Steve é um filme que se impõe pela intensidade, em uma adaptação irrequieta do livro Shy, de Max Porter, que desloca o foco do jovem marginalizado para o adulto que tenta contê-lo. A lente de Tim Mielants acompanha o caos de um dia escolar, com câmera na mão, cortes abruptos, diálogos fragmentados e pressão constante. No centro de tudo, temos Cillian Murphy como Steve, o diretor de uma escola residencial para adolescentes com desafios comportamentais, que carrega nas costas a tarefa hercúlea de manter ordem, dignidade e esperança em meio à deterioração institucional e à jovens problemáticos.
O filme assume sua premissa de crise. Steve vive sob múltiplos colapsos. A escola está ameaçada de fechamento sem aviso, a mídia chega para expor os estragos e desconfianças, e o peso de ser responsável por jovens que o sistema já descartou o consome por dentro. Murphy atua num registro que oscila entre o professor idealista e o homem à beira do colapso, com seu personagem bebendo, tomando analgésicos e chegando ao limite não por fraqueza moral, mas por excesso de responsabilidade. A escolha de centrar o enredo nele confere à narrativa um tom que é menos sobre “consertar” jovens e mais sobre sobreviver a tudo isso.
Na dimensão estética, Steve tem uma linguagem que acompanha a proposta. A câmera tremida e cortes abruptos reforçam o descontrole emocional, sendo que em vários momentos somos jogados para dentro do olhar confuso de Steve. Apesar de achar a ideia técnica interessante e orgânica, há uma cadência cansativa na obra, cheia de excessos visuais desnecessários, longas tomadas repetitivas e uma montagem que não condensa muito bem a trama.
Mesmo que o estresse seja a essência da obra, a agressividade visual acaba se mostrando meio forçada, mais performativa do que natural, se conseguem me entender. Vejo o mesmo problema no texto, com tudo sempre gritado, verbalizado e jogado na cara do espectador. Não sei se considero o filme como algo totalmente apelativo, mas certamente falta uma suavidade, um silêncio ou uma melancolia para dar densidade e equilíbrio à história, que acaba soando meio esquemática na maneira como espetaculariza tudo, como marreta comoção com intensidade e como provoca sentimentos mais do que os constrói.
O realismo palpável ainda é comovente, claro. No elenco coadjuvante, brilham vozes fortes, em particular Jay Lycurgo como Shy, um garoto sensível e calado que carrega traumas e rejeições familiares. Falta tempo, organização ou foco para conhecermos melhor um ou mais jovens para além de rostos caóticos, mas todo o elenco tem presença. Não cheguei a ler o livro, mas talvez a mudança de foco narrativo do material original, tirando o centro de Shy para Steve, acabe tirando o aspecto de drama juvenil que superficialmente permeia a trama.
No balanço final, Steve não se estabelece como conforto autoral. É imperfeito, por vezes desorientado, ambicioso a ponto de se perder, mas sustenta-se pela atuação de Murphy e do elenco coadjuvante juvenil. Se a narrativa falha em abraçar todos os jovens que acena ou em entregar uma história menos gritante, ela ao menos revela o peso de um homem que tentou ser ponte em um abismo, em todas as crises e estresses que o perseguem ao longo de um dia infernal.
Steve – Irlanda, Reino Unido, 2025
Direção: Tim Mielants
Roteiro: Max Porter (baseado no livro Shy, de Max Porter)
Elenco: Cillian Murphy, Tracey Ullman, Jay Lycurgo, Simbi Ajikawo, Emily Watson, Douggie McMeekin, Youssef Kerkour, Luke Ayres, Joshua J Parker, Araloyin Oshunremi, Tut Nyuot, Tom Moya, Ahmed Ismail, Joshua Barry, Archie Fisher, Ben Lloyd-Hughes, Priyanga Burford, George Fouracres
Duração: 92 min.
