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Crítica | Succession – 3X09: All the Bells Say

A compra e venda de almas.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

Deixe-me por um momento desconsiderar o final de Chiantishire, que faz um esforço considerável para dar a entender que Kendall morre, e abordar a substância de All the Bells Say, algo que considero mais premente. Mas eu voltarei ao cliffhanger, podem deixar, pois ele é relevante para a temporada com um todo, para o mal ou para o bem. Pelo momento, porém, vamos focar nas reviravoltas negociais e, principalmente, familiares que o último episódio da 3ª temporada de Succession traz e como elas podem impactar o futuro da série.

Ainda tendo o casamento de Caroline como pano de fundo principal, o episódio lida com a meteórica valorização da GoJo, empresa que Logan Roy pretendia comprar, mas que, no episódio passado, já era grande o suficiente para forçar uma fusão em igualdade de condições. Agora, graças às manobras de Lukas Matsson e a imposição de uma multa de valor sem precedentes pelo Departamento de Estados à Waystar-Royco, a GoJo ultrapassa o valor de mercado do império de Logan e a conversa passa a ser o exato oposto, com a empresa representante da modernidade passando a ter cacife para comprar o dinossauro. E o que mais surpreende é a reação de Logan que, talvez compreendendo exatamente o que Lukas diz para ele e não vendo outra saída, não explode de raiva e de ultraje repleto de palavrões. Muito ao contrário, para surpresa – e pavor – de seu próprio filho, ele parece considerar essa opção, permanecendo na vila de Lukas e basicamente enxotando Roman de volta ao casamento.

E, com isso, o roteiro de Jesse Armstrong brilhantemente nos mantém pendurados sobre a exata natureza do que está acontecendo nos bastidores até os minutos finais, com a direção de Mark Mylod passando a focar mais uma vez na dinâmica entre os herdeiros, só que com ingredientes mais voláteis e, arriscaria dizer, ainda mais interessantes do que o que foi feito antes, notadamente em Mass in Time of War e Too Much Birthday. Em poucas palavras, depois que Connor é mais uma vez basicamente esquecido pelos próprios irmãos, que o encaram muito mais como uma piada do que qualquer outra coisa, ele finalmente obtém uma resposta positiva de Willa sobre a proposta de casamento, uma resposta muito mais motivada por pena do que por qualquer outra coisa.

Mas esse momento que Connor tem perante os irmãos começa a partir de uma tentativa de intervenção sobre Kendall comandada por Shiv, talvez o momento que mais genuinamente desencava a humanidade profundamente enterrada dos filhos de Logan Roy. Eles parecem se preocupar mesmo com a saúde física e mental de Kendall, algo que é interrompido pela movimentação de bastidores e que leva Ken, vendo os garçons tirando o lixo, finalmente a confessar sobre o ocorrido lá atrás na 1ª temporada. A reação a isso é preciosa, um misto de compadecimento hesitante e envergonhado disfarçado de deboche por Roman e de preocupação materna exacerbada por Shiv e que só leva mesmo à reunião entre os três irmãos depois que eles conseguem informações mais palpáveis sobre o que exatamente está acontecendo. O dinheiro e o poder controlam as ações de todos ali, como sempre controlaram.

Note como Ken aos poucos desperta de seu torpor depressivo quando um plano começa a ser montado para impedir que o pai venda a empresa para a GoJo, o que deixa evidente que ele, mesmo que definitivamente seja o mais sensível de todos ali, é realmente movido pela mesma fagulha que move Logan a fazer o que faz. E é a Waystar-Royco – ou o perigo à empresa ou, talvez, o fato de eles terem sido alijados da negociação – que finalmente une a trinca em prol de um objetivo que é apenas de longe parecido com o objetivo inicial de Ken ao denunciar publicamente o pai, pois, agora, o ponto é tirar o poder de um Roy e distribuí-lo para três Roys em uma dança das cadeiras que, na prática, para o mundo exterior, significa que nada mudará.

Mas o que é realmente sensacional em All the Bells Say é como o episódio é o cuidadoso fruto de uma temporada soberba, que tem cada diálogo e cada acontecimento funcionando para nos levar a esse ponto na história em que os filhos, finalmente enfrentando o pai como uma unidade, são derrubados por um Logan mais do que preparado e, claro, capaz de fazer absolutamente qualquer coisa para neutralizá-los, inclusive renegociar o acordo de divórcio com Caroline, efetivamente retirando a força dos filhos. Isso só é possível pela cadeia de acontecimentos ao longo da temporada, especialmente o casamento de Caroline que serve de porta de entrada para entendermos a natureza do divórcio dela de Logan e o quanto isso significa para seus filhos e também para que haja a oportunidade para que Shiv primeiro mostre sua mais absoluta insensibilidade em relação ao marido e, ato contínuo, ao brindar o novo casamento da mãe, use o seu próprio matrimônio como exemplo de união próspera e feliz, funcionando com a gota d’água para que Tom finalmente tome uma posição diretamente contra sua esposa, entregando a alma ao diabo como ele mesmo diz a Greg (e temos que combinar que a alternativa era também outra entrega de alma a outra entidade maléfica).

