Faça valer a pena.
Andor, Cassian.
- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas da temporada anterior.
O terceiro arco da segunda e última temporada de Star Wars: Andor começa, como de praxe, avançando um ano no tempo, para 2 a.BY, e mais uma vez transforma esse interregno em uma ousada elipse que se recusa a explicitar detalhes do que ocorreu, fazendo com que o espectador ligue os pontos, tire suas conclusões e construa ele próprio essa ponte. E não falo dos eventos em Ghorman, pois esses são diretamente abordados por meio das diversas reportagens de TV e rádio controladas pelo Império que vemos e ouvimos ao longo de Mensageiro, o episódio 2X07, mas sim de cada personagem relevante para a narrativa, começando por um Andor que se distanciou de Luthen Rael depois do que ele interpretou como uma traição e se juntou aos rebeldes mais abertamente militares em Yavin-4, levando um tiro no ombro direito em algum momento nos últimos meses e continuando com Bix, Wilmon, Mon Mothma, Syril, Dedra e até mesmo Vel.
Cassian é um homem repleto de dúvidas e tudo o que ele parece querer é ter a liberdade de escolher o que fazer, mas essa liberdade, em uma galáxia tolhida pelo Império, é um luxo que ele lá no fundo percebe que não pode ter mesmo quando, passados todos os momentos de tensão, ele decide – com aquela hesitação bem lá no fundo – trocar essa sua vida de missões arriscadas por um futuro com Bix, fazendo com que ela tenha então que escolher por ele, escolher largá-lo para que ela não seja a razão pela qual ele abandonará a Rebelião. E o que ele fala para ela na noite anterior é a mais pura verdade para ele, ou seja, que ele não tem nada de especial, que o que o diferencia dos demais é que ele parece ter tido mais sorte do que os outros e essa sorte alguma hora acabará (nós sabemos bem quando ela acaba, não é?). Mas Bix – com ou sem a reconfirmação da curadeira que manipula a Força em um uso excelente de um misto de charlatanismo com misticismo – sabe que ele é importante e que sua humildade em achar que ele não é assim tão especial não condiz com a realidade dos fatos. E o espectador sabe disso, sabe que, desde quando o personagem é apresentado em Rogue One, ele é capaz de fazer qualquer coisa, de estalo, por mais dolorosa que essa coisa possa ser, pela causa. Cassian mata quem ele tiver que matar para manter a Rebelião viva e, reparem, ele só saca sua arma para justamente matar, nunca para intimidar ou apenas mostrar quem manda. E é exatamente isso que acontece em sua missão de retirar Mon Mothma do senado depois de seu discurso inflamatório condenando pessoalmente o Imperador Palpatine pelo ocorrido em Ghorman e deixando entrever que a ajuda que ela recebe de Bail Organa é pelo menos uma, se não for a razão pela qual Alderaan acaba destruído não muito tempo depois.
Falando em Ghorman, é impressionante como Quem É Você?, o episódio 2X08, foi construído, não? A missão de Cassian era assassinar Dedra, mas essa missão não passou de um artifício bem engendrado pelo roteiro para permitir que víssemos cada elemento que dá forma ao inevitável massacre a partir do ponto de vista do protagonista. Observador, ele imediatamente percebe que há algo errado na movimentação imperial e sua presença na praça e, depois, em fuga, do lado de fora, é quase que completamente como alguém que nada pode fazer para mudar o rumo das coisas. Ele sabia disso desde a primeira vez que colocou os pés por lá para avaliar a resistência local, concluindo que eles não deveriam recrudescer para a decepção de Luthen que, mesmo assim, segue adiante usando Vel e Cinta, basicamente levando a esse momento. No entanto, o que mais chama atenção no episódio do meio deste terceiro arco é como ele nos faz ver todos aqueles horríveis eventos também pelos olhos do império, notadamente os de Dedra e Syril, o segundo tendo sido manipulado pela primeira que, por sua vez, como ela descobre ali mesmo, também foi manipulada por Partagaz, criando uma cadeia trágica de segredos e meias verdades que faz o espectador sofrer pela população local e também por membros do império que não passam de peões em um jogo cruel cujo tabuleiro eles sequer conseguem enxergar ou até imaginar que existe.
