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Crítica | Star Wars: A Resistência Renasce, de Rebecca Roanhorse (Jornada para Star Wars: A Ascensão Skywalker)

por Giba Hoffmann
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Espaço: Akiva, Ryloth, Corellia, Bracca
Tempo: Era da Resistência (~34 d.B.Y.).

Proposto como peça principal da coletânea Jornada Para Star Wars: A Ascensão Skywalker, o livro A Resistência Renasce atua sobretudo como uma celebração do universo expandido da “era sequel”, prometendo costurar o período entre Os Últimos Jedi e A Ascensão Skywalker revisitando os principais elementos presentes no projeto de reconstrução da Resistência. Evitando qualquer spoiler, posso garantir de cara que não é exatamente isso o que o livro faz. Retratando um espaço de tempo relativamente curto no período imediatamente posterior ao Episódio VIII, o livro funciona mais como um epílogo desse filme do que efetivamente como narrativa que efetue a sequência daquilo que promete. Porém, mais importante até do que isso, o grande mérito do livro diz respeito ao serviço prestado para o Universo Expandido da era atual do novo cânone. Para esclarecer melhor esse sentido, permita-me um rápido corolário.

No período infantil-adolescente das minhas nerdices, uma das coisas que mais facilmente captava meu interesse era pensar sobre as vastas cronologias e universos compartilhados. Talvez por isso os quadrinhos fossem tão mais legais do que qualquer outra mídia: por mais que eu tenha vibrado com o lançamento quentíssimo de X-Men, o fato é que apenas duas horinhas de filme jamais teriam como competir com as toneladas de páginas que a cronologia dos quadrinhos tinham a oferecer. Em tempos sem internet, ou com internet limitada demais e sem as preciosas wikis para nos iluminar com conhecimento inútil e gratuito, ler um gibi antigo e pensar na forma como ele se articulava com uma história mais recente tinha uma magia sem paralelos.

E então foi que, acompanhando um pouco sobre Star Wars já em antecipação a um aguardado Episódio III, eu me deparei com a magnitude sensacional do Universo Expandido. Quer dizer que aquelas histórias todas dos quadrinhos, livros e games não apenas se ambientavam no mesmo universo dos filmes, mas ainda por cima visavam complementar as lacunas entre os grandes Episódios? Quer dizer que seria possível acompanhar tudo o que acontecia nas tais das Guerras Clônicas através de dezenas de histórias muito mais recheadas de eventos, personagens e detalhes do que aquele miserê (brilhante, mas ainda sim um miserê) de animação do Tartakovsky que passava nos benditos comerciais de A Turma do Bairro e duravam aproximadamente 5 segundos!? Considere minha cabeça adolescente explodida!

Alguns anos depois, e Star Wars foi comprado pela Disney. Obviamente chateado pelo escanteamento da agora intitulada linha Legends, segui esperançoso de que a Lucasarts faria um trabalho ainda mais caprichado de expansão do universo no novo cânone, mantendo os períodos entre os episódios mais bem-servidos de material complementar do que nunca. Por sorte, foi mais ou menos o que aconteceu — embora as frentes literária e de games tenham demorado um pouco mais para pegar o jeito, os ótimos quadrinhos mais do que compensaram pela descoordenação. Porém, a aparente falta de planejamento em relação à Trilogia Sequência fez com que os materiais especificamente passados durante essa era se tornassem o elo mais fraco e o canto menos explorado do novo cânone. Embora pouco possam se comparar às infinitas Guerras Clônicas da linha Legends, essas entradas inconstantes foram apresentando elementos bastante interessantes, só que distribuídos de maneira esparsa entre projetos diferentes.

A trama centraliza nossos protagonistas das telonas, apresentando diversas das missões da trupe nos momentos que seguiram a tragédia da Batalha de Crait. O tempo de página é bem dividido entre os diferentes núcleos, cada qual costurando elementos anteriormente vistos em histórias anteriores. A narrativa se serve muito bem dos eventos do filme antecedente para construir seu cerne temático em torno dos significados da Resistência e, em contrapartida, da Primeira Ordem. Para além de acepções genéricas do embate “liberdade vs. ditadura”, acompanhamos os efeitos regionais da desestruturação da Nova República, e vemos como os heróis da Resistência se vêem às voltas de lidar com essas situações desprovidos de sua valiosa liderança.

