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Crítica | Star Wars: Visions – 2ª Temporada

O mundo é Star Wars.

por Ritter Fan
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Avaliação geral

A concepção de uma antologia de curtas animados sem amarras com continuidade ou canonicidade dentro do universo Star Wars é uma daquelas ideias tão boas, mas tão boas que chega a ser inacreditável que demoraram tanto para tê-la e executá-la. Como muito da inspiração original da franquia veio dos samurais e da cultura japonesa, foi natural que a Lucasfilm olhasse primeiro para o Japão para materializar Star Wars: Visions, cuja primeira temporada é composta de nove curtas independentes produzidos por sete estúdios de animação japoneses com um resultado libertador em termos de criatividade de linhas narrativas, engenhosidade das técnicas de animação e desenvolvimento de novos e fascinantes personagens que eu fiquei até espantado que alguns deles não ganharam séries derivadas próprias (na verdade, o único curta que foi aproveitado fora do audiovisual – O Duelo – só ganhou uma HQ e um ótimo romance).

Mas, tendo que escolher entre uma coisa e outra, sempre preferirei mais curtas novos do que o aproveitamento de curtas preexistentes! E, com isso, chegamos à segunda temporada da série em formato de antologia, com a Lucasfilm tomando a mais do que acertada decisão de ultrapassar as barreiras nipônicas e distribuir oito dos nove curtas para estúdios de animação de oito outros países, sendo eles, na ordem do Disney+, Espanha, Irlanda, Chile, Reino Unido, Coréia do Sul, França, Índia e África do Sul. E, surpresa, surpresa, o que temos são nove curtas que disputam ferozmente a primeira colocação, quase que literalmente se embolando no topo de um sarrafo que foi definitivamente colocado lá no alto para que uma futura terceira temporada tenha que cortar um dobrado para igualar.

Como é de se esperar, quase todas as histórias giram ao redor da tentação do lado sombrio, a descoberta de conexão com a Força e a destruição imposta pelo Império das mais diferentes formas, com apenas um curta – Eu Sou Sua Mãe (I Am Your Mother) – do sempre sensacional estúdio britânico de animação em stop motion Aardman, abordando uma história de viés puramente cômico que coloca uma cadete Twi’lek da academia de pilotos de Wedge Antilles tendo que lidar com a vergonha que sente de sua mãe em uma corrida entre as famílias dos cadetes. A animação no estilo “massinha” com panos de fundo em computação gráfica é do nível que sempre esperamos do estúdio e a relação entre mãe e filha não só é cativante, como facilmente reverbera na vida real de muitos jovens em relação a seus pais.

Mas, já que estou falando em stop motion, os leitores aqui do site provavelmente sabem o quanto eu admiro essa técnica, seja ela usada em animação ou em obras live-action. Portanto, qual não foi minha gratíssima surpresa quando eu notei que Eu Sou Sua Mãe era apenas um de três curtas animados com essa técnica, com os dois outros, Nas Estrelas (In the Stars, do estúdio chileno Punkrobot) e A Canção de Aau (Aau’s Song, do sul-africano Triggerfish) lidando maravilhosamente bem com a descoberta de conexões com a Força, o primeiro da maneira tradicional, mas acrescentando uma até pesada camada trágica ao colocar duas irmãs, as únicas sobreviventes de seu povo, lutando contra a opressão e destruição do Império, e, o segundo, criando uma interessantíssima sintonia musical da jovem Aau com os cristais Kyber, em um belíssimo planeta que os minera sob supervisão dos Jedi. Melhor ainda, apesar de serem, no total, três obras em stop motion, elas são de técnicas diferentes, com a já citada “massinha” da Aardman, o uso de bonecos de movimentação mais tradicional em Nas Estrelas e, finalmente, o emprego do feltro pela Triggerfish.

