Home TVEpisódio Crítica | Star Trek: Discovery – 4X05 e 06: The Examples / Stormy Weather

Crítica | Star Trek: Discovery – 4X05 e 06: The Examples / Stormy Weather

Política, ética, Zora e uma fenda subespacial.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.

Fui tragado por uma anomalia e não consegui me desvencilhar a tempo de escrever a crítica do episódio 4X05 no dia correto. Decidi, então, fazê-la no mesmo “espaço” do 4X06, mas separadamente, claro. Vamos às críticas então?

4X05
The Examples

O maior problema de The Examples é a velocidade com que as coisas acontecem. Está aí um episódio que talvez merecesse tratamento VIP, com uma continuação direta fazendo dobradinha ou, alternativamente, menos assuntos simultâneos sendo abordados de forma a dar mais tempo para a os demais. Obviamente que esse “maior problema” é um baita problema, já que transforma o que poderia ser excepcional em algo “apenas” muito bom, retirando muito da força que ele poderia ter tido, mas de forma alguma elimina completamente suas qualidades.

Deixe-me então abordar rapidamente (he, he, he…) o que achei que foi corrido demais. Em primeiro lugar, a introdução do nada do mais do que arrogante cientista Ruon Tarkia (Shawn Doyle) para trabalhar com Stamets na anomalia para criar todo aquele drama de disputa de egos para os dois serem os melhores amigos ao final foi o suprassumo do clichê acelerado. Depois, a evacuação dos habitantes da colônia-asteroide Akaali foi instantânea e sem percalços, somente para deixar Michael e Book lidando com a meia dúzia de prisioneiros, os Exemplos do título. Igualmente, o diagnóstico psiquiátrico instantâneo de Kovich sobre o sofrimento do Dr. Culber, mesmo considerando que é sempre bacana ver David Cronenberg na série, foi quase cômico e, diria, até um desserviço para a profissão.

Viu, fui bem veloz em listar os problemas trazidos pela rapidez com que o episódio lidou com esses assunto, não? E é particularmente relevante reafirmar que a questão está limitada à velocidade, pois cada uma das linhas narrativas é cativante de seu próprio modo, colocando questões boas de serem discutidas depois que os créditos sobem na tela, particularmente a história de Book, Michael e os prisioneiros, não coincidentemente a que primeiro abordarei.

Afinal, não só temos a necessidade de Book de salvar todos ali como uma forma de processar a perda de seu planeta pela mesma anomalia que  agora ameaça a colônia, como temos a questão ética que se coloca em diversos matizes. O primeiro deles é político e lida com a própria interferência da Federação, representada pela dupla da Discovery, em decisões soberanas de outros governos, governos esses, inclusive, que sequer fazer parte da Federação. A decisão de Michael de passar por cima do governo local para salvar vidas é inegavelmente nobre e humana, mas estamos falando de condenados à prisão perpétua. E isso me leva ao segundo aspecto, agora misturando política e justiça: poderia Michael duvidar da Justiça de determinado planeta (ok, asteroide) independente com base nas afirmações dos próprios condenados? Sim, é claramente desproporcional uma pena severa destas para crimes pequenos como os descritos pelo líder ali, mas quem exatamente é Michael ou Book para decidir, com base em seus próprios valores, que as penas estão erradas?

E a coisa continua com a decisão de um deles, tentando expiar seus próprios pecados e a culpa que sente pela vida que tirou, de ficar por ali mesmo, como uma espécie de suicídio por inação, o que coloca Michael e Book em polos opostos. Dos dois representantes da Federação, quem está certo? Michael por aceitar a decisão de alguém sobre sua própria vida ou Book que quer salvar o prisioneiro mesmo contra sua própria vontade? Só essa pergunta mereceria um episódio inteiro para estudá-la.

As outras duas linhas narrativas são também muito interessantes, ainda que substancialmente menos complexas. De um lado, vemos a confiança em Stamets ser minada pela presença de Ruon Tarkia, com os dois hesitantemente construindo um perigoso modelo da anomalia para estudar seu comportamento, algo que a tal velcoidade vertiginosa do episódio esvazia de tensão. Por outro lado, Tarkia, como Book percebe, parece ter a marca do implante da Corrente Esmeralda e esse breve destaque deve levar a algum desenvolvimento futuro. E, por último, há o terapeuta pedindo socorro de outro terapeuta que, em um estalar de dedos, diagnostica Culber com aparente exatidão e… simplicidade talvez demais, ainda que a conversa em si entre os dois tenha sido muito bem construída pelo roteiro.

Como disse, The Examples daria um potencialmente excelente episódio duplo que expandisse o tempo dedicado a cada uma das histórias de cunho consideravelmente intimista que ele conta. A pressa tirou muito de seu peso, mas é inegável que o drama dos prisioneiros na colônia é um dos “fragmentos” narrativos mais interessantes já abordados em Discovery nesta temporada.

4X06
Stormy Weather

Stormy Weather é, em apenas seis episódios da temporada, o segundo que se passa quase que exclusivamente em uma ponte de comando. Anomaly dividiu o tempo entre duas pontes, mas, agora, temos uma ponte única, a da Discovery, que entra em uma fenda subespacial deixada pela anomalia para estudá-la e, ao chegar por lá, seus tripulantes descobrem que eles estão literalmente no “meio do nada”, sem sons, radiação ou qualquer outro elemento característico do espaço. É sempre difícil lidar com episódios confinados assim, mas este aqui consegue trabalhar muito bem seu ambiente quase único – a exceção é o restaurante onde Gray tenta “acalmar” Zora – tendo que resolver uma charada impossível.

Se os episódios imediatamente anteriores da série trabalharam na estrutura de núcleos consideravelmente separados, Stormy Weather concentra todos os assuntos e todos os personagens em uma narrativa coesa com o objetivo macro de lidar com o estranho “não-lugar” onde estão, sem perder de vista o desenvolvimento narrativo da temporada como um todo. A participação de todos ali na ponte na forma de comitê, com ideias sendo jogadas ao ar, discutidas, algumas rejeitadas e outras aceitas é uma dinâmica excelente para dar relevância a todos os “coadjuvantes apertadores de botões”, algo que este quarto ano da série vem conseguindo fazer de forma muito relevante.

Claro que o preço para solucionar um problema que é até mesmo difícil para seres humanos normais (leia-se: eu) entenderem é o bom e velho uso das chamadas “tecno-baboseiras”, com os personagens derramando pseudociência em velocidade vertiginosa que até chega a confundir um pouco, mas que, no conjunto, só salienta a sinergia do elenco, com uma estrutura de frases de diálogo que são iniciadas por um e completadas por outro como em um musical da Broadway. E o melhor é que, desta vez, no lugar de uma nave se partindo ou sendo diretamente atacada, no máximo o que vemos são faíscas saindo do teto e, mais para o final, labaredas na ponte, o que permite mais concentração na relações interpessoais do que nos fogos de artifício.

E as mais importantes dessas relações são, primeiro, a de Gray com Zora (voz de Annabelle Wallis) e a de Michael com a mesma Zora. O desenvolvimento da inteligência artificial da nave é um dos temas recorrentes da série, ainda que por muitas vezes ela seja quase que completamente esquecida. O episódio anterior determinou que Zora passou a ter sentimentos como parte de sua evolução e, com isso, ela começa a perder o foco ao seu preocupar humanamente com o micro gerenciamento de cada aspecto da nave. Obviamente eu – e, tenho certeza que todo mundo que assistiu o episódio – lembrei de HAL 9000 (Zora até canta como HAL!!!) e até mesmo da simpática Skynet), mas, como já tivemos uma IA vilanesca na série, era mais ou menos que esta aqui não descambaria para o mesmo caminho.

O jogo de Gray com Zora para também trabalhá-la psicologicamente – um tema bem-vindo recorrente na temporada aliás, vide o trauma de Book, os problemas de Tilly e Culber e assim por diante – e “acalmá-la”, abrindo então espaço para que ela foque no que realmente importa no momento foi uma grande forma de se humanizar a voz desencarnada, ainda que eu tivesse preferido um pouco mais de tempo para ela se conhecer. Seja como for, o obrigatório sacrifício de Michael, mandando todo mundo para o buffer do teletransportador, construiu a ponte de confiança entre ela e Zora e parece colocar a inteligência artificial como mais um importante personagem da série. Não duvidaria se, em algum momento não muito distante, ela fosse “corporificada” como o próprio Gray…

Stormy Weather pode não sair fisicamente do lugar e pode chegar a soluções conveniente como “barreira galática”, sonar espacial e outras coisinhas assim, mas, como “episódio de ponte”, ele se sai muito bem com o material que tem em mãos alçando Zora a outro patamar e, ao mesmo tempo, dando a Stamets e demais uma outra interpretação sobre a ameaçadora anomalia, uma que estabelece sua origem extragaláctica e abre um caminhão de possibilidades. O que será que vem por aí?

P.s.: Alguém mais sentiu vibe de Alien – O 8º Passageiro quando Book começa a andar pelos corredores vazios da Discovery levando Grudge naquela caixa?

Star Trek: Discovery – 4X05: The Examples (EUA, 16 de dezembro de 2021)
Star Trek: Discovery – 4X06: Stormy Weather (EUA, 23 de dezembro de 2021)

Showrunners: Alex Kurtzman, Michelle Paradise
Direção: Lee Rose (4X05), Jonathan Frakes (4X06)
Roteiro: Kyle Jarrow (4X05), Anne Cofell Saunders, Brandon Schultz (4X06)
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anthony Rapp, Mary Wiseman, Wilson Cruz, David Ajala, Blu del Barrio, Ian Alexander, Emily Coutts, Oyin Oladejo, Patrick Kwok-Choon, Chelah Horsdal, Oded Fehr, Ronnie Rowe Jr., Ayesha Mansur Gonsalves, Annabelle Wallis, David Cronenberg, Shawn Doyle
Duração: 51 min. (4X05), 47 min. (4X06)

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