- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Há episódios em Strange New Worlds que vivem mais de tensão tática do que de exploração, e The Sehlat Who Ate Its Tail é um bom exemplo desse tipo de narrativa. Não se trata de um mergulho no desconhecido cheio de metáforas ou descobertas científicas, sendo um estudo de pressão, improviso e moral em um contexto de batalha espacial – quem aí se lembra de Memento Mori?. Ainda assim, o capítulo consegue inserir um elemento de surpresa no terço final que o resgata do previsível: a revelação de que o inimigo não é alienígena, mas humano.
A trama começa com a USS Farragut sendo atacada por uma imensa nave de sucateiros, deixando sua capitã, V’Rel, gravemente ferida. A Enterprise chega para ajudar e, num arranjo incomum, Spock, Chapel, Scotty e Uhura se juntam a James T. Kirk (Paul Wesley, cada vez mais confortável no papel) na ponte da Farragut como equipe de comando temporária (aposto que os fãs mais clássicos sentiram uma nostalgia gostosa nesse bloco). Logo o episódio posiciona Kirk no centro, não como o herói lendário que conhecemos, mas um comandante interino que ainda busca se provar, tentando equilibrar instinto, protocolo e a pressão de vidas em jogo, com esse dilema sendo o principal motor dramático do episódio.
Quando a Enterprise é capturada e começa a ter sua energia drenada, a narrativa abraça um charme retrô ao recorrer a soluções analógicas: telefones com fio do século XX, controles manuais, operações quase artesanais de engenharia para contornar o bloqueio. É um recurso que não só cria bons momentos de interação na equipe, em especial com Pelia em sua maluquice carismática, mas também reforça um tema caro a Star Trek: a engenhosidade como arma e o trabalho coletivo como solução. Em paralelo, Pike e La’An conduzem uma ação direta para desconectar a nave-mãe da Enterprise, em cenas de combate mais físicas e pontuais.
O texto acerta ao mostrar Kirk hesitando, sentindo o peso da responsabilidade, e também ao deixar claro que a vitória é resultado coletivo, com cada personagem tendo uma pequena função, seja Uhura garantindo a comunicação improvisada, seja Spock operando com frieza lógica mesmo em um contexto fora de sua zona de conforto. O plano para enganar os sucateiros, levando-os a desativar momentaneamente seu próprio navio, é simples, mas coerente com o tom de improviso que permeia a história, com um encaminhamento satisfatório durante as resoluções de problemas do grupo.
A grande virada vem quando a Farragut destrói a nave inimiga e a tripulação descobre que os sucateiros são humanos, descendentes de cientistas do século XXI que deixaram a Terra após a Terceira Guerra Mundial. Essa revelação muda a temperatura emocional do episódio: a ameaça derrotada não era um “outro” alienígena, mas parte perdida da própria história humana; trazendo uma densidade dramática que eleva o drama e que ecoa na audiência depois dos créditos subirem. O epílogo, com Kirk revisitando suas decisões e ouvindo de Pike conselhos de quem já esteve sob a mesma pressão, fecha o episódio em tom reflexivo. É menos sobre a vitória e mais sobre carregar o peso dela, o que ajuda a humanizar ainda mais essa versão de Kirk em construção.
The Sehlat Who Ate Its Tail não é um episódio necessariamente de grandes riscos narrativos ou visuais (apesar de ter gostado do design do Destruidor de Mundos), mas funciona bem como estudo de personagem e como exercício de tensão em escala controlada, com uma revelação final corajosa que agrega bastante aos arcos desses personagens, terminando numa nota agridoce e na lembrança de que, no espaço, o inimigo às vezes é apenas um reflexo distorcido de nós mesmos. Minha grande ressalva, que na verdade é mais uma pontuação do que uma reclamação, é o fato de ser um capítulo do Kirk e não do elenco principal de SNW, mas não tenho problemas graves com a decisão. É, no fim, um capítulo que equilibra ação e caráter, mais interessado em mostrar como se comanda uma nave no limite do que em reinventar a fórmula e, nesse recorte, entrega um ótimo resultado.
Star Trek: Strange New Worlds – 3X06: The Sehlat Who Ate Its Tail (EUA, 14 de agosto de 2025)
Desenvolvimento: Akiva Goldsman, Jenny Lumet, Alex Kurtzman (baseado em personagens criados por Gene Roddenberry)
Direção: Valerie Weiss
Roteiro: David Reed, Bill Wolkoff
Elenco: Anson Mount, Ethan Peck, Jess Bush, Christina Chong, Celia Rose Gooding, Melissa Navia, Babs Olusanmokun, Rebecca Romijn, Martin Quinn, Carol Kane, Paul Wesley
Duração: 55 min.