Mas o deslumbramento vem também da animação mais tradicional, seja ela clássica, seja CGI, seja a mistura das duas técnicas como eu creio ser o caso do visualmente belíssimo Sith, do estúdio espanhol El Guiri, que abre a antologia, com uma ex-aprendiz do Lado Sombrio que vive escondida em um planeta afastado fazendo pinturas com seu poder e lutando para manter as trevas de sua vida pregressa à distância tendo que enfrentar um Lorde Sith que chega para levá-la de volta para o treinamento. O uso do preto e branco sendo “pintado” diegeticamente durante a evolução do curta é um conceito formidável, assim como são os personagens que se enfrentam com sabres de tirar o fôlego, especialmente o da ex-aprendiz que é uma katana dupla, com uma das lâminas na cor amarela. Screecher’s Reach, a animação seguinte produzida pelo irlandês Cartoon Saloon faz uma bela dobradinha com Sith, pois lida fundamentalmente com a mesma temática, ou seja, uma jovem sendo tentada pelo Lado Sombrio ao explorar uma caverna e se deparar com uma bruxa Sith. Assim como no primeiro curta, os traços são inacabados, mas, aqui, eles ganham uma abordagem caótica, urgente, insana mesmo que faz o embate da jovem sensível à Força ser extremamente dinâmico e assustador.

Na mesma seara dos dois curtas citados imediatamente acima, há Jornada à Cabeça Sombria (Journey to the Dark Head), do estúdio sul-coreano Studio Mir, e o único originalmente  com elencos originais separados em coreano e em inglês, que coloca uma jovem originalmente treinada como monja em um templo que tem como objetivo única e exclusivamente registrar a História como ela acontece, peticionando ao Conselho Jedi para retornar lá para destruir uma gigantesca estátua que representa o Lado Sombrio da Força, achando que, assim, ela acabará com a guerra entre Jedi e Sith. Ela e um Padawan que também luta contra seus demônios internos e um passado que não o deixa em paz, então, dirigem-se ao planeta onde o templo fica, com um Lord Sith ao encalço. A narrativa é a representação visual dos dois lados da Força, algo raramente visto e, como se isso não bastasse, os designs da animação são impressionantes em termos de escala, com o embate em uma passarela que liga duas monumentais estátuas funcionando muito bem visualmente e a renderização da computação gráfica não deixando nada a dever a obras milionárias de grande estúdios.

A Dançarina Espiã (The Spy Dancer), do francês Studio La Cachette, é um curta que engana ou, pelo menos, que me enganou. O design de personagens é belíssimo, assim como a animação, com destaque para a personagem do título, dançarina esvoaçante de um cabaré espacial que faz as vezes de espiã implantando rastreadores nos desavisados Stormtroopers que ficam de boca aberta com seus movimentos. Meu engano se deu porque eu sinceramente achei que a obra fosse quase experimental, sem preocupação com narrativa tradicional, somente para, na medida em que o curta se desenvolve, o roteiro apresentar uma história pregressa para a dançarina que não só justifica ela ser uma espiã, como explica os eventos que vemos desenrolar ao longo da minutagem, com direito até a uma rara visão mais clara da xenofobia do Império.

Fechando meus comentários específicos sobre cada curta, não posso deixar de falar de Os Ladrões de Golak (The Bandits of Golak), do estúdio indiano 88 Pictures e de O Poço (The Pit), do estúdio japonês D’Art Shtajio. O primeiro é, de longe, o mais étnico e culturalmente conectado com a nacionalidade de seu estúdio de todos os curtas, o que não o torna menos sensacional, vale dizer. Muito ao contrário, as cores e a cultura indiana são transportadas para o universo Star Wars – ou seria o contrário? – com maestria em outra história sobre descoberta de conexão com a Força, com dois irmãos fugindo do Império e encontrando refúgio em um oásis mencionado pelo pai deles e lá encontrando uma senhora Jedi que sobrevivera à Ordem 66. O design dos personagens chega a lembrar um pouco o fraco design das séries animadas The Clone Wars e The Bad Batch, mas essa eventual fraqueza é mais do que compensada com uma animação criativa e o fantástico uso de cores, algo que é destaque até mesmo em tomadas noturnas. O Poço, única co-produção com a Lucasfilm, conta a história de prisioneiros forçados pelo Império a minerar os cristais Kyber, o que leva à criação de um gigantesco buraco no planeta e o desenvolvimento de uma próspera cidade por perto até que a riqueza acaba e eles são abandonados no fundo do poço literalmente, tendo que contar com a coragem de um deles para sair de lá. É um belo exercício narrativo, com um visual talvez um pouco mais econômico, mas que não perde a força em momento algum.