Tenho certeza de que muita gente, depois desse arco, dirá que finalmente a segunda temporada engrenou, que tudo o que veio antes foi cansativo demais e que poderia ter sido encurtado e até eliminado. Apesar de compreender perfeitamente que o ritmo de Andor é bem diferente de qualquer coisa nesse universo, até mesmo de Rogue One, e, diria mais, de qualquer grande franquia de grande alcance, essa percepção está insofismavelmente equivocada. A trinca de episódios formada por Mensageiro, Quem É Você? e Bem-Vinda à Rebelião não teria nem de longe o mesmo efeito sem toda a calma construção dos seis episódios anteriores e também da primeira temporada. Não basta saber em linhas gerais quais eram os riscos do começo de uma rebelião ou o quão malvado o Império poderia ser, era essencial presenciarmos isso de pouco a pouco, entender o jogo de manipulação tanto dos funcionários do Império quanto da circulação de informação, perceber o quanto a Rebelião ainda não é um movimento unificado, que se movimenta de maneira sincronizada e o quanto mesmo no seio desse inconformismo, há profundas desconfianças e uma infinidade de segredos. Sem isso, não compreenderíamos – ou melhor, não sentiríamos – a fúria e a frustração de Mon Mothma quando Luthen Rael revela que seu secretário na verdade trabalha para ele e não para ela. Não perceberíamos o quanto Bix se sacrificou pela causa, mesmo que ela tenha presença de tela relativamente reduzida. Não compraríamos o relacionamento complicado de Dedra com Syril e também o deste último com sua mãe e passaríamos longe de notar sua frustração profunda quando Cassian pergunta quem ele é bem no meio da pancadaria. Sequer seríamos capazes de realmente internalizar e reconhecer a validade das dúvidas de Cassian sobre o que ele quer realmente fazer da vida. Ação sem construção é como fogos de artificio, só brilham e fazem barulho, mas não têm substância alguma, e Tony Gilroy parece compreender isso como ninguém no comando de uma série de uma franquia bilionária em que todos os envolvidos – que produzem e que consomem – normalmente só querem mesmo o show de som e luzes sem nenhum tipo de âncora dramática muito complicada.
Star Wars: Andor não é só fogos de artifício e também não é só Star Wars. É muito mais. Temos, aqui, um raro exemplo de uma mente criativa que não se contenta com os limites impostos por uma franquia e que consegue, de maneira muito bem sucedida, fazer com que sua obra transcenda não só seu lugar pré-determinado, como também até o gênero em que está inserida. Talvez a vontade de Cassian Andor de fazer aquilo que deseja, sem receber ordens de ninguém, seja o grande e secreto subtexto que Tony Gilroy enxertou em sua narrativa, pois a série que ele criou sobre a formação da Rebelião é, de seu próprio jeito, a epítome da rebeldia audiovisual dentro de enormes conglomerados que gostam de ditar regras com o objetivo de minerar cifrões. Precisamos de mais Tony Gilroys por aí e, mais do que isso, precisamos de um público consumidor que também se rebele contra aquilo que está acostumado a ver, tornando-se mais receptivo a obras dessa natureza.
Obs: Mesmo que por apenas um segundo, que bom foi ouvir Alan Tudyk de volta ao seu K-2SO!
Star Wars: Andor – 2X07, 2X08 e 2X09: Mensageiro / Quem É Você / Bem-Vinda à Rebelião (Star Wars: Andor – 2X04, 2X05, 2X06: Messenger / Who Are You? / Welcome to the Rebellion – EUA, 06 de maio de 2025)
Desenvolvimento: Tony Gilroy
Direção: Janus Metz
Roteiro: Dan Gilroy
Elenco: Diego Luna, Genevieve O’Reilly, Stellan Skarsgård, Adria Arjona, Denise Gough, Elizabeth Dulau, Muhannad Bhaier, Kyle Soller, Faye Marsay, Anton Lesser, Kathryn Hunter, Marc Rissmann, Benjamin Bratt, Alan Tudyk, Jonjo O’Neill
Duração: 46 min. (2X07), 50 min. (2X08), 60 min. (2X09)