Revolução não é para os sãos.
– Gerrera, Saw
- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas da temporada anterior.
Provavelmente a primeira coisa que vem à mente quando pensamos lembramos de Rogue One e da primeira temporada de Andor é o quanto é sensacional vermos os detalhes do nascimento da Aliança Rebelde, como os interesses divergentes convergem, mesmo que tropegamente, e o preço indizível que é necessário pagar. Isso obviamente continua na segunda temporada da série criada por Tony Gilroy, mas, agora, graças a roteiros cuidadosamente escritos, o Império deixou de ser aquela entidade gigantesca e quase cartunescamente maligna capaz de matar quase todos os Jedi com uma ordem dada pelo rádio e destruir planetas com raios laser disparados do espaço. Sim, ver Alderaan ser destruída com sua única sobrevivente testemunhando tudo ainda por cima é horrível, mas é também instantâneo e quase que um atalho narrativo – excelente, sem dúvida – para deixar muito claro logo na largada o que o Império é capaz de fazer. No entanto, tenho para mim que é muito mais horrível testemunhar as minúcias de um plano de destruição endógena e sistemática de um planeta paradisíaco para minerar uma substância valiosa para alimentar a máquina de guerra e subjugação que começa com a manipulação da célula rebelde local, um primeiro passo para que basicamente ninguém na galáxia se importe com o destino do cobiçado lugar.
O Império tinha personalidade, mas, agora, com o plano secreto colocado em movimento no segundo arco da última temporada de Andor, ele ganha identidade e profundidade, algo que Gilroy já tinha conseguido fazer com a Rebelião, resultando em um embate realista de ações e de mentes que deixa para trás o plano geral do bem contra o mal como essas duas entidades eram enquadradas e vai diretamente para o close-up, para o plano detalhe mesmo, que mostra cada engrenagem de cada lado lentamente girando e, cada novo clique, mostrando que nada é tão facilmente classificável. Vejam como é fascinante o jogo criado nessa segunda trinca de episódios que, como esperado, pula mais um ano para a frente: (1) sem contar todo o plano para Syril Karn (Kyle Soller), Dedra Meero (Denise Gough) o transferiu para Ghorman de forma que ele atraia a atenção da resistência local e provoque uma ação violenta por parte dela de forma que o Império tenha justificativa para tomar o controle do planeta, permitindo, então, a mineração da preciosa substância; (2) com a intenção de trazer a Resistência de Ghorman para a Aliança Rebelde, Luthen Rael (Stellan Skarsgård) envia Cassian Andor (Diego Luna) para lá para que ele faça uma avaliação da situação, mas com a franca intenção de ajudar no que for preciso; (3) como Cassian não vê futuro no que a Resistência quer fazer, Luthen fica desapontado com seu agente e manda Vel Sartha (Faye Marsay) e Cinta Kaz (Varada Sethu) para fazer o que ele acha que Cassian deveria ter feito, resultando no sucesso do que Deedra intencionava e na trágica morte de Cinta.
Fica evidente, como em O Império Contra-Ataca, que “o Império ganhou” esse round da luta graças à combinação de uma plano engenhoso de Deedra que contou com doses gigantescas de paciência e da manutenção de um segredo de seu próprio parceiro com a ganância e cegueira de Luthen que, vendo apenas o que estava imediatamente à sua frente, descartou o aconselhamento de Cassian. E os roteiros de Beau Willimon, criador da versão americana de House of Cards que retorna à série para emprestar sua impressionante capacidade de concisão narrativa, conseguem verdadeiramente transformar essa segunda trinca de episódios em um longa-metragem coeso e completo que coloca o citado conflito em relevo para destacar o Império e, ao mesmo tempo, fazer de Cassian não exatamente o protagonista, mas sim uma peão de um tabuleiro com jogadas pré-estabelecidas que crava uma cunha profunda entre ele e Luthen, especialmente depois que seu “chefe” se aproxima de uma traumatizada e fragilizada Bix Caleen (Adria Arjona) também como parte do que ele não consegue mais ser: são. Porque sim, a frase que citei na abertura da presente crítica dita por Saw Gerrera (Forest Whitaker) para um atônito Wilmon Paak (Muhannad Bhaier) aplica-se a ele próprio, mas também a Luthen, Bix, Cassian e todos aqueles que, sem olhar para trás e, por isso, às vezes sem enxergar o que está ao seu redor, seguem em frente em seus propósitos nem sempre exatamente convergentes.
