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Crítica | Star Wars: Andor – 1X11: Daughter of Ferrix

Até androides podem chorar.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Uma das mais clássicas e impressionantes características de Star Wars é como a franquia quase que uniformemente consegue extrair sentimentos convincentes de objetos essencialmente inanimados. Seja o impassível capacete de Darth Vader transmitindo sua dúvida entre fidelidade ao Imperador ou amor ao seu filho em O Retorno de Jedi, ou os famosos androides amigos C-3PO e R2-D2 ao longo de vários filmes, ou ainda o ameaçador, sarcástico, mas fiel K-2SO em Rogue One. Em Star Wars: Andor, a introdução do defeituoso B2EMO tinha essa mesma função que, em Daughter of Ferrix, é completamente realizada.

Maarva Andor, mãe adotiva de Cassian, morreu off screen e nós acompanhamos essa triste história pelo ponto de vista do pequeno androide provavelmente inspirado pelo design de V.I.N.C.E.N.T., de O Buraco Negro. Nós o vemos “acordar” na casa onde mora com sua “mãe” possivelmente há décadas, testemunhamos sua profunda tristeza pelo ocorrido e, mais ainda, seu medo de ficar sozinho, com o trabalho de voz de Dave Chapman juntamente com a mágica da manipulação das partes móveis do androide criando toda a emoção necessária que realmente nos convence dos sentimentos de uma máquina. B2EMO tem as reações genuínas de uma criança assustada que precisa ser confortada por alguém que confia, no caso o simpático Brasso (Joplin Sibtain), que promete “adotá-lo”.

A direção de Benjamin Caron em tudo que gira ao redor da dor do androide é delicada, com o cineasta mantendo a câmera sempre em sua altura e ponto de vista, mesmo quando o corpo de Maarva é retirado da casa, e retornando ao inesquecível personagem ao final do episódio, quando ele pede para Brasso passar a noite ali com ele. É um teste de “hombridade” não se emocionar com o carinho de Caron e do roteiro de Tony Gilory com o androide que, a partir de agora, pode facilmente figurar entre os personagens robóticos mais fascinantes da franquia.

A observação de toda a movimentação a partir de B2EMO funciona também de outra forma em Daughter of Ferrix, como a poética e melancólica introdução – ou, melhor dizendo, reintrodução – de um elemento essencial para o funcionamento da série: a paranoia orwelliana de que todos estão sendo vigiados o tempo todo. Não que a temporada tenha alguma vez perdido vista dessa característica, mas, aqui, ela retorna com força total e de diversas maneiras diferentes. Há as abordagens mais evidentes, como a presença do espião imperial Corv (Noof Ousellam) e da espiã rebelde Cinta ironicamente em um mesmo ambiente em Ferrix sem que um saiba do outro e há as abordagens mais discretas e delicadas como Mon Mothma observando de longe sua filha Leida (Bronte Carmichael) liderando um ritual antigo de seu planeta, ou Eedy Karn bisbilhotando a conversa videofônica de seu filho Syril. Há cenas inteiras carregadas de desconfiança que só amplifica o clima de paranoia, como as de Luthen Rael conversando com Saw Gerrera em seu esconderijo ou Vel Sartha quebrando o rígido protocolo para passar uma mensagem para Rael por intermédio de Kleya Marki. Até mesmo a nave imperial que persegue o rebelde disfarçado de antiquário carrega visualmente o tema do Grande Irmão sempre vigilante com suas três gigantescas antenas parabólicas que facilmente levariam Harry Caul a ter um ataque cardíaco fulminante.

Falando no personagem do clássico esquecido de Francis Ford Coppola, aliás, é admirável como a direção de arte do episódio retorna completamente para a atmosfera claustrofóbica de filmes setentistas do gênero, usando a sujeira do “espaço vivido” de Star Wars plenamente a seu favor para criar uma ambientação milimetricamente desagradável, feita para incomodar e para inquietar que estaria em casa em Operação FrançaChinatown e Três Dias do Condor, dentre outros. Digo retorna, pois, apesar de haver a mesma função com a prisão em Narkina 5, lá a construção era completamente diferente, ainda que não menos cuidadosa e eficiente.

E, como se isso já não bastasse, Daughter of Ferrix ainda brinda o espectador com uma totalmente inesperada e magistralmente conduzida batalha espacial no momento em que o Império tenta parar Luthen Rael em sua nave e o experiente veterano decide fugir, lidando não só com o raio trator, como também com caças e bombardeiros TIE. Acho que é até possível dizer que Gilroy resolveu dar um presente a quem estava sentido falta de “sabres de luz” com o uso de um “sabre duplo” que sai das laterais da nave de Rael para liquidar com os caças restantes em uma jogada surpreendente.

Mais uma vez, o próprio Cassian Andor, apesar de espiritualmente presente em todos os lugares, aparece pouco, primeiro ao final de sua fuga de Narkina ao lado de Melshi (Duncan Pow novamente no papel que viveu em Rogue One), com direito a um raro (na série) encontro com uma espécie não-humana e, logo em seguida, em Niamos para ele recuperar sua caixa com valiosos pertences. Claro que sua cena mais importante eu já citei acima, ou seja, sua comunicação com Ferrix que o leva a descobrir sobre o falecimento de sua mãe que certamente será, considerando como ele é destacadamente citado em quase todos os núcleos narrativos, o ponto de convergência final para o encerramento da temporada.

Se eu por um segundo tiver a permissão de falar de um aspecto negativo, confesso que não gostei muito da conversa de Rael com Gerrera, pois ela me pareceu uma repetição do grande momento do episódio anterior, em que Rael fala sobre a necessidade do sacrifício de Anto Kreegyr (que finalmente vemos em um holograma!) e dos integrantes de sua célula rebelde. Entendo perfeitamente que é outro contexto e que era importante que Gerrera retornasse à temporada mais uma vez pelo menos em razão do primeiro encontro entre os dois, mas achei que a cena em si poderia ter sido encurtada para evitar um discurso bis in idem (para nós) de Rael.

Embalado por uma trilha sonora assombrosa, mas discreta, composta por Nicholas Britell, cujo trabalho com instrumentos de cordas faz música para Star Wars como raramente vista fora da grandiosidade de John Williams, Daughter of Ferrix é mais um grande acerto em uma série que se recusa a fazer algo que possa sequer ser classificado como apenas “muito bom”. O único real problema, que já me deixa cabisbaixo e entristecido como B2EMO, é que só falta mais um episódio para a temporada acabar…

Star Wars: Andor – 1X11: Daughter of Ferrix (EUA, 16 de novembro de 2022)
Desenvolvimento: Tony Gilroy
Direção: Benjamin Caron
Roteiro: Tony Gilory
Elenco: Diego Luna, Kyle Soller, Denise Gough, Stellan Skarsgård, Genevieve O’Reilly, Faye Marsay, Adria Arjona, Joplin Sibtain, Varada Sethu, Dave Chapman, Duncan Pow, Elizabeth Dulau, Bronte Carmichael, Kathryn Hunter, Noof Ousellam, Aidan Cook, Forest Whitaker
Duração: 45 min.

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