Home TVEpisódio Crítica | Star Trek: Discovery – 2X10: The Red Angel

Crítica | Star Trek: Discovery – 2X10: The Red Angel

por Giba Hoffmann
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– Contém spoilers do episódio. Leia nossas críticas dos filmes e séries de Star Trekaqui.

Caixinha do mistério aberta. Duas vezes, pra garantir — um começo falso e um final realmente surpreendente para arrematar. Após fomentar abertamente a especulação e confiar na curiosidade do espectador para ancorar um arco de temporada um tanto alongado, a identidade do Anjo Vermelho finalmente nos é revelada, colocando para descansar o último dos mistérios levantados em Brother.

Estruturalmente, The Red Angel me lembrou bastante o recente Light and Shadows. Um capítulo focado em personagens, que se apoia em cenas de diálogo para desenvolver, quase que em segundo plano, a trama principal da temporada. O que funcionou lá, no entanto, encontra algumas dificuldades para engatar aqui.

A primeira delas diz respeito à “revelação”, posteriormente denunciada falsa, de que o Anjo Vermelho seria Michael Burnham (Sonequa Martin-Green). Entregue ainda na sequência pré-créditos, essa bomba anticlimática adota a rota mais previsível de eventos em parte para botar para rodar a trama do episódio, em parte como cortina de fumaça para preparar o cliffhanger — agora sim, genuínamente surpreendente — com o qual o episódio se encerra. A segunda dificuldade vem justamente em decorrência do foco excessivo nessa revelação final: ao sabermos que o Anjo na verdade é a mãe de Michael (interpretada por Sonja Sohn), não apenas temos nossas cabeças explodidas pela surpresa mas praticamente todo o episódio acaba podendo ser relido sob essa nova perspectiva.

No entanto, nessa trajetória do ponto A ao ponto B, parece ter faltado cuidado para garantir que o desenvolvimento narrativo desse conta de se manter em pé para além da exploração da psique de nossos personagens. A convenção narrativa ditaria que a revelação da identidade do Anjo Vermelho seria recompensadora caso fosse: 1. alguém que já conhecemos ou 2. alguém ao menos já citado e com ligação estreita com alguém que já conhecemos — em ambos os casos, também era bem-vindo que se tratasse de uma surpresa. Nossa suspeita inicial, Michael, era um dos exemplos menos surpreendentes do primeiro caso, enquanto a Sra. Burnham cumpre bem nos pegar desprevenidos e, ainda assim, estar longe de ser um elemento anticlimático.

O problema é que, ao apostar todas as fichas nesse “ponto B”, a narrativa que conecta as duas extremidades acaba sofrendo de uma falta de consistência que nenhum impacto retroativo é capaz de remediar. Caso emblemático: em um contexto em que grande parte do público ainda não engoliu muito bem a inserção de um Motor de Esporos visual e conceitualmente mais avançado do que a Dobra Espacial em plena ambientação de prequel, citar casualmente a pesquisa de uma tecnologia de viagem temporal com finalidades bélicas por parte da Federação não seria forçar um pouco a barra?

Não é o caso de sermos hipócritas e tratarmos Trek como se fosse um hard sci-fi com extremo cuidado a respeito das regras de sua pseudo-ciência interna. A Série Original apresentava seres onipotentes com poderes pandimensionais com a mesma não-cerimônia com que inseria tripulantes camisas vermelhas prontos para o abate em meio às suas tramas episódicas. Não há necessariamente uma regra que diz que, caso a produção quisesse inserir uma subtrama sobre uma espécie de versão trekkiana da Time War entre a Federação e os Klingons, isso devesse provavelmente ser melhor construído e ocupar um papel central na narrativa, ao invés de um comentário em meio a uma onda de diálogos expositivos. Mas vamos combinar — que seria de bom tom, ah, isso seria, não?

