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Crítica | Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma

por Ritter Fan
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estrelas 1

Tenho plena consciência que reclamar da Trilogia Prelúdio de Star Wars tornou-se lugar-comum e algo muitas vezes até visto como coisa de “nerd chato que não tem mais o que fazer”. Mas o que poucos realmente param para fazer é analisar os filmes com frieza e claridade de pensamento. O nerd chato (sim, sou um deles e não tenho vergonha disso) não pode ser apenas isso e tem que ir além e entender se esses filmes realmente merecem o escárnio de boa parte dos fãs.

O que posso dizer, depois de ver e rever A Ameaça Fantasma é que sim, ao menos este filme merece toda a ojeriza de fãs da franquia ou de Cinema como um todo. E minha análise não se pauta apenas em equívocos de roteiro que ferem de morte a mitologia estabelecida pela Trilogia Original (como a desmistificação da Força com os malditos midichlorians), mas principalmente em questões técnicas como o uso da computação gráfica, as atuações, a fotografia e a direção de George Lucas. Falarei também do roteiro, claro, mas esse é apenas um dos elementos que me levam à conclusão que o resultado final é imprestável.

Mas vamos por partes.

Quando vi o filme pela primeira vez (e foi à meia-noite do dia anterior ao lançamento, cercado de gente fazendo os mais variados cosplays em um cinema dos EUA), minha euforia estava em níveis estratosféricos. Era um novo Star Wars depois de 16 anos de secura, ora bolas. Como eu poderia não estar completamente ensandecido com esse acontecimento? E entrei no cinema com a galera (e não, não estava fantasiado…) e aplaudi e gritei com o logotipo da Lucasfilm e a fanfarra da Fox na abertura e com cada acontecimento ao longo da projeção: Obi-Wan novo, Anakin criança, corrida de pods, Darth Maul, Duel of the Fates tocando ao fundo. Um êxtase do começo ao fim.

No entanto, o que começou a acontecer naquele mesmo ano, com sucessivos repetecos no cinema e depois em vídeo ao longo dos anos seguintes, é o que separou o fã cego babão do crítico de cinema. Gostar de A Ameaça Fantasma não é nenhum crime, mas fechar os olhos para seus gigantescos problemas e relevar os desgovernos imperdoáveis de Lucas é sim um crime. E inafiançável.

A experiência de George Lucas na direção de obras cinematográficas nunca foi extensa. Ele começou com o mal recebido THX-1138, partiu para o sucesso Loucura de Verão e, então, estourou com Guerra nas Estrelas, um filme independente, mas com cara, orçamento e bilheteria de blockbuster, expressão essa que, junto com Tubarão, ajudou a cunhar. Depois, Lucas se afastou da direção, tendo muito mais cargo de bastidor na LucasFilm do que qualquer outra coisa, ainda que tenha tido que segurar as rédeas em O Retorno de Jedi. Aliás, talvez tenham sido suas intromissões e seus micro-gerenciamentos no fechamento da Trilogia Original que tenham despertado, anos depois, sua vontade de dirigir a nova trilogia. Era sua propriedade e só ele poderia fazer jus a ela.

Essa sua prepotência e paranoia em cuidar de todos os aspectos da produção deu no que deu. Apesar do sucesso de bilheteria, A Ameaça Fantasma naufraga em quase todos os aspectos. Comecemos pelos efeitos especiais, pedra fundamental da Trilogia Original de Lucas que fundou uma empresa que revolucionou esse mercado. O filme usa a computação gráfica sem dó nem piedade, resultando em uma fita que não é muito diferente de um desenho animado com alguns atores reais contracenando (mal) com chroma key. O comedimento da Trilogia Original, que misturava brilhantemente efeitos práticos com óticos, desaparece em A Ameaça Fantasma. Dos cenários aos personagens, passando pelas naves e imagens de fundo, tudo é, essencialmente, um grande desenho animado.

