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Crítica | Star Wars: Andor – 1X10: One Way Out

Quando os fins justificam os meios.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Desisti de ter paz interior. Fiz da minha mente um espaço sem sol. Eu compartilho meus sonhos com fantasmas. Eu acordo todos os dias com uma equação que escrevi 15 anos atrás da qual só há uma conclusão. Estou condenado pelo que faço.
– Rael, Luthen.

Star Wars: Andor não seria a série que é se Tony Gilroy se acomodasse em berço esplêndido e fizesse apenas o básico bem feito. Afinal, o showrunner e criador da série poderia muito bem focar One Way Out exclusivamente na fuga da prisão em Narkina 5, pois o tropo audiovisual “fuga de prisão” já é naturalmente interessante e excitante, não sendo necessário muito para seu uso ser da mais alta qualidade. No entanto, ele já tinha feito algo parecido – com muito sucesso, vale lembrar – em The Eye, que foi um episódio inteiro lidando com o momento climático de ação, no caso o assalto à guarnição imperial em Aldhani. Meramente repetir a estratégia, por melhor que ela tenha sido, seria preguiçoso e Gilroy parece não ter esse adjetivo no vocabulário.

E não é que a fuga idealizada por Cassian Andor e executada às pressas usando a morte de Ulaf como catalisadora da revolta e também como oportunidade não tenha sido excelente, pois ela foi, especialmente pela forma como Kino Loy  é usado no roteiro, mas, se eu tiver que ser sincero, diria que essa movimentada e tensa sequência que merece todos os méritos e mais um pouco é ofuscada pelo sinistro diálogo entre Luthen Rael e o Supervisor Lonni Jung (Robert Emms) que, descobrimos aqui, é um agente rebelde infiltrado no Império, diálogo esse que espelha outro, mais curto, entre Mon Mothma e o banqueiro do crime Davo Sculdun (Richard Dillane), ambos funcionando esplendidamente para borrar completamente a fronteira entre o bem e o mal e para ilustrar a famosa frase do poeta romano Ovídio, em sua coleção de poemas epistolares Heroides: “os fins justificam os meios”.

Prometo voltar à fuga da prisão, mas eu simplesmente preciso começar por Luthen Rael, que é chamado por um nervoso Lonni para conversar, o que acontece primeiro com os dois separados, via comunicador, e, depois, ao vivo, com um no interior de um elevador e o outro na passarela em frente, em uma composição visual absolutamente enervante que subverte todas as nossas expectativas ao canalizar o lado imagético assustador do próprio Império, com até mesmo o figurino de Rael evocando o Imperador ou figuras desse naipe. Quando, ainda subindo no elevador, depois de colocar o fone de ouvido, Lonni, com a câmera em close up de seu rosto suado, ouve de Rael os parabéns pelo nascimento de seu filho, ficando transtornado com isso, o imediato e indefectível tom de ameaça passa a dominar todo o diálogo, mesmo quando o agente infiltrado passa a contar o que sabe sobre a potencial ameaça representada por Dedra Meero e a iminente armadilha para o grupo rebelde liderado por Anto Kreegyr (que ainda só conhecemos de nome, o que continua me incomodando).

A frieza do tom de voz de Rael primeiro em descartar Meero como algo realmente sério (o que pode ser apenas um jogo dele, claro) e, depois, em basicamente sacrificar Kreegyr e sua célula é como violentos tapas nas caras tanto de Lonni quanto dos espectadores, com a interpretação apenas vocal de Stellan Skarsgård sendo um destaque impressionante. E, quando a porta finalmente abre, esse destaque continua e é amplificado com o ator agora completo vivendo seu personagem de maneira imponente, ameaçadora, segura de si e nem por um segundo hesitante, ainda que deixando evidente seu pesar por fazer o que acaba fazendo, quando Lonni conta sua verdadeira intenção por trás do encontro que ele pedira, ou seja, largar os rebeldes para ter uma vida sem riscos com sua recém-formada família. Rael deixa muito claro que essa não é uma opção que está na mesa, que Lonni não pode simplesmente deixar para trás anos e anos de trabalho infiltrado em posição tão importante, o que faz o diálogo imediatamente retornar para os cumprimentos de Rael pelo nascimento do bebê de Lonni, especialmente depois que o antiquário deixa muito claro o quanto ele sacrificou e ainda sacrifica pela Rebelião. Não sei quanto a vocês, mas eu não me lembro de ter respirado nessa aterradora sequência que Toby Haines e Beau Willimon, respectivamente na direção e roteiro, conseguiram criar.