Ao soltar as rédeas de sua rica propriedade intelectual e permitir um passeio pela criatividade de nove diferentes países, a Lucasfilm engrandece Star Wars e nos permite visões únicas e sensacionais sobre esse vasto universo. O trabalho de curadoria da empresa foi tão incrível que não há um único curta nesta segunda fornada que eu não gostaria de ver ser desdobrado em séries, filmes, livros e/ou quadrinhos. Os próximos estúdios de animação a serem escolhidos pela empresa americana terão que fazer milagre para chegar no mesmo patamar visto aqui. E eu mal posso esperar para ver o que nos aguarda!

Star Wars: Visions – 2ª Temporada (EUA e diversos outros países, 04 de maio de 2023)
Direção: Rodrigo Blaas (2X01); Paul Young (2X02); Gabriel Osorio (2X03); Magdalena Osinska (2X04); Hyeong Geun Park (2X05); Julien Chheng (2X06); Ishan Shukla (2X07); LeAndre Thomas, Justin Ridge (2X08); Nadia Darries, Daniel Clarke (2X09)
Roteiro: Rodrigo Blaas (2X01); Will Collins, Jason Tammemägi (2X02); Gabriel Osorio (2X03); Holly Walsh, Barunka O’Shaughnessy (2X04); Chung Se Rang (2X05); Julien Chheng (2X06); Ishan Shukla (2X07); LeAndre Thomas (2X08); Nadia Darries, Daniel Clarke (2X09)
Elenco: Úrsula Corberó, Luis Tosar (2X01); Eva Whittaker, Alex Connolly, Noah Rafferty, Molly McCann, Anjelica Huston, Niamh Moyles (2X02); Valentina Muhr, Julia Oviedo, Kate Dickie, Amparo Noguera (2X03); Maxine Peake, Charithra Chandran, Daisy Haggard, Bebe Cave, Denis Lawson (2X04); Jang Ye Na, Ashley Park, Lee Kyung Tae, Eugene Lee Yang, Yun Yong Sik, Daniel Dae Kim, Chwang Kwang, Albert Kong, Shin Young Woo, Greg Chun, Lim Chae Hon, Choi Soo Min, Jonella Landry, Lee So Young, Judy Alice Lee (2X05); Camille Cottin, Lambert Wilson, Kaycie Chase, Rudi-James Jephcott, Barbara Weber-Scaff, Bruce Edward Sheffield, Taylor Gasman (2X06); Suraj Sharma, Sonal Kaushal, Neeraj Kabi, Lillete Dubey, Sahil Vaid, Sumanto Ray, Rajeev Raj, Aviral Kumar, Ish Thakkar, Additya Sharma, Shivani Darbari (2X07); Daveed Diggs, Anika Noni Rose, Jordyn Curet, Cedric Yarbrough, Steven Blum, Matthew Wood (2X08); Mpilo Jantjie, Dineo Du Toit, Tumisho Masha, Cynthia Erivo, Faith Baloyi (2X09)
Estúdio:
El Guiri (Espanha – 2X01), Cartoon Saloon (Irlanda – 2X02), Punkrobot (Chile – 2X03), Aardman (Reino Unido – 2X04), Studio Mir (Coréia do Sul – 2X05), Studio La Cachette (França – 2X06), 88 Pictures (Índia – 2X07), D’Art Shtajio (Japão – 2X08), Lucasfilm (EUA – 2X08), Triggerfish (África do Sul – 2X09)
Duração: 159 min. (nove episódios variando de 14 a 21 min.)

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