Na verdade, mais do que uma onda, The Red Angel acabou sendo um verdadeiro tsunami de exposição. Não saberia dizer ao certo quais elementos deveriam ser mostrados ao invés de apenas falados, mas a impressão que dá é que tivemos um acesso indireto (e, sim, um tanto anticlimático) a elementos-chave de uma história de proporções épicas que vem sendo montada já há 10 episódios. É tudo muito conveniente: da forma como a subtrama da Seção 31 de repente adquire um novo significado e engancha o passado de Michael como a chave para toda a saga atual até a facilidade com que Stamets (Anthony Rapp) consegue descolar um plano de imobilização de uma tecnologia totalmente alienígena à sua área de atuação. Mais uma vez: sem querer ser aquele cara, mas o sujeito é especialista em fungos quânticos, e a armadura do Anjo Vermelho parece operar com outro tipo de arquitetura (provavelmente ultra-complexa) em mente! E a engenharia reversa necessária para estabilizar e imobilizar o figura com segurança vem num estalar de dedos!?

Essas conveniências mostram as caras também em diversas linhas de diálogo involuntariamente cômicas: da citação de um preguiçoso “cristal do tempo” à troca sobre “Mas eu pensei que meus pais eram apenas especialistas em xenoantropologia e astrofísica?”/ “Eles também eram engenheiros brilhantes nas horas vagas, e inventaram a viagem no tempo só para provar uma teoria doida lá…”. Claro que esses elementos se encaixariam bem no universo de Trek (onde viagem no tempo é algo que eventualmente acaba ocorrendo com todo mundo e no qual a própria teoria dos Burnham já teve espaço anteriormente em um episódio de Voyager), mas não quando recebem apenas acenos casuais em meio a diálogos cujo foco é outro.

Mesmo feitas essas ressalvas, é preciso reconhecer que o episódio traz também vários momentos muito bons. Leland (Alan Van Sprang) tem um de seus episódios mais interessantes, explorando de forma um pouco mais nuançada sua figura ensaboada. Seu breve embate com Saru (Doug Jones) é um momento tenso e excelente para ambos os personagens, e o confronto com Michael a respeito da verdade sobre seus pais é uma cena emocionalmente poderosa apesar do marcado caráter expositivo.

A protagonista da série também retorna ao centro das atenções com um capítulo excelente, que oferece seus dramas pesoais sobre ângulos dos mais diversos. A reaproximação com Spock (Ethan Peck) costura bem a revelação um tanto “jogada” a respeito dos pais biológicos de Burnham, e é um excelente momento dramático entre os irmãos, que prepara muito bem o terreno para o desfecho. Por outro lado, a subtrama romântica com Tyler (Shazad Latif) parece saturar em cima de um personagem que é queridinho por parte da produção, mas que ainda carece de ser melhor explorado para funcionar.

A arapuca suicida para capturar o Anjo é um show dramático totalmente inconsequente e bastante empolgante para se acompanhar — como diria Spock, típico do feitio de sua irmã adotiva. A cena é muito bem realizada e funciona como um excelente desfecho “de ação” para um capítulo que até então foi um verdadeiro edifício de diálogos expositivos. Tivesse a produção cortado algumas de suas “bordas” e investido melhor em nos mostrar o local e os procedimentos envolvidos com a armadilha, certamente a sequência poderia se beneficiar.

Investindo nessa perspectiva das relações interpessoais, The Red Angel traz respostas que voltam a centralizar a narrativa completamente na figura de nossa protagonsita Michael. Após uma sequência de episódios excelentes, o desbalanço entre o desenvolvimento dos personagens e da trama propriamente dita acaba cobrando um pouco seu preço, ainda que tenhamos momentos memoráveis para marcar bem a ocasião de entrada no ato final da saga atual. Vejamos de que forma a ameaça da IA futurista será desenvolvida nesses momentos finais — e com a esperança de um desfecho satisfatório para todo nosso extenso elenco de personagens.

Star Trek: Discovery – 2X10: The Red Angel (EUA, 21 de março de 2019)
Direção: Hanelle M. Culpepper
Roteiro: Chris Silvestri, Anthony Maranville
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anthony Rapp, Mary Wiseman, Wilson Cruz, Anson Mount, Shazad Latif, Michelle Yeoh, Ethan Peck, Jayne Brook, Rachael Ancheril, Hannah Cheesman, Alan Van Sprang, Emily Coutts, Sara Mitich, Patrick Kwok-Choon, Oyin Oladejo, Sonja Sohn
Duração: 53 min.

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