Home TVTemporadas Crítica | Star Wars: Andor – 1ª Temporada

Crítica | Star Wars: Andor – 1ª Temporada

Quando ser revolucionário é uma obrigação.

por Kevin Rick
3,2K views

  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Meu colega Ritter Fan abordou esplendidamente todos os detalhes e as particularidades de Andor em suas críticas por episódio, então, neste texto da primeira temporada, gostaria de ter uma abordagem diferente: quero falar sobre o sentimento da série de Tony Gilroy, o que ela significa e como impacta o universo audiovisual de Star Wars. Confesso que tive minhas dúvidas sobre a existência do seriado, uma vez que prequels podem se tornar exercícios chatos de preencher lacunas desnecessárias e repetir elementos conhecidos, mas Andor está mais interessada em reinterpretar a história de nascimento da revolução em Star Wars através da trajetória de um cara ordinário que se tornou peça fundamental da grande luta pela galáxia muito, muito distante.

Quem assistiu os 12 episódios do primeiro ano da série já sabe do tom mais maduro, a narrativa paciente e de queima lenta, e a troca dos confrontos com sabres de luz pelas interações mais complicadas entre o bem e o mal. Falar mais dessa proposta do show seria redundante da minha parte. O que realmente me fascina é a execução da ideia subversiva por parte de Gilroy e o restante da equipe criativa, substituindo o escopo de uma grande guerra por um retrato cotidiano da vida sob um sistema opressivo. As características maniqueístas do Império são mantidas, mas não temos uma revolução cheia de floreios, grandes atos de valentia, heróis a serem admirados ou grandes vilões a serem temidos.

O antagonista é sistêmico. Nesse sentido, gosto da arbitrariedade com a qual o Império age, como na cena que Andor é preso ou no momento que Luthen é perseguido, capturando os personagens por puro acaso. É como a engrenagem funciona, a tirania é uma rotina, e não uma grande briga com rebeldes com um herói improvável e uma princesa que gera admiração popular. Notem como a maioria dos personagens está tentando salvar sua própria pele (principalmente o protagonista), não toda a galáxia.

Dessa forma, a revolução nasce de um sentimento de sobrevivência e indignação que os personagens e a audiência experimentam, sem qualquer olhar puro e destemido, com destaque para as cenas prisionais e suas repetições laborais que transpassam uma sensação de labuta e desespero – adoro como a série sempre constrói clímax ao final de seus segmentos (roubo; fuga; revolta civil) apesar do ritmo paciente. A escolha de cenários ao longo da temporada é perspicaz dentro da proposta, com muitas cenas acontecendo em esconderijos sombrios, armazéns abandonados e diversos locais de cárcere. A opressão é vista, sentida e completamente torturante.

O que mais me impressiona nesse retrato do Império são os elementos burocráticos. Não chega a ser uma narrativa necessariamente política, até porque não há ambiguidade na construção do Império como um grande mal, mas há um cuidado imenso com a estrutura interna do governo, locais de trabalho, um senso de dever equivocado e como funciona a ideologia dos “soldados” imperiais. Para quem acha isso “chato”, reclama do ritmo lento, só posso sentir pena, pois é aqui que Andor transforma a mitologia de Star Wars, nos mostrando como funciona o maior antagonista deste universo para além de lordes Sith e vilões caricatos. Lembram de como os “fãs” debatiam fervorosamente as mudanças da Força feitas na recente trilogia? Pois é, para mim Andor é tão interessante quanto isso para falarmos sobre lore.

Também me impressiona como a série utiliza tantos elementos linguísticos para enfatizar essa proposta cínica e moralmente ambígua, com composições visuais notavelmente fortes e densas, uma iluminação que às vezes lembra noir, diálogos subversivos que dissecam dilemas morais, e uma direção constantemente tensa, com destaque para a abordagem de thriller de espionagem em vez de um épico sci-fi. Percebam, por exemplo, como a obra cria todo um conceito de tortura e uma encenação cuidadosa para o tormento de Bix. O seriado quer que sintamos o terror do Império, até nos mínimos detalhes.

A revolução em Andor nasce da necessidade, de personagens que são empurrados sem escolha, apesar do belíssimo “audiomanifesto” de Karis Nemik trazer uma carga ideológica à história (elemento que pode ser melhor desenvolvido na segunda temporada, principalmente com a participação de Saw Gerrera). Os discursos de Luthen e Maarva são praticamente desabafos, mais revoltantes do que necessariamente inspiradores. O protagonista é um cara qualquer, que se torna revolucionário nessa história de origem por não ter outra saída e por ser transformado por um sentimento de indignação frente a opressão tão bem trabalhada e sistêmica de um antagonista sem face. Andor, enfim, reinterpreta como a revolução ocorreu no universo de Star Wars.

Star Wars: Andor – 1ª Temporada (EUA, 2022)
Desenvolvimento: Tony Gilroy
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Diego Luna, Kyle Soller, Denise Gough, Stellan Skarsgård, Genevieve O’Reilly, Faye Marsay, Adria Arjona, Joplin Sibtain, Varada Sethu, Dave Chapman, Duncan Pow, Elizabeth Dulau, Bronte Carmichael, Kathryn Hunter, Noof Ousellam, Wilf Scolding, Victor Perez, Abhin Galeya, Alastair Mackenzie, Lee Ross, Gary Beadle, Lucas Bond, Kieran O’Brien, Alex Lawther, Nick Moss, Ben Bailey Smith, Robert Emms, Anton Lesser, Finley Glasgow, Richard Dillane, Rosalind Halstead, Gavin Spokes, Muhannad Bhaier, Fiona Shaw
Duração: 56 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais