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Crítica | Succession – 3X07: Too Much Birthday

A problemática mente de Kendall Roy.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

Se relembrarmos a trajetória de Kendall ao longo da presente temporada, notaremos que sua única vitória foi conseguir contratar a superadvogada Lisa Arthur lá no primeiro episódio. A gigantesca, absurda, surreal, cômica, trágica e, como diria o Tio Patinhas, quaquilionária festa de aniversário de 40 anos dele encapsula o porquê de o personagem não conseguir bater de frente com o pai em uma disputa feroz, mas que, se ele continuar voando solo, será fadada ao retumbante fracasso. Mas a opulência cômica do parque de diversões que ele cria para se dar tapinhas nas costas enquanto trafega sozinho em meio a uma multidão cujo valor somado deve dar o PIB de alguns países de terceiro mundo e, se duvidar, pelo menos um pequeno de primeiro mundo, representa muito mais do que seu beco sem saída pessoal.

O desenho de produção de Too Much Birthday é impressionante – um espetáculo à parte, diria – e faz das várias “seções” da área da festa ao mesmo tempo um retrato do que se passa na mente mais do que perturbada de Ken, que ele enxerga como positivo, claro, e nós, como negativo, como também, metalinguisiticamente, nos fornece um mapa de sua decadência e, não posso deixar de afirmar, ainda que em um patamar diferenciado, a de sua família toda. Desde a entrada pelo “canal vaginal” que Roman usa como uma piada (em cima de uma piada) que, de tão horrível, ele mesmo fica constrangido, passando pelas “manchetes futuras de jornais” que registra aquilo que Ken espera que aconteça como uma provocação de 5ª série e a “casa na árvore” que, com sexo, drogas e qualquer outra coisa que bilionários possam pedir com um estalar de dedos, tenta representar a infância do aniversariante, e chegando ao sinistro, mas ao mesmo tempo tristíssimo “túnel dos elogios”, em que os transeuntes são bombardeados por afagos em seus egos por pessoas pagas para fazer papeis humilhantes, o que vemos são ecos de tudo o que está errado com Ken, com os Roys e, claro, com o mundo corporativo desse nível estratosférico que provavelmente ninguém que está lendo esta crítica consegue sequer começar a imaginar. Arriscaria dizer que nem Salvador Dalí trabalhando novamente em conjunto com Luis Buñuel, somados de Alejandro Jodorowski chegariam nesse nível de representação de toda uma micro classe social que comanda o mundo.

Aliás, fazendo um parênteses, é muito interessante que Too Much Birthday venha imediatamente após o assustador What It Takes, pois os episódios são tematicamente complementares, se pensarmos bem. Afinal, no frigir dos ovos, os convidados da festa – cuja grande maioria Ken sequer conhece pessoalmente e os que conhece, conhece pouco, apenas de nome ou de cumprimentar em outras festas – são como a nova geração dos futuros escolhedores de presidentes, estabelecendo uma  ciranda viciada (nos mais diversos sentidos da palavra) sem fim que estabelece um ciclo inquebrantável – ou, pelo menos, muito dificilmente interrompido – de irresponsabilidade, impunidade e uma espécie de direito divino de controlar a vida dos outros ou, talvez mais apropriadamente falando, de pisar na vida dos outros (notem como isso é quase que dito com todas as letras com a notícia de que o Departamento de Justiça caminha na direção de apenas multar a empresa dos Roys). Chega a dar agonia ver Ken nos guiar pela sua psicodélica gastação de dinheiro como um pagamento prévio, uma reserva de lugar em um futuro em que ele e seus pares ali estarão em um outro tipo de festa com um outro objetivo.

Retornando diretamente à festa, o roteiro de Georgia Pritchett e Tony Roche de certa maneira replica a estratégia insidiosa do patriarca Logan Roy de enviar donuts para a reunião de irmãos em Mass in Time of War, pois ele tem absoluta clareza de como a mente de seus filhos – especialmente a de Ken – funcionam. O donut da vez é a oferta de compra das ações de Kendall na Wayster-Royco, algo como ele mesmo classifica como um valor em torno de 2 BIlhões de dólares. Essa singela – nesse mundo – carta é o que marca o começo da nova espiral de insegurança que leva Ken a atitudes cada vez mais erráticas e que são só amplificadas desproporcionalmente quando sua ex-esposa indaga se ele recebeu o presente que seus filhos haviam feito. Jeremy Strong dá outro show ao longo de todo o episódio, em uma atuação hipnotizante e angustiante desde seu ensaio musical no início até quando Roman o derruba no chão.

E o melhor do trabalho do ator é que ele consegue nos fazer ter empatia por alguém que, talvez diferentemente da percepção de muita gente, não é lá tão diferente de seu pai. Vemos um homem mentalmente enfermo que parece nutrir esperanças inocentes como esperar que seus irmãos estejam ali genuinamente em razão de seu aniversário e não exclusivamente para negociar a compra da GoJo de Lukas Matsson (Alexander Skarsgård que aparece pouco, mas que consegue instantaneamente construir outro personagem asqueroso). Vemos um empresário sem chão, que não consegue ser ninguém sem ser um Roy, mas que sabe que ser um Roy tem um preço terrível. Vemos um pai que, quando é lembrado que tem filhos, fica obcecado por eles, como se  eles fossem – e talvez sejam mesmo – sua última conexão com um mundo que em alguma parte de sua mente (talvez na “casa da árvore”) pode mesmo ser melhor.

O que Ken talvez não perceba ainda é que Shiv talvez tenha verdadeiramente entendido o que seu pai acha dela. Logan pode ter cometido um erro ao escolher, como filho da vez, o enlouquecidamente eficiente Roman (temos que dar o braço a torcer, pois ele, em suas doideiras, um cara que entrega resultados). Na verdade, dois erros, pois Roman, agora, depois de dois grandes acertos seguidos – apoiar o candidato fascista e iniciar a compra da empresa de streaming – parece ter subido alguns patamares em sua mente, o que o coloca em uma posição que pode ser perigosa até para o pai dada sua relação doentia com Geri. O outro erro, claro, é alienar Shiv ainda mais, algo que a temporada também vem fazendo com gosto, dando-lhe o cargo de presidente marionete que ninguém ouve, somente para levar chapoletadas verbais do pai em público, culminando com seu alijamento da proposta de compra das ações de Ken. Se Shiv trocar de lado, deixando seu resquício de moralidade alinhar-se com seu desejo de poder, será a grande chance de algum tipo de revide mais contundente nesta guerra desigual cujas vítimas sequer aparecem na série.

Too Much Birthday é mais um episódio-aula em Succession. Sai a pura abordagem política do capítulo anterior que suga o espectador para um redemoinho de intrigas e de jogos verbais, entra um mergulho psicológico de fazer suar as palmas das mãos que é como um espelho da alma não só de Ken, mas do mundo exclusivo – decadente, mas perene – que ele representa.

Succession – 3X07: Too Much Birthday (EUA – 28 de novembro de 2021)
Criação: Jesse Armstrong
Direção: Lorene Scafaria
Roteiro: Georgia Pritchett, Tony Roche
Elenco: Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Nicholas Braun, Matthew Macfadyen, Peter Friedman, J. Smith-Cameron, Natalie Gold, Justine Lupe, Sanaa Lathan, Hiam Abbass, James Cromwell, Hope Davis, Alexander Skarsgård
Duração: 59 min.

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