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Crítica | Star Wars Visions: Ronin, de Emma Mieko Candon

Finalmente algo realmente diferente na franquia!

por Ritter Fan
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A 1ª temporada de Star Wars: Visions, compilação de nove curtas em animação inspirados pelo universo criado por George Lucas e produzidos por sete estúdios japoneses, foi uma bela de uma experiência do Disney+ que, muito sinceramente, espero que gere uma infinidade de frutos que inclusive ajudem a renovar a franquia Star Wars como um todo. E o primeiro desses frutos, cujo lançamento foi anunciado vários meses antes de a série no formato de antologia ir ao ar e que chegou às livrarias americanas 20 dias depois, é Star Wars Visions: Ronin, romance que adapta e expande o curta O Duelo, focado em um misterioso samurai sem mestre que salva um vilarejo de bandidos liderados por uma Sith e que normalmente é considerado como o melhor dos nove.

Escrito por Emma Mieko Candon, natural do Havaí e de ascendência japonesa, em seu primeiro trabalho neste universo, o livro é, para começo de conversa, não-canônico, passado em um universo que lembra aquele que conhecemos em pinceladas gerais, mas que, no detalhe, é completamente diferente. Os conceitos de Jedi e Sith permanecem, especialmente os famosos sabres de luz, assim como Império e o uso de tecnologia avançada, normalmente limitada a naves espaciais e androides como B5-56, fiel e letal companheiro do Ronin sem nome que usa dois sabres na cor vermelha e que recolhe cristais Kyber de suas vítimas, o que logo põe dúvidas sobre o lado que ele está.

Portanto, é necessário – até vital – que o leitor que quiser se enveredar pelo romance primeiro dispa-se de suas pré-concepções sobre o que sabe de Star Wars. Aqui, não há respostas fáceis, não há exatamente um lado sombrio e um lado da luz e a ambiguidade impera em uma recriação que coloca os Jedi ao lado de um Império que não parece ser tão mal quanto o dos filmes e os Sith como um grupo renegado dos Jedi que, há 20 anos, travou uma luta contra eles e perdeu, fazendo com que a então capital do Império, o planeta Rei’izu, tenha misteriosamente desaparecido. Além disso, Candon faz de sua obra um retorno às raízes inspiracionais de Lucas para criar a franquia, pelo que a história é profundamente enraizada na cultura feudal nipônica que gerou os samurais e ronins.

E não só isso. A própria estrutura narrativa do romance é muito mais afeita ao estilo oriental de se escrever do que o ocidental. A estrutura básica de três atos a que estamos acostumados é extirpada em prol de uma progressão mais alongada, de pelo menos quatro atos em que há uma distribuição equânime de desenvolvimento e mistérios. Igualmente, Candon resgata algo que há muito não se via em Star Wars: uma aura mística, mágica mesmo, que tem enorme destaque ao longo da história. O Ronin protagonista ouve uma voz estranha em sua cabeça, convivendo com isso aparentemente há décadas e sua missão de matar Siths é repleta de nuanças que desviam o livro de qualquer caminho óbvio ou didático.

Aliás, diria até que o Ronin não é exatamente o protagonista, pelo menos não o único, já que, diferente do que se poderia imaginar vendo o curta que inspirou o romance, a história não é focada apenas nele, já que ele, depois dos eventos de O Duelo – que são fielmente recriados logo no começo do livro – não demora e acaba se juntando à tripulação da nave Poor Crow: Viajante (ou Raposa), criatura não-binária que constantemente usa uma máscara de raposa e que atrai o Ronin com a promessa de ajudá-lo, Ekiya a piloto experiente que guarda rancor tanto dos Jedi quanto dos Sith e Chie, que é ao mesmo tempo a co-piloto e a sábia do grupo em razão de sua idade. Juntando-se a eles, mas hesitantemente, vemos a versão renascida da Sith que o Ronin mata em O Duelo e que também passa a ouvir uma voz em sua cabeça.

O importante é que cada personagem do grupo principal, especialmente o Ronin, Raposa e Koru (a Sith), é muito bem desenvolvido e muito bem trabalhado, por vezes tomando de vez o protagonista em capítulos alongados, como se todos fossem peças de um plano bem maior que cada um deles e que é representado pelo espelho quebrado cujos cacos simboliza muita coisa ao longo da história, inclusive os cristais Kyber que o Ronin coleciona. Não é, portanto, uma história simples na linha de uma jornada heroica ou algo nessa linha. Há complexidade e há muita contemplação, muita abordagem de queima-lenta que por vezes explode em sequências de ação espetaculares que eu um dia gostaria muito de ver em animação ou, melhor ainda, live-action.

Os tons de cinza dos personagens, porém, criam um potencial problema, especialmente para leitores mais afoitos, pois a falta de definição exata de cada um dos papéis na história pode gerar impaciência e antipatia pela trinca principal. Claro que haverá uma tendência natural a torcermos pelo Ronin em razão do curta-metragem, mas isso pode levar à decepções, já que o personagem não é tão simples quando a animação faz parecer. Há muito mais por trás e nem sempre coisas boas (ou quase nunca, talvez seja mais justo dizer). E o estilo oriental de se escrever que Candon emula muito bem exige calma e tranquilidade, ainda que por vezes realmente haja um pouco do “cão correndo atrás do rabo” e digressões filosóficas que, aqui e ali, atrapalham um pouco a fluidez narrativa, além de uma revelação final que eu até agora não sei se gostei muito, mesmo enxergando seu potencial.

No entanto, considerando que esse é o primeiro romance de Candon na franquia Star Wars, a capacidade demonstrada de se construir um universo único, complexo e que se recusa a se apoiar no que já existe, é fascinante e de se aplaudir. Há muito não lia algo tão interessante e até inovador com a marca Star Wars estampada na capa e desde já fico curioso para saber o que mais Candon será capaz de tirar das mangas de seu quimono.

P.s.: Como o romance não foi publicado ainda no Brasil, eu li no original em inglês e foi minha primeira experiência com o uso prolongado do pronome “they” (eles/elas) para identificar o personagem não-binário que tem grande destaque na história. Devo dizer que, como “they” também é usado, claro, para realmente significar o plural, confesso que senti um pouco de confusão na leitura em alguns momentos, além do esforço de Candon em repetir nomes para deixar claro sobre quem estava falando, o que também causa estranhamento aqui e ali. É algo que dá para se acostumar, porém, pelo que fica o aviso para que quem queira se aventurar pelo romance em inglês mesmo tenha atenção redobrada.

Star Wars Visions: Ronin (EUA, 2021)
Autoria: Emma Mieko Candon
Editora original: Del Rey
Data original de publicação: 12 de outubro de 2021
Páginas: 352

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