Só que a própria ação de Tom, aqui, tem uma gênese ainda anterior, quando ele sugere a Shiv que ele seja o bode expiatório da traição de Ken, ao que ela responde também com indiferença, quase que como uma obrigação dele. E mais, quando Tom faz essa oferta para Logan, a resposta do patriarca é um agradecimento sincero, genuíno, com direito até mesmo à afirmação de que as coisas não chegarão a esse ponto (e não chegam mesmo, como se fosse uma profecia que se concretiza). Tom vê em Logan sua tábua de salvação no lodaçal em que percebe que está e prefere trair seu amor do que viver em eterna submissão a ele.

E, novamente, é incrível como Mylod mantém a dubiedade da lealdade de Tom até os segundos finais, quando, depois que Logan coloca Caroline no viva voz para que ela confirme o novo arranjo com o ex-marido, ele sai da sala somente para cumprimentar Tom, que chega ali como quem não quer nada e continua agindo como se nada soubesse. E é igualmente incrível como o diretor conduz a sequência em que os irmãos confrontam o pai, com Logan primeiro tentando tirar Ken da sala, depois dizendo aos três que esse é o melhor caminho e, depois, ao não ver efeito em suas palavras, jogando um contra o outro, especialmente manobrando Roman que, porém, mantem-se firme até a tal ligação que é como a primeira facada contra Júlio César no senado romano. Logan pode ter perdido a empresa – e eu ainda tenho dúvidas se ele realmente a perdeu -, mas ele saiu de acordo com o que ele queria, com o que ele decidiu e não com o que terceiros decidiram para ele.

Esse cenário tem o potencial de mudar completamente a série e de fazê-la caminhar para seu final. A “sucessão” familiar prometida não aconteceu. Ao contrário, pelo visto a Waystar-Royco é que foi sucedida pela GoJo e Logan, como Ken diz, acrescentará cinco bilhões de dólares aos seus já vários bilhões de dólares apenas porque sim, porque é algo que partiu do patriarca, mesmo que acuado por seu rival (mas nunca pela família!). Será muito interessante ver como isso será desenvolvido na já em produção 4ª temporada, pois o potencial para uma mudança de dinâmica é enorme, quase que como se a série fosse recomeçar.

Mas eu prometi que voltaria à impressão de morte que o cliffhanger do episódio anterior deixou. Quando Logan diz aos netos que o pai deles está bem e quando o próprio Ken aparece vivo, ainda que baqueado pelo ocorrido – um “quase” suicídio, muito claramente – confesso que minha primeira reação foi de incredulidade. Não que eu quisesse a morte de Ken, já que Jeremy Strong vem fazendo um trabalho sem paralelo, mas a cena da “morte”, mesmo que ambígua, foi milimetricamente calculada para ser mesmo a cena de uma morte e não algo que pudesse ser revertido sem impunidade. No mínimo, como disse na crítica anterior, deveria haver consequências diretas do ocorrido e não houve exatamente, ainda que o momento de confissão de Ken possa ser visto como tal mesmo que ela pudesse acontecer sem o drama na piscina. Em minha cabeça, uma série como Succession não podia brincar de cliffhanger bobo para fazer suspense como tantas outras por aí fazem.

A questão é que, em primeiro lugar, os acontecimentos do episódio são tão poderosos e tão bem conduzidos que eles conseguem apagar eventuais problemas detectados aqui e ali. Claro, vai de cada um, mas, pensando e repensando, cheguei à conclusão de que esse quase suicídio involuntário de Ken funcionou no contexto do que havia sido mostrado e serve para mostrar que, lá no fundo – mas bem lá no fundo mesmo – há um resquício de moral, ética e humanidade em Logan Roy. Caso contrário, a primeira cena do capítulo não seria ele lendo para os netos, mesmo que do jeitão dele e logo saindo para atender uma ligação. É um começo “em família” que conversa com o final em que a “família” (as aspas são necessárias) é mais do que completamente destroçada, com pai e mãe traindo os filhos que, por sua vez, planejavam trair o pai e marido traindo esposa que, por seu turno, sequer liga para o marido para além de fazê-lo de capacho.

Portanto, mesmo com a dissolução parcial do cliffhanger do penúltimo episódio, All the Bells Say encerra o 3º ano de Succession no ponto mais alto possível e prometendo mudanças profundas para a vindoura quarta temporada. Há espaço para tudo, na verdade, pois dinheiro e poder (não são sinônimos?) mandam na série e em seus personagens que por mais de uma vez já se mostraram capazes de engolir uma chuva de sapos por eles, se for necessário. Claro que imaginar um cenário sem Logan no comando absoluto de seu império é no mínimo estranho ao ponto de eu achar sinceramente improvável que aconteça, mas, seja o que for que Jesse Armstrong esteja tramando, pode ter certeza que eu estarei mais do que disposto a encarar, mesmo que meu estômago fique embrulhado ao final.

Succession – 3X09: All the Bells Say (EUA – 12 de dezembro de 2021)
Criação: Jesse Armstrong
Direção: Mark Mylod
Roteiro: Jesse Armstrong
Elenco: Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Nicholas Braun, Matthew Macfadyen, Peter Friedman, J. Smith-Cameron, Natalie Gold, Justine Lupe, Sanaa Lathan, Hiam Abbass, James Cromwell, Hope Davis, Alexander Skarsgård
Duração: 64 min.

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