não parece uma nova inclusão de algo um tanto transformador/destoante da cronologia original, a la motor de esporos? Em todo caso, os motivos por não termos ouvido falar da IA sacana provavelmente já vão se delineando aqui.

O golpe da Control sobre a base de operações da Seção 31 garante novas sequências visualmente estonteantes. O mistério vai sendo bem pontuado com o tempo, e o senso de estranheza a respeito de como a narrativa da trama política está sendo construída vai desaparecendo conforme fica mais claro do que nossa ameaça realmente se trata. A exploração da base abandonada empolga tanto em visuais quanto em narrativa, desde a descoberta dos corpos dos oficiais flutuando arrepiantemente em gravidade zero até o standoff dramático da expedição, com os ingredientes tradicionais do subgênero atuando em seu favor.

Project Daedalus se encerra com um novo teaser a respeito de nosso mistério de temporada, citando o projeto que nomeia o episódio como a próxima pista no quebra-cabeças da USS Discovery. A impressão que me fica é a de que a série teria ganho com um equilíbrio mais cuidadoso de suas tendências episódicas e seriais. Tanto o sacrifício de Airiam teria se beneficiado de ao menos um episódio centrado na personagem anteriormente, quanto a revelação a respeito do que Control desejava roubar da Discovery – os dados da misteriosa Esfera de An Obol for Charon – teria tido um efeito mais impactante caso esta última trama em si não estivesse diretamente ligada aos eventos do Anjo Vermelho. Picuinhas à parte, o fato é que a construção do mistério continua a empolgar e entregar ótimas subtramas que conversam com o lado mais sci-fi de Trek com sucesso. Entrando já em sua reta final, veremos aonde tudo isso vai dar.

Star Trek: Discovery – 2X09: Project Daedalus (EUA, 14 de março de 2019)
Direção: Jonathan Frakes
Roteiro: Michelle Paradise
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anthony Rapp, Mary Wiseman, Anson Mount, Michelle Yeoh, Ethan Peck, Rachael Ancheril, Jayne Brook, Rachael Ancheril, Hannah Cheesman, Emily Coutts, Patrick Kwok-Choon, Oyin Oladejo, Tara Nicodemo
Duração: 53 min.

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