Falando na participação especial alongada de Whitaker, confesso que minha vontade inicial era de afirmar que toda sua história com Wilmon e seu (nada fiel) escudeiro Pluti (Marc Rissmann) me pareceu mais fan service que revela como Gerrera tornou-se um proto-Darth Vader em Rogue One, mas eu não consigo, pelo menos não assim gratuitamente. Whitaker é uma força da natureza e seu personagem, quando surgiu no filme de 2016, representou a primeira vez em que vimos o dissenso entre os Rebeldes, imediatamente tornando-se inesquecível. E, aqui, em sua versão pré-respirador (que só tínhamos visto em animação), ele é a encarnação da insanidade resultante da guerra, da prisão, da tortura e de seu desejo não de ver a democracia voltar exatamente, mas sim de se vingar. Essa narrativa paralela dele nos dois primeiros episódios desse arco pode não ser essencial, pode não ter sido inserida da melhor maneira possível, pois pareceu solta, mas o poder dos momentos que ele protagoniza, notadamente o assassinato de Pluti (fiquei na dúvida e continuo na dúvida se ele não plantou a ideia de que ele era um traidor) e a revelação de que ele é um viciado em rhydonium que leva Wilmon ao mesmo caminho, fazem mais do que valer esse “desvio” e acaba até reforçando e paralelizando as ações supostamente mais “civilizadas” de Luthen em seu meio rico e sofisticado.
Eu poderia escrever muito mais sobre esse segundo arco, falar do monumento na praça central de Palmo que marca o massacre ocasionado pelo Grão Moff Tarkin e da caracterização da resistência de lá mais diretamente como a resistência francesa na Segunda Guerra Mundial com a língua, arquitetura e até figurinos, da participação especial de Ben Mendelsohn com seu Krennic em um ótimo embate com Mon Mothma (Genevieve O’Reilly) – que, vale lembrar, tenta costurar aliança no senado contra o Império e sai derrotada – e da tensa cena entrecortada em que Kleya Marki (Elizabeth Dulau), usando o nervoso Lonni Jung (Robert Emms) como distração e escudo, tenta retirar um microfone de um livro antigo que ela havia plantado e que poderia desmascarar a operação de Luthen, além do sofrimento e entorpecimento de Bix e de sua vingança ao final contra o maligno Dr. Gorst (Joshua James), uma cena talvez rápida demais, mas gratificante e, claro da reescalação do senador Bail Organa, tradicionalmente vivido por Jimmy Smits, mas que, por conflito de agenda, teve que ser brevemente encarnado por Benjamin Bratt. E isso sem contar com meus eternos comentários sobre como Andor consegue ser imersiva ao trabalhar a ambientação mundana de espaço realmente vivido de maneira que não se via nesse nível desde a Trilogia Original (Rogue One faz isso, mas com menos opções do cotidiano, por assim dizer), com hotéis, bares, becos escuros, apartamentos assépticos e outros depressivos, praças, outra festa chique e assim por diante. No entanto, isso aqui é uma mera crítica e não uma tese sobre como Andor transforma Star Wars em algo magnífico novamente, só que de maneira completamente diferente das que já foram feitas antes, trabalhando com lupa e não com luneta, focando nos detalhes com vagar e temperança, corajosamente abrindo mão de sequências de ação e entregando uma série que rivaliza o que de melhor já foi feito na franquia.
Star Wars: Andor – 2X04, 2X05 e 2X06: Já Esteve em Ghorman? / Tenho Amigos em Todos os Lugares / Que Noite Festiva (Star Wars: Andor – 2X04, 2X05, 2X06:Ever Been to Ghorman? / “I Have Friends Everywhere / What a Festive Evening – EUA, 29 de abril de 2025)
Desenvolvimento: Tony Gilroy
Direção: Ariel Kleiman
Roteiro: Beau Willimon
Elenco: Diego Luna, Genevieve O’Reilly, Stellan Skarsgård, Adria Arjona, Denise Gough, Muhannad Bhaier, Kyle Soller, Faye Marsay, Varada Sethu, Ben Mendelsohn, Forest Whitaker, Anton Lesser, Kathryn Hunter, Marc Rissmann, Robert Emms, Benjamin Bratt, Richard Dillane, Joshua James
Duração: 57 min. (2X04), 57 min. (2X05), 58 min. (2X06)