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Crítica | Succession – 3X02: Mass in Time of War

Donuts pavlovianos.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

Missa in tempore belli, de onde o título do episódio foi tirado, é uma composição que Joseph Haydn criou em 1796 enquanto a Áustria se mobilizava para tentar lidar com as forças arrasadoras de Napoleão. O interessante da missa é que, por sua natureza conflitante com o estilo de Haydn, muitos estudiosos acreditam que a visão do compositor era antibelicista, o que, transposto para o que vemos acontecer no seio familiar de Succession neste episódio, faz muito sentido, já que há toda a mobilização para uma guerra, mas, ao mesmo tempo, esforços para que ela não aconteça, criando uma gangorra fascinante.

A dinâmica familiar do episódio, com a reunião dos três irmãos em tese ao lado de Logan com o dissidente Kendall, sem que ninguém, sequer por um segundo, admita que está ali porque pensou em mudar de chapéu, é uma obra-prima narrativa que soa natural a cada frame, sejam eles juntos ou separados, algo que é mérito de Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin e Alan Ruck sob as lentes precisas de Mark Mylod. É fascinante ver, de um lado, o discurso ensaiado, cheio de frases de efeito e “lindo no papel” que Kendall faz para defender seu lado e propor uma união contra o pai e, de outro, as reações de Shiv, Roman e Connor, cada um deles fazendo cálculos mentais não sobre os aspectos morais da coisa toda, mas sim, no frigir dos ovos, com que pedaço do império cada um ficaria e, mais importante do que isso, quem seria o mandachuva.

Mas é importante ter em mente que nem mesmo Kendall compra seu discurso composto daquilo que queremos ouvir, mas que, no fundo, sabemos ser impraticável. Suas razões para fazer o que fez não foi nenhum senso de moralidade ou de Justiça, nada que chegue próximo a defender as pessoas que sofreram pelas mãos da Waystar-Royco. Sua abordagem é um construto que teve como estopim seu senso de autopreservação – ele simplesmente não queria ir para a cadeia para defender seu pai ou quem quer que seja – aliado à sua ambição de ser o CEO da empresa como ele acha ser seu direito quase divino. O problema é que, como ele mesmo não compra o discurso, ele não consegue fazer ninguém comprá-lo legitimamente. Sim, ele chegou a balançar seus irmãos, mas foi como um vento forte, mas passageiro, que verga as hastes de bambu, só que sem causar qualquer dano.

E, como era de se esperar, nada acontece, ou seja, Kendall perde fragorosamente essa batalha em razão dos donuts “envenenados” enviados por seu pai para o local da reunião “secreta” como símbolo do poder que o patriarca tem sobre todos eles (incluindo Ken, vale dizer). Só que reparem: esses donuts são apenas a ponta do iceberg do condicionamento pavloviano a que Logan abusivamente submeteu seus filhos basicamente desde que nasceram; são como o som da sineta que faz os cachorros salivarem. Isso fica ainda mais evidente quando lembramos que, antes, cada um dos três filhos recebeu afagos telefônicos customizados do pai que sabe exatamente em que tecla tocar em relação a cada um deles. Kendall, na verdade, não tinha chance alguma neste cenário, pois ele é muito claramente incapaz de bater de frente com o pai, de amealhar a confiança daqueles que o cercam de realmente ser o líder que ele acha que é.

Basta ver Greg. Mesmo daquele jeito aparvalhado do agregado varapau, o jovem não demorou nada a perceber que a casinha de Kendall, que até podia parecer ter sido construída de tijolos, na verdade é de madeira, isso se não for de palha, incapaz de resistir ao inescapavelmente vindouro sopro do grande lobo mau. Sua fuga para procurar um advogado – foi hilário ele primeiro falar com uma amiga que está no primeiro semestre do curso de Direito – com seu avô é tudo o que precisamos saber não sobre Greg, mas sobre Kendall, mas também, claro, sobre a natureza humana em mais um exemplo claro de que nada, absolutamente nada, é de graça. Afinal, vovô Ewan também é uma cobra e também tem seus interesses próprios que não se alinham em nada com os do neto.

O que mais chama a atenção neste episódio – e eu sei que eu poderia ainda falar de Tom e Gerri (he, he, he), além de Marcia, mas a crítica viraria um tratado – é o que ele não mostra. Quando vemos Logan no início, ele está transtornado por não saber o paradeiro de Shiv e por dar a entender que seu mundo está ruindo. E é plantando isso em nossa mente coletiva que o roteiro de Jesse Armstrong nos faz então acompanhar Kendall e suas negociações com os irmãos e também com Sandy (ou a filha de Sandy, vivida por Hope Davis), somente para então, com os famigerados donuts, nos revelar que, neste meio tempo, quase que completamente off camera, Logan tomou as rédeas da situação e partiu para o ataque, inclusive reatando seu casamento com Marcia – a cena dela duramente negociando com o avatar de Logan e depois indo lá massagear os ombros do marido é espetacular – graças a um incentivo financeiro e usando sua manipulação plantada profundamente nas mentes dos filhos para virar a mesa completamente. Como eu disse, Kendall não tinha chance…

A ambiguidade interpretativa da criação de Haydn, então, ganha sua versão corporativa em Mass in Time of War, episódio que é uma lição em narrativa, interpretação e direção capaz de capturar nossa atenção desde o primeiro segundo de projeção e nos deixar frustrados quando, de repente, vem a tela preta e os créditos começam a rolar. Quase uma hora de entretenimento denso que passou em praticamente um esfuziante minuto, como acontece com as melhores composições clássicas.

Succession – 3X02: Mass in Time of War (EUA – 24 de outubro de 2021)
Criação: Jesse Armstrong
Direção: Mark Mylod
Roteiro: Jesse Armstrong
Elenco: Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Nicholas Braun, Matthew Macfadyen, Peter Friedman, J. Smith-Cameron, Natalie Gold, Justine Lupe, Sanaa Lathan, Hiam Abbass, James Cromwell, Hope Davis
Duração: 59 min.

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