A impressão que fica é de algo falso, com personagens em computação gráfica que simplesmente não convencem ao contracenar com atores reais. Sim, a ILM ainda conseguiu impulsionar a tecnologia de captura de performance com o tenebroso Jar Jar Binks e outros personagens (Boss Nass e Watto são os mais relevantes depois de Binks), mas, na projeção, eles não têm peso, não parecem efetivamente existir naquele mundo. Ou, ao menos, os atores reais não parecem combinar com esse mundo. Em muitos momentos, a comparação com Uma Cilada para Roger Rabbit é inevitável. Onze anos antes, Robert Zemeckis fundiu desenhos com live-action de maneira muito mais relevante e crível (dentro de sua proposta, claro) que Lucas em seu projeto para reviver sua franquia.

Aquela impressão de “mundo vivido” que tanto caracterizou a Trilogia Original desaparece aqui e é trocada por uma limpeza constrangedora, um polimento exagerado. Sabem aqueles anúncios de produtos de limpeza de banheiro ou de cozinha que mostram o quão imaculado fica o ambiente depois do detergente tal ser usado? É exatamente essa impressão que tenho desse mundo asséptico/falso de George Lucas.

E a computação gráfica causa um outro problema sério que, combinada com a pouca habilidade (ou experiência, chame do que quiser) em direção cinematográfica, termina por descarrilar A Ameaça Fantasma: a sofrível qualidade das atuações. Apesar de um elenco formado por dois atores experientes – Liam Neeson e Ewan McGregor – e uma atriz que seria efetivamente projetada para o mundo (seu primeiro filme foi o sensacional O Profissional) por seu papel de Rainha Amidala, Natalie Portman, o que vemos na tela é um show de horrores. Neeson está perdido entre um Mestre Jedi filosófico e um hippie insuportável e McGregor não sabe nem mesmo para que lado olhar. Portman, então, com aqueles figurinos que seriam o orgulho de Joãozinho Trinta, parece completamente perdida e deslocada, sem conseguir pronunciar uma frase sequer que não seja de maneira robótica, como se estivesse lendo um teleprompter.

A cereja no bolo, porém, fica com Jake Lloyd no papel do jovem Anakin Skywalker. O menino, com todo seu rostinho angelical, realmente não sabe atuar, mas é impossível culpá-lo completamente. Lucas falhou feio aqui tanto em sua escalação quanto em sua direção. Lloyd só mexe em botões e alavancas, faz cara de cachorro pidão e grita “Yiiipeee” o filme todo, demonstrando o quão fraco são os diálogos da obra.

E, efetivamente, o roteiro de A Ameaça Fantasma navega entre complicações desnecessariamente idiotas (Federação de Comércio? Bloqueio a Naboo? Votos no Senado Galático? Siths que só podem existir em pares?) e diálogos pueris e artificiais que são o equivalente falado ao arranhar de um quadro negro por unhas compridas. São seguidos momentos de vergonha alheia que não só desmontam a mitologia anteriormente estabelecida, como tentam justificar determinados caminhos tomados com criações pseudo-filosóficas que são de revirar os olhos.

Ainda falando sobre roteiro, mas também abordando a montagem de Ben Burtt e Paul Martin Smith, que sofreram tremendamente com o micro-gerenciamento de Lucas, há determinadas escolhas que simplesmente não fazem sentido e são extremamente mal executadas. Uma delas é o ponto alto da primeira metade da fita: a corrida de pods. Ela existe única e exclusivamente para justificar uma frase em Guerra nas Estrelas que Ben Kenobi diz a Luke sobre já ter conhecido Anakin como um excelente piloto. Os espectadores sabem que (1) Anakin não morrerá e (2) Anakin ganhará a corrida (se você se surpreendeu com isso, então você definitivamente não vê muitos filmes). Portanto, a corrida poderia ser poderosa, mas breve. Ao contrário, porém, ela é longa e diluída em intermináveis tomadas que os montadores insistem em manter na integralidade de maneira a estender uma sequência que não tem relevância algum dentro da estrutura da narrativa.

Mais para a frente, já na esticada sequência tripartite final – o exército de Gungans em Naboo, a invasão do Palácio de Naboo por Qui-Gon Jinn e companhia e a batalha espacial inexplicavelmente protagonizada por Anakin – que tenta emular o que vemos ao final de O Retorno de Jedi, os problemas da montagem, agora em forma de montagem paralela, voltam com força total. Além de sequências longas e desnecessárias, os cortes bruscos literalmente no meio de movimentos-chave de determinados personagens levam estranheza e um certo desnorteamento ao espectador. É como ver três filmes diferentes ao mesmo tempo, tamanha é a inabilidade do roteiro e da montagem em suavemente encaixar as peças da narrativa.