Poe Dameron se encontra em um momento especialmente conflituoso, culpando-se pelos múltiplos erros sob sua responsabilidade direta e indireta desde a escapada de D’Qar. Com fortes dúvidas a respeito de suas reais capacidades e valor, o piloto reencontra-se com parte do elenco de apoio apresentado anteriormente na sua revista mensal de quadrinhos, o que remedia a ausência do Black Squadron na batalha decisiva e se aproveita desse set-up para explorar dramaticamente a dinâmica de Poe nesse momento delicado. Gostei muito da forma como o personagem foi trabalhado, me lembrando por diversas vezes algumas das minhas sequências favoritas de Han Solo em Herdeiro do Império, onde também acompanhamos um figurão heroico e um tanto esquentado tendo que lidar com elementos de politicagem galática que o deixam totalmente fora de sua zona de conforto.

Já o quarteto Leia, Rey, Rose e Finn formam de certa maneira o segundo núcleo narrativo da Resistência, explorando a mesma temática do vácuo de liderança porém sob uma vertente mais voltada ao conflito intergeracional. O cansaço de Leia e sua relação com seus próprios limites cada vez mais pronunciados são abordados sob vários ângulos, que vão de adoráveis acenos à sua condição de heroína lendária para a nova geração (especialmente para Rose, que não disfarça a idolatria pela Princesa e constrói uma relação bem bacana com ela) até momentos cômicos em que nossos heróis suspeitam de uma potencial senilidade de sua parte.

São diversos os pontos da cronologia do universo expandido que são retomados ao longo da investida de reconstrução da Resistência. Elementos centrais da Trilogia Aftermath dão as caras e são trabalhados de maneira crível e bem interessante — e com a vantagem de que a prosa de Rebecca Roanhorse é bem mais interessante e gostosa de se ler do que a de Chuck Wendig! Além disso, elementos que remontam desde a série animada The Clone Wars até a campanha do game Star Wars Battlefront II (2017) também dão as caras, todos montados com facilidade e leveza pela autora em uma narrativa leve e bem construída que evita o risco de se arrastar demais na exposição política.

No meio disso tudo, encontramos tempo inclusive para acompanhar um fio narrativo que nos coloca na perspectiva da própria Primeira Ordem, sob a pele do “cidadão médio” que apoia e faz parte dessa organização usurpadora do poder na Galáxia. Dentre outros personagens estreantes nessa frente, Winshur Bratt merece o destaque como uma ode viva à mediocridade que proporciona cenas de sátira muito interessantes, atuando em partes quase como uma sitcom sobre o ambiente de trabalho na Primeira Ordem, que em meio ao dia-a-dia tragicômico do figura vai nos deixando por dentro do funcionamento da facção em seu nível mais “micro”.

O foco de Roanhorse sabiamente recai sobre os personagens, e sua caracterização me agradou bastante do início ao fim, garantindo que a relativa falta de ação, em especial na primeira metade da obra, não depusesse contra sua ambientação intentada. Além disso, a autora ainda consegue trabalhar muito bem a exposição pontual dos elementos necessários para contextualização da trama, o que garante que o livro possa funcionar para dois tipos de fãs: os já versados no material anteriormente publicado em busca de uma sequência, e também os ingressantes nesse mundo que encontram aqui, ainda que ao custo de alguns potenciais spoilers, uma espécie de “mapa” bem bacana dos núcleos narrativos desse período.

Tudo isso considerado, a narrativa parece só não entregar mais por conta da extensão abreviada do livro, bem como das amarras criativas relativas à sua produção paralela com as filmagens do Episódio IX. No conjunto, A Resistência Renasce representa uma excelente pedida para os entusiastas desse tipo de incursão pelo Universo Expandido. Ainda que não chegue a cumprir efetivamente a promessa de servir como ponte entre os dois capítulos finais da Trilogia Sequência, a trama mais do que justifica o esforço, tanto sustentando-se como narrativa por si só, quanto dando prosseguimento a diversos ganchos interessantes da cronologia. Será bem bacana se, passado o frisson do lançamento do novo filme, descobrirmos que se trata do início de uma nova série onde a autora possa explorar com mais espaço esse elenco de personagens.

Star Wars: A Resistência Renasce (Star Wars: Resistance Reborn, EUA – 2019)
Autora: 
Rebecca Roanhorse
Editora nos EUA: Del Rey
Editora Brasileira: Universo Geek
Tradução:
Guilherme Summa
Páginas: 368 p.

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