E, claro, como mencionei acima, há uma evidente correlação desse momento com a visita de Davo Sculdun a Mon Mothma, em que o primeiro coloca um preço alto para ajudar a senadora: o casamento da filha dela com seu filho. O tom de ameaça verbal se assemelha ao que não demoraríamos a ver no final do episódio, mas em uma ambientação requintada, mas não menos opressiva, que abre espaço para alguns segundos espetaculares por parte de Genevieve O’Reilly em que sua atuação transparece exatamente aquilo que Sculdun diz para sua personagem, que ela mentiu ao dizer que não está pensando na proposta. Pensem só o quanto a personagem Se essa “troca” acabar ocorrendo, veremos, ao vivo e a cores o tipo de sacrifício que Rael explicita para Lonni e, de quebra, tudo o que vimos da mínima participação de Mon Mothma na Trilogia Original ganhará um fascinante e pesado contexto.

Prometi voltar à fuga da prisão e aqui estou eu para cumprir a promessa. Há dois grandes destaques nessa sequência e nenhum deles é, necessariamente, a mecânica da fuga em si, pois esta é consideravelmente comum, ainda que muito bem executada em termos cinematográficos, com outro exemplo relevante de construção de tensão e peso dramático para todas as ações. O primeiro destaque é o quanto essa sequência mantem-se fiel ao que sabemos e esperamos de Cassian Andor. Ele é um homem estoico, que não chama atenção para si mesmo, mas que, quando precisa agir, ele age sem nenhum tipo de hesitação ou remorsos. Vimos isso no começo de Rogue One, vimos isso já por duas vezes em sua série solo e, aqui, ele repete a dose, não com violência apenas, ainda que isso naturalmente faça parte, mas sim com seu esforço de convencimento de Kino Loy, um homem que viu seu mundo de “contar turnos para sair de seu cárcere” virado de cabeça para baixo quando ele descobre que não há fim para o tormento daqueles presos pelo Império. Andor sabe que a voz de comando de Loy é importante para tornar a fuga possível em tão pouco tempo e, claro, seu trabalho gera dividendos.

E são esses dividendos que, juntos, formam o segundo destaque da sequência e que pode ser resumido à outra interpretação incrível do episódio, desta vez de Andy Serkis. Há um milhão de camadas no trabalho dramático do ator que, um dia, especializou-se em “vestir” figurinos digitais. Seu Loy é um líder incontestável, mas ele é, também, um homem condicionado há anos a fazer apenas uma coisa todos os dias com um objetivo em mente. Serkis consegue convencer completamente como um homem lutando contra si mesmo, um homem que, talvez mais do que muitos ali na prisão, sabe que não tem como escapar por não saber nadar, algo que só descobrimos ao final, mas um homem que, ao ver seu sonho de liberdade destruído, não tem outra opção que não trabalhar em prol daqueles que compartilham seu destino. Seu comando da sala ganha outra dimensão quando, impulsionado por Andor, ele, então, tem seu momento de glória ao falar com todos os cinco mil detentos ao mesmo tempo, impulsionando-os a lutarem juntos mesmo sabendo que muitos morrerão no processo. Como disse lá no começo, Gilroy poderia ter tramado uma simples fuga de prisão, mas ele nos entrega bem mais do que isso mesmo quando lida apenas com a fuga de prisão.

E, com isso, Star Wars: Andor continua, episódio a episódio, a solidificar-se não só como uma das mais relevantes obras da franquia como um todo, mas também como uma das grandes surpresas da televisão em 2022. Com mais um arco encerrado, a temporada, infelizmente, caminha para seus dois episódios finais que marcarão o retorno do showrunner ao roteiro e Benjamin Caron, de Announcement, à direção.

Star Wars: Andor – 1X10: One Way Out (EUA, 09 de novembro de 2022)
Desenvolvimento: Tony Gilroy
Direção: Toby Haynes
Roteiro: Beau Willimon
Elenco: Diego Luna, Kyle Soller, Denise Gough, Malcolm Sinclair, Anton Lesser, Andy Serkis, Duncan Pow, Christopher Fairbank, Clemens Schick, Brian Bovell, Tom Reed, Josef Davies, Rasaq Kukoyi, Genevieve O’Reilly, Alastair Mackenzie, Ben Miles, Fiona Shaw, Joplin Sibtain, Adria Arjona, Dave Chapman, Faye Marsay, Varada Sethu, Stellan Skarsgård, Elizabeth Dulau, Joshua James, Richard Dillane, Robert Emms
Duração: 45 min.

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