Tenho certeza que muitos de vocês que leram minhas reclamações até aqui esperam um “porém”, uma exceção à minha sana selvagem em destruir A Ameaça Fantasma. E tenho certeza que vocês imaginam que esse “porém” virá na forma do combate entre Qui-Gon, Obi-Wan e Darth Maul. Sinto desapontá-los. A grande revelação final do vilão nas sombras com sabre de luz duplo é imponente e ganha peso com a magnífica trilha sonora de John Williams (mais sobre isso abaixo), mas é só. O que vemos, depois, é algo como O Lago dos Cisnes com sabres de luz, mas no mal sentido.

Deixe-me explicar. Lembram-se dos duelos entre Vader e Obi-Wan (mais velho) em Guerra nas Estrelas e Vader e Luke em O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi? Mesmo com as restrições técnicas das épocas em que foram filmados, o senso de perigo é latente. Sentimos a ameaça em cada golpe, o sacrifício em cada defesa. É verdade que há pouca movimentação dos atores e os golpes são, para os padrões atuais, simplistas e básicos, mas todos esses duelos carregam peso narrativo, ou seja, o foco é na história que contam, não no duelo em si. Conseguem perceber a diferença? O “trielo” em A Ameaça Fantasma existe porque ele pode existir e porque Qui-Gon precisa morrer (essa é a única razão de ele existir no filme afinal de contas). Portanto, em termos de história, essa sequência tem função limitada, estando lá para deslumbrar com os pulos, cambalhotas e movimentações incríveis de Ray Park como o vilão.

No entanto, mesmo a “luta pela luta” desaponta pelo fator O Lago dos Cisnes que mencionei acima. Tudo é milimetricamente coreografado, mas não para parecer real e sim para ser o que é, um balé com sabres de luz. Reparem que cada golpe desferido já é esperado por uma defesa pré-estabelecida e pré-posicionada. Vejam a luta em câmera lenta e repararão que não há surpresas nos golpes, apenas uma combinação do tipo “você golpeia de cima que eu defendo embaixo”, “você ataca pela direita que eu pulo por cima de sua lâmina” e por aí vai. A artificialidade de toda a sequência é, infelizmente, de trincar os dentes e faz ruir qualquer impressão de veracidade  que ela pudesse ter.

Mas a trilha sonora de John Williams é uma conversa à parte e, juntamente com o design de Darth Maul e seu sabre de luz, é a única razão pela qual A Ameaça Fantasma não recebeu zero estrela. Williams desconstrói e reconstrói completamente suas composições para a Trilogia Original, criando novas músicas e leit motifs que se encaixam perfeitamente no conceito de um prelúdio. Em poucas palavras, tudo aquilo que Lucas não conseguiu fazer com o filme, Williams fez com a música. E, fugindo de seu usual, ele ainda ousou com a bela Duel of the Fates para o mencionado “trielo” final, com uso de coral e contornos operáticos irretocáveis.

No entanto, a música de John Williams, por melhor que possa ser, não consegue retirar a produção do desapontamento que ela é. A Ameaça Fantasma, seja o espectador um fã ou não, não se sustenta como obra cinematográfica de qualidade. É um desserviço à franquia que, muito sinceramente, preferiria que nunca tivesse existido.

Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma (Star Wars: Episode I – The Phantom Menace, EUA – 1999)
Direção: George Lucas
Roteiro: George Lucas
Elenco: Liam Neeson, Ewan McGregor, Natalie Portman, Jake Lloyd, Ian McDiarmid, Pernilla August, Oliver Ford Davies, Hugh Quarshie, Ahmed Best, Anthony Daniels, Kenny Baker, Frank Oz, Terence Stamp, Brian Blessed, Andy Secombe, Ray Park, Lewis MacLeod, Warwick Davis, Steve Speirs, Silas Carson
Duração: 136 min.

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