- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
A ótima temporada anterior de Star Trek: Lower Decks acabou com um mega-cliffhanger: a Capitã Freeeman é presa pela Federação por explodir o planeta dos Pakleds. Era óbvio que esse seria o foco do começo da nova temporada, mas eu sou um daqueles resolutos defensores de que alterações em status quo precisam de tempo de maturação e que a reversão imediata, em apenas um episódio, ao estado anterior, como costuma acontecer com séries de mais baixo gabarito, é um execrável artifício narrativo que deve ser evitado a todo custo.
A não ser que estejamos falando de Lower Decks, fico feliz em dizer!
Todo o episódio inaugural da terceira temporada gira em torno de Beckett Mariner fazendo de absolutamente tudo, inclusive furtar a própria Cerritos que está passando por uma reforma completa, para descobrir provas para exonerar sua mãe. Ela recruta os suspeitos de sempre, Brad Boimler, D’Vana Tendi e Sam Rutherford em sua missão que passa por usar uma réplica operacional da nave de Zefram Cochrane, o inventor do motor de dobra conforme vimos no magnífico Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato, usada em um parque de diversões construído em cima do lugar histórico em que tudo aconteceu, para conseguir seu objetivo. O fato de terem conseguido recrutar o próprio James Cromwell para dar voz ao holograma do personagem que deu vida em 1996 é uma jogada fantástica que, por si só, vale o ingresso do episódio, por assim dizer.
Mas a aventura em si é essencialmente desimportante em termos narrativos. Sim, ela é simpática e é bom ver o grupo agindo completamente por fora das regras da Federação, sequer usando uniformes já que toda a tripulação está de folga na Terra aguardando o julgamento de Freeman. A grande jogada é Mariner, apesar de todas as garantias que seu pai, o Almirante Alonzo Freeman (Phil LaMarr), dá para ela sobre o processo judicial da Federação e como é importante confiar nele, literalmente ignorar tudo e partir para a ignorância em seguida, sem pensar duas vezes. Essa é a estrutura clássica clichê usada em um sem-número de filmes e séries em que alguma injustiça óbvia está prestes a ser cometida, o que nos faz esperar que a jovem, juntamente com seus amigos, encontrem as provas necessárias para exonerar Freeman e tudo seja resolvido.
Toda a narrativa nos leva à essa crença, mesmo quando tudo parece apontar para uma a continuação da história em episódios futuros. Mas eis que não. Tudo é imediatamente paralisado não pela chegada de alguém para prender a quadra de aventureiros, mas sim pela própria Capitã Freeman, que ordena que a filha e seus companheiros parem de fazer o que estão fazendo? Como ela está ali ao lado de seu marido e Jack Ransom? Simples: o sistema dá realmente certo e a capitã foi completamente exonerada do incidente pelos canais normais da Federação, sem a necessidade de ela ser salva no último segundo com alguma prova mirabolante de sua inocência. Com isso, o roteiro de Chris Kula nos dá uma rasteira de último segundo acompanhada de uma explicação na base de “flashback corrido” para explicar o que ocorreu e pronto, tudo está de repente como dantes, no quartel de Abrantes, inclusive e especialmente todo o status quo da série, com o cliffhanger (in)devidamente solucionado em apenas um episódio.
A hilária subversão de um tropo narrativo desses vale mais do que completamente o uso de apenas um episódio para solucionar o que ficou pendurado em First First Contact, especialmente porque a narrativa faz excelente uso da mitologia pré-dobra deste universo e, claro, ainda tem tempo para fazer troça da bela vinícola de Jean-Luc Picard ao revelar que Boimler tem algo parecido, mas para fabricar uva passa, algo infinitamente menos sofisticado, ainda que ele “sofra” assédio de todas as belas mulheres que trabalham para sua aparentemente muito rica família, sem que sequer ele consiga perceber o que se passa. Grounded é um belo episódio de começo de temporada que bebe da mitologia e nos dá uma bela rasteira ao mesmo tempo.
Star Trek: Lower Decks – 3X01: Grounded (EUA, 25 de agosto de 2022)
Showrunner: Mike McMahan
Direção: Jason Zurek
Roteiro: Chris Kula
Elenco (vozes originais): Tawny Newsome, Jack Quaid, Noël Wells, Eugene Cordero, Dawnn Lewis, Jerry O’Connell, Fred Tatasciore, Gillian Vigman, Paul Scheer, Lycia Naff, James Cromwell, Phil LaMarr
Duração